Em diversos artigos, temos citado que, ante o vital problema ecológico por que passa o planeta, a sua solução começa pela efetivação de um governo mundial. Este seria o primeiro passo concreto para estabelecer uma condição lógica com objetivo de revolucionar toda a arquitetura conceitual da sociedade humana. Como não temos sido compreendidos ao apontar esse rumo, resolvemos fazer uma pequena análise do assunto, procurando justificar nossa posição e esclarecer os pontos em que se fundamenta. Não chegamos a tal conclusão pelo simples e personalístico fator psicológico do “achismo”, mas por conclusão racional amadurecida após mais de 20 anos de concentrado exercício de observação, estudo e reflexão.
Como revela a História, em diferentes estágios a sociedade ficou dependente das decisões de um governo monolítico que abrangia o “mundo” da época. Integrava-se à cultura sedimentada dessas ocasiões o entendimento de que o “mundo” era plano e infinito. Antigamente, sob conceitos pessoais, só se contavam os lugares com importância estratégico-militar e econômica. Esses imensos territórios eram conquistados, geralmente pelo poder das armas, e se lhes dava o nome de império. Tivemos em tempos distintos impérios que abarcavam o “mundo” conhecido ou significativo, tais como os dos egípcios, dos gregos, dos romanos. A Idade Média foi uma longa ocasião em que as diretrizes políticas e religiosas, com amplidão “mundial”, eram ditadas por uma autoridade centralizada no Vaticano. Foi um poder único no contexto universal por diversos séculos.
Posteriormente, revelou-se que o mundo era esférico, limitado mas enorme. Contudo, as partes representativas, mercê de uma população reduzida, eram poucas e cobriam apenas o mundo conhecido. No século XVI, com uma população estimada em 600 milhões de pessoas, o mundo total ainda era excessivamente grande, tão grande que os paises mais poderosos se julgaram no direito de colonizar os de povos mais atrasados para lhes explorar os recursos naturais. A ganância pessoal comandou o período de intensa anexação de territórios, até onde os canhões conseguiam alcançar. A Inglaterra se gabava de ser um império tão grande que, em seus vastos domínios, a luz do sol nunca deixava de brilhar.
Com o crescimento demográfico para índices absurdos (de 1900 a 2008, apenas 108 anos, a população do planeta quadruplicou); a ocupação de todos os espaços; a extensão da agricultura; a revolução industrial; o desenvolvimento tecnológico acelerado; e a ganância desenfreada, agora universalizada pela formação de inúmeras corporações econômicas, o planeta foi ficando cada vez mais pequeno. A tal ponto que, hoje, o nosso hábitat natural global, está insuficiente em 30% da sua capacidade natural de suporte e recomposição. Imagine-se que somente dos EE.UU. saem diariamente rumo à Europa, 1000 aviões que retornam à tarde. O movimento doméstico de aeronaves naquele país chega a 16.000 voos diários.
Pelo avanço da dinâmica citada, houve uma mudança muito grande na visão de mundo. O conceito de espaço atualmente é muito diferente do que vigorava quando ainda não havia o problema ambiental. Basta meditarmos quão irracional é a existência de uma cidade com 10 milhões de habitantes. Como conseqüência lógica, temos que ter, no atual século XXI, a consciência de que o mundo é um planeta diminuto, insuficiente, extenuado, anêmico, próximo a entrar nas violentas convulsões da agonia. Está numa situação idêntica à de uma laranjeira que retira da terra 100% de seiva máxima de sua capacidade e transfere, hoje, 30% à colônia de ávidos sugadores de pulgões que não cessam de procriar. Seguidamente, a seiva vital dessa árvore será desviada em 40% para os parasitos, progressivamente, até que a laranjeira se torne anêmica e morra.
Esse pequeno histórico é para caracterizar que, no entendimento cultural dos povos – consequente da tradição histórica –, governo mundial representaria a existência de um órgão brutal destinado a se impor ao mundo em benefício dos interesses de um país. Tal como se percebe hoje: vigência de um imperialismo de fato, camuflado sob o eufemismo de globalização. Na verdade, compreendemos que a globalização é realmente um imperialismo, mas não exatamente de um país, e sim de um sistema social de castas, construído sob o arcabouço econômico. Esse entendimento não se coaduna com a ideologia ambientalista, fundamentada na visão de fatos trágicos, concretos e insofismáveis sob o endosso da ciência e da observação. Governança mundial abrangente já existe, só que com métodos e objetivos vis.
Ante as evidências do desequilíbrio ambiental e identificação do agente causal, ambos gigantescos, torna-se urgente a formação de um governo planetário, isto é, um órgão pleno para gerenciar a preservação do meio ambiente em todo o globo terrestre. Com essa finalidade, calcada na visão realista das dificuldades advindas dos vícios individualistas, deverá ele ser forte, representativo, soberano, dispondo da união das forças coercivas dos principais paises. Essa conclusão se baseia na situação inconteste de que o planeta, submisso à estrutura econômica de caráter mundial, está à mercê das conveniências nacionais, extremamente danosas ao todo.
O arcabouço da atual civilização se fundamenta na ação de transformar incontrolavelmente os recursos naturais finitos não em investimento, mas em renda. É o mesmo que uma fábrica alienar mensalmente parte de máquinas operatrizes. Nesse objetivo, deve-se levar em consideração que se chocam os objetivos mercantilistas dos paises com os da preservação ambiental. As nações agem em função de seus interesses econômicos às custas do planeta; o governo global deverá atuar em função dos interesses vivenciais do planeta, beneficiando o conjunto global. O benefício do todo deve se sobrepor ao das partes, por uma simples questão de lógica.
Algumas vozes representativas têm se pronunciado incisivamente sobre a degradação planetária. Kevin Rudd, primeiro ministro da Austrália, por exemplo, disse que “Nenhum problema ressalta mais a interdependência entre nações do que a mudança climática. Ela demanda que nosso sistema global faça algo que nunca foi feito antes.” Parece-nos que a Austrália tem o governo mais pragmático em assuntos ecológicos porque esse país vem sofrendo, em termos reais, as conseqüências danosas das ações econômicas e demográficas, pois os recursos naturais daquele país são relativamente pobres e fracos e, por isso, as reações vêm mais cedo.
Emma Duncan, em uma análise ambiental no “The Economist” escreveu, sobre a próxima reunião em Copenhague em 30.11.2009, que “Não se chegar a um consenso significa que a humanidade está desistindo de tentar salvar o planeta.” Consenso em Copenhague, se positivo, só pode distinguir-se como um protótipo de governo mundial. Contudo, há vozes dissonantes, como a do Sr. Peter Braleck Letmathe, gerente geral da Nestlé, em artigo escrito sobre o problema de água no mundo: “... da forma como a água tem sido administrada, ficaremos sem água muito antes de ficarmos sem combustível.” Esse senhor tem a consciência aprisionada pelas influências culturais, não conseguindo enxergar um grau de ângulo fora de seus interesses. Não é capaz de distinguir entre o essencial à vida e o supérfluo.
Alguém dirá que governo mundial constitui uma utopia. Excluindo-se o sentido negativo, posteriormente agregado ao termo, o rumo aventado pode ser chamado de utopia no seu sentido benéfico, justo e racional. Mas – aí é que está a dificuldade – essa utopia, a que corresponde uma revolução, deve ser mesmo implementada, por necessidade de sobrevivência, sob pena de ela se transformar em mortalha. Uma revolução só é utopia antes de ser realizada.
Entendemos que essas ações – que somente podem partir de lideranças mundiais –, se não forem efetivadas com urgência, o planeta chegará a um ponto crítico sem retorno. Daí em diante, a sentença do caos estará decretada.
A respeito de urgência, cabe-nos pôr em relevo um fator importantíssimo na sua conceituação. Referimo-nos ao Tempo, que tem a indestrutível propriedade de não voltar atrás e a razão científica segundo a qual as ações maléficas de hoje produzem reações climáticas a médio e longo prazo. Dentro desse contexto, temos apenas 15 ou 20 anos para reverter o déficit existente de 30%. É um tempo muito curto para uma reviravolta na civilização atual. Defendemos que o único caminho para o refluxo da situação é tomarmos atitudes radicais, orquestradas, que somente um governo único mundial pode e teria condições de tomar. Não há tempo para conscientização de 6.600.000.000 de pessoas nem tempo para educação das crianças. A propósito, o recém-empossado presidente dos EE.UU., Barack Obama, já tomou providências para anular medidas proibitivas aos Estados Federados, atinentes ao meio ambiente, ditadas anteriormente pelo irresponsável Bush. Reconhecendo a importância do tempo na tomada de decisões ambientalistas, o novo presidente declarou textualmente: “Estes são tempos extraordinários. E eles exigem ação rápida e extraordinária.” All Gore, premio Nobel, em seu pronunciamento na reunião que se está realizando em Doha, advertiu os participantes de que "o problema ambiental está se tornando irreversível”.
Observa-se que é da natureza humana unir-se para atingir objetivos comuns. Isso já vem sendo realizado por diversos países, mas sempre sob a óptica de interesses político-econômicos. Cada vez mais vem se acentuando esse procedimento. Temos diversos exemplos: ONU, U.E. (União Européia), Nafta, Mercosul, OEA, Alba (Alternativa Bolivariana para a América), Unasul, OPEP, FMI, APEC (Fórum de Cooperação Econômica Ásia), G-8, G-20, União Africana, Parlamentares
para Ação Global, Associação das
Nações do Sudeste Asiático e diversas outras com menor expressão. Já se fala em uniões mais amplas, como “Nações Continentais”. Essas alianças denotam a percepção de uma necessidade político-econômica de grupamento, com vistas às necessidades das partes. Só falta os países enxergarem o óbvio, a auto-destruição ambiental que, em última análise, será também a causa do desmoramento total desse maldito arcabouço econômico.
Na verdade, os principais governos nacionais têm conhecimento da situação de suicídio planetário; não têm é coragem para agir, pois isso implicaria perturbar o caminho de enriquecimento da casta privilegiada. Alguns países têm tomado posições discursivas em favor do meio ambiente, mas se limitam a medidas aparentes, demagógicas, inócuas superficiais. Mesmo países com mais conscientização ambiental como a Holanda, Alemanha, Austrália, Japão, sózinhas, não têm condições para impôr ao restante do mundo ações concretas. Veja-se, por exemplo, a ineficácia dos diversos documentos produzidos pelos principais fóruns internacionais sobre o meio ambiente. Rajendra Pachauri, presidente da comissão IPCC, no encerramento da apresentação do relatório final, proferiu sábias palavras para o mundo. Disse ele que o IPCC apresentou o resultado dos esforços científicos e intelectuais, ficando a implantação das ações correspondentes aos países que têm músculos.
Temos observado que no mundo são realizadas reuniões em defesa do hábitat natural, com maior ou menor participação de autoridades. Até em âmbito municipal. Sempre tratam o assunto com generalidades abstratas ou enganadoras, notando-se que tais atos se constituem apenas como reforço de posições políticas. Quando há fóruns mais representativos, formulam protocolos irreais, inócuos, superficiais que não levam em consideração o verdadeiro sentido do perigo ambiental. Assim foi o Protocolo de Kioto, o de Poznan e será o próximo encontro de Copenhague.
Somente um Governo Mundial, ou Administração Global, ou Centro Mundial, ou que nome seja, com autoridade exclusiva para o meio ambiente – investido de forças e prerrogativas de soberania – poderá salvar a vida em nosso planeta.