Autor: Thomas
Pappon
No final de dezembro passado, a agência que zela
pela segurança alimentar nos Estados Unidos, a Food and Drug Administration
(FDA) aprovou para consumo um tipo de salmão geneticamente modificado,
reacendendo o debate sobre a segurança dos transgênicos e suas implicações
éticas, econômicas sociais e políticas.
É a primeira vez que um animal geneticamente
modificado é aprovado para consumo humano.
Mas muitos consumidores nos Estados Unidos,
Europa e Brasil, regiões em que os organismos geneticamente modificados (OGMs)
em questão de poucos anos avançaram em velocidade surpreendente dos
laboratórios aos supermercados, passando por milhões de hectares de áreas
cultiváveis, continuam desconfiados da ideia do homem cumprindo um papel
supostamente reservado à natureza ou à evolução – e guardam na memória os
efeitos nocivos, descobertos tarde demais, de “maravilhas” tecnológicas como o
DDT e a talidomida.
Boa parte do público ainda teme possíveis
efeitos negativos dos transgênicos para a saúde e o meio ambiente.
Pesquisas de opinião nos Estados Unidos e na
Europa, entretanto, indicam que a resistência aos OGMs tem caído, refletindo,
talvez, uma tendência de gradual mudança de posição da percepção pública.
As principais academias de ciências do mundo e
instituições como a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a
Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) são unânimes em dizer
que os transgênicos são seguros e que a tecnologia de manipulação genética
realizada sob o controle dos atuais protocolos de segurança não representa risco
maior do que técnicas agrícolas convencionais de cruzamento de plantas.
O salmão transgênico, que pode chegar às mesas
de jantar em 2014, será o primeiro animal geneticamente modificado (GM)
consumido pelo homem.
Vários produtos GM já estão nos supermercados,
um fato que pode ter escapado a muitos consumidores – apesar da (discreta)
rotulagem obrigatória, no Brasil e na UE, de produtos com até 1% de componentes
transgênicos.
A BBC Brasil preparou uma lista com 10 produtos
e derivados que busca revelar como os transgênicos entraram, estão tentando ou
mesmo falharam na tentativa de entrar na cadeia alimentar.
Com as variantes transgênicas respondendo por
mais de 85% das atuais lavouras do produto no Brasil e nos Estados Unidos, não
é de se espantar que a pipoca consumida no cinema, por exemplo, venha de um
tipo de milho que recebeu, em laboratório, um gene para torná-lo tolerante a
herbicida, ou um gene para deixá-lo resistente a insetos, ou ambos. Dezoito
variantes de milho geneticamente modificado foram autorizadas pelo CTNBio,
órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia que aprova os pedidos de
comercialização de OGMs.
MILHO
O mesmo pode ser dito da espiga, dos flocos e do
milho em lata que você encontra nos supermercados. Há também os vários
subprodutos – amido, glucose – usados em alimentos processados (salgadinhos,
bolos, doces, biscoitos, sobremesas) que obrigam o fabricante a rotular o
produto.
O milho puro transgênico não é vendido para
consumo humano na União Europeia, onde todos os legumes, frutas e verduras
transgênicos são proibidos para consumo – exceto um tipo de batata, que
recentemente foi autorizado, pela Comissão Europeia, a ser desenvolvido e
comercializado. Nos Estados Unidos, ele é liberado e não existe a rotulação
obrigatória.
ÓLEOS DE COZINHA
Os óleos extraídos de soja, milho e algodão, os
três campeões entre as culturas geneticamente modificadas – e cujas sementes
são uma mina de ouro para as cerca de dez multinacionais que controlam o
mercado mundial – chegam às prateleiras com a reputação “manchada” mais pela
sua origem do que pela presença de DNA ou proteína transgênica. No processo de
refino desses óleos, os componentes transgênicos são praticamente eliminados.
Mesmo assim, suas embalagens são rotuladas no Brasil e nos países da UE.
SOJA
No mundo todo, o grosso da soja transgênica, a
rainha das commodities, vai parar no bucho dos animais de criação – que não
ligam muito se ela foi geneticamente modificada ou não. O subproduto mais comum
para consumo humano é o óleo (ver acima), mas há ainda o leite de soja, tofu,
bebidas de frutas e soja e a pasta misso, todos com proteínas transgênicas (a
não ser que tenham vindo de soja não transgênica). No Brasil, onde a soja
transgênica ocupa quase um terço de toda a área dedicada à agricultura, a CTNBio
liberou cinco variantes da planta, todas tolerantes a herbicidas – uma delas
também é resistente a insetos.
MAMÃO PAPAYA
Os Estados Unidos são o maior importador de
papaya do mundo – a maior parte vem do México e não é transgênica. Mas muitos
americanos apreciam a papaya local, produzida no Havaí, Flórida e Califórnia.
Cerca de 85% da papaya do Havaí, que também é exportada para Canadá, Japão e
outros países, vem de uma variedade geneticamente modifica para combater um
vírus devastador para a planta. Não é vendida no Brasil, nem na Europa.
QUEIJO
Aqui não se trata de um alimento derivado de um
OGM, mas de um alimento em que um OGM contribuiu em uma fase de seu
processamento. A quimosina, uma enzima importante na coagulação de lacticínios,
era tradicionalmente extraída do estômago de cabritos – um procedimento custoso
e “cruel”. Biotecnólogos modificaram micro-organismos como bactérias, fungos ou
fermento com genes de estômagos de animais, para que estes produzissem
quimosina. A enzima é isolada em um processo de fermentação em que esses
micro-organismos são mortos. A quimosina resultante deste processo – e que
depois é inserida no soro do queijo – é tida como idêntica à que era extraída
da forma tradicional. Essa enzima é pioneira entre os produtos gerados por OGMs
e está no mercado desde os anos 90. Notem que o queijo, em todo seu processo de
produção, só teve contato com a quimosina – que não é um OGM, é um produto de
um OGM. Além disso, a quimosina é eliminada do produto final. Por isso, o
queijo escapa da rotulação obrigatória.
PÃO, BOLOS e BISCOITOS
Trigo e centeio, os principais cereais usados
para fazer pão, continuam sendo plantados de forma convencional e não há
variedades geneticamente modificadas em vista. Mas vários ingredientes usados
em pão e bolos vêm da soja, como farinha (geralmente, nesse caso, em proporção
pequena), óleo e agentes emulsificantes como lecitina. Outros componentes podem
derivar de milho transgênico, como glucose e amido. Além disso, há, entre os
aditivos mais comuns, alguns que podem originar de micro-organismos
modificados, como ácido ascórbico, enzimas e glutamato. Dependendo da proporção
destes elementos transgênicos no produto final (acima de 1%), ele terá que ser
rotulado.
ABOBRINHA
Seis variedades de abobrinha resistentes a três
tipos de vírus são plantadas e comercializadas nos Estados Unidos e Canada. Ela
não é vendida no Brasil ou na Europa.
ARROZ
Uma das maiores fontes de calorias do mundo,
mesmo assim, o cultivo comercial de variedades modificadas fica, por enquanto,
na promessa. Vários tipos de arroz estão sendo testados, principalmente na
China, que busca um cultivo resistente a insetos. Falou-se muito no golden
rice, uma variedade enriquecida com beta-caroteno, desenvolvida por
cientistas suíços e alemães. O “arroz dourado”, com potencial de reduzir
problemas de saúde ligados à deficiência de vitamina A, está sendo testado em
países do sudeste asiático e na China, onde foi pivô de um recente escândalo:
dois dirigentes do projeto foram demitidos depois de denúncias de que pais de
crianças usadas nos testes não teriam sido avisados de que elas consumiriam
alimentos geneticamente modificados.
A Empresa Brasileira para Pesquisa Agropecuária
(Embrapa), ligada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
conseguiu em 2011 a aprovação na CTNBio para o cultivo comercial de uma
variedade de feijão resistente ao vírus do mosaico dourado, tido como o maior
inimigo dessa cultura no país e na América do Sul. As sementes devem ser
distribuídas aos produtores brasileiros – livre de royalties – em 2014, o que
pode ajudar o país a se tornar autossuficiente no setor. É o primeiro produto
geneticamente modificado desenvolvido por uma instituição pública brasileira.
SALMÃO
Após a aprovação prévia da FDA, o público e
instituições americanos têm um prazo de 60 dias (iniciado em 21 de dezembro)
para se manifestar sobre o salmão geneticamente modificado para crescer mais
rápido. Em seguida, a agência analisará os comentários para decidir se submete
o produto a uma nova rodada de análises ou se o aprova de vez. Francisco
Aragão, pesquisador responsável pelo laboratório de engenharia genética da
Embrapa, disse à BBC Brasil que tem acompanhado o caso do salmão “com
interesse”, e que não tem dúvidas sobre sua segurança para consumo humano. “A
dúvida é em relação ao impacto no meio ambiente. (Mesmo criado em cativeiro) O
salmão poderia aumentar sua população muito rapidamente e eventualmente
eliminar populações de peixes nativos. As probabilidades de risco para o meio
ambiente são baixas, mas não são zero…na natureza não existe o zero”.
E ESTES NÃO DERAM CERTO…
A primeira fruta aprovada para consumo nos
Estados Unidos foi um tomate modificado para aumentar sua vida útil após a
colheita, o “Flavr Savr tomato”. Ele começou a ser vendida em 94, mas sua
produção foi encerrada em 97, e a empresa que o produziu, a Calgene, acabou
sendo comprada pela Monsanto. O tomate, mais caro e de pouco apelo ao
consumidor, não emplacou. O mesmo ocorreu com uma batata resistente a
pesticidas, lançada em 95 pela Monsanto: a New Leaf Potato. Apesar de boas
perspectivas iniciais, ele não se mostrou economicamente rentável o suficiente
para entusiasmar fazendeiros e foi tirada do mercado em 2001.