terça-feira, 16 de outubro de 2007

JÁ VIRAM ALGUMA COISA SEMELHANTE?

A história abaixo, contada pelo mestre Edson Gomes Travassos, professor na área ambiental, em Belo Horizonte (MG), está-se tornando História real. Real.

JÁ VIRAM ALGUMA COISA SEMELHANTE?

Eram 169 pulgas, 38 carrapatos e 75 piolhos. Todos moravam num cão de rua. Naquele “planeta” os carrapatos preferiam o interior das orelhas, os dedos, e as axilas. No dorso, lombo e abdômen viviam as pulgas. Os piolhos, no restante. O cão era uma coceira só. Sugavam o sangue, inoculando-lhe uma saliva irritante. Dia e noite, domingos e feriados.
Um dia alguém percebeu que o alimento estava caindo de qualidade - um sangue ralo e cada vez mais cor-de-rosa. Seria necessária uma assembléia de todos os moradores. Na semana seguinte, teve início a I Conferência Planetária do Meio Ambiente. O fórum escolhido foi o dorso do animal. Compareceram 292 pulgas, 94 carrapatos e 101 piolhos. Após a aprovação do regimento da Conferência, uma pulga fez uso da palavra:
– Senhoras e senhores, temos notado uma drástica diminuição dos nossos recursos naturais. O planeta está anêmico!
– As culpadas são vocês mesmas, suas pulgas imediatistas... - atacou uma fêmea de carrapato, intumescida de sangue.
– Que nada, nós até sabemos reciclar...
– Não entendi – interpelou um piolho.
– Nossas larvas, futuras pulgas, são alimentadas com nossos próprios dejetos... Isso é ou não é reciclagem?
– Acho que tudo é uma questão política – completou outro carrapato.
E a reunião prosseguiu acalorada. De repente o “planeta” começou a balançar.
Efeito estufa? Aumento de temperatura global? Queimadas? Terremotos? Ou efeito do buraco na camada de ozônio? Na verdade, era o cão que se coçava desesperadamente num solitário jequitibá. Ouvindo toda a discussão a árvore tentou ajudar:
– Gente! Vocês já ouviram falar em “desenvolvimento sustentável?” – e todos silenciaram para escutar. – Antigamente esta praça era uma floresta. Inúmeras árvores de variadas espécies. Produzíamos flores, frutos, abrigos, sombra e madeira. As folhas mortas e os restos dos animais se decompunham rapidamente com a ação do calor e da umidade freqüente. Assim todos os nutrientes eram devolvidos à terra-mãe, alimentando-nos e possibilitando o nascimento de novas plantas. Tudo aqui era biodiversidade. Existiam orquídeas, bromélias, cipós e toda a vida animal. As copas amenizavam a queda da chuva que suavemente deslizava entre os galhos. Não havia erosão. De vez em quando, cortavam algumas árvores. Nem precisavam reflorestar. Nós mesmas fazíamos o replantio com a ajuda dos morcegos frugívoros, cotias, gralhas, borboletas, beija-flores, e até o vento. Assim a floresta se AUTOSUSTENTAVA. Mas um dia começaram a desmatar além da conta... logo fiquei sozinha. Hoje virei mictório de cães e de gente. As minhas folhas são impiedosamente varridas. Não têm mais o direito de apodrecer ao pé da árvore-mãe...
– Mas, afinal, o que é desenvolvimento sustentável? – perguntou um piolho.
– É cada um sugar sem exageros o alimento e dar tempo ao “planeta” de se recuperar.
– Vamos ter que produzir economizando – lembrou um carrapato, demonstrando preocupação. – Afinal, todos nós podemos jejuar mais de um mês...

E a plenária efervesceu. Foram criados manifestos e leis ambientais. Publicaram a “Carta dos Ectoparasitos”. Elegeram delegados. Todos se comprometeram... Ao final dos debates, já havia 3.090 pulgas, 2.348 carrapatos, 2.251 piolhos...

No dia seguinte, o cão morreu.