sábado, 8 de janeiro de 2011

MULTAS NÃO IMPEDEM CRIMES AMBIENTAIS

Os burocratas do Brasil, como sempre, continuam a malhar em ferro frio para as situações ecológicas que pedem rapidez e toda atenção. De outro lado, as empresas destrutivas do ganha-ganha que só agem na ilegalidade, por serem muito lucrativas, continuam a sorrir de satisfação e levam uma vida mansa e despreocupada quanto às conseqüências legais de seus atos que, na prática, é nenhuma.
Um célebre político mineiro, falando sobre a eficiência na administração pública, disse que “não basta despachar o papel; é preciso resolver a questão”. Pura teoria, para enganar eleitores.

A estrutura burocrática governamental se assenta no princípio, já consagrado e sedimentado no subconsciente do servidor, em todos os níveis, de que o importante em suas funções é justamente o de despachar o papel. Não importa que haja na natureza plantas com folhas de cor amarela ou vermelha. Se a instrução normativa, gerada com base em lei e vinda de nível hierárquico superior, diz que todas as folhas devem ser verdes, esse papel recebe uma carimbada inapelável de “negado”.

No exercício da função pública, geralmente a capacidade intelectual se atrofia pelo não uso. Pensar? Seria um sacrilégio, uma grave insubordinação. Pensar para quê? A lei diz tudo sobre um determinado assunto! A gênese desse estado mental se parece muito com os mecanismos de formação dogmática na crença religiosa: começa com a renúncia da aptidão mental.

Nesse oceano burocrático, o “certo” é não assumir responsabilidade alguma, exceto quando a bolada de dinheiro vivo da corrupção seduz os olhos e os bolsos dos gananciosos. Dependendo do volume, até ministros se deixam apaixonar pelo metal sonante. Mas isso é considerado um “desvio de comportamento” e ocorre apenas “eventualmente, no correr de cada semana”. Realmente, é um desvio de padrão.

Mas, em condições normais entre os subalternos, a consciência dorme tranqüila em berço esplêndido, e os carimbos fazem a sua dança formal e legal. Isso garante a estabilidade no emprego e, involuntariamente, a consolidação burocrática do trabalho inútil e improdutivo. Submissão à lei é a expressão chave para se compreender a situação de fato e de espírito vigente no Brasil. A lei é soberana e é quem manda. Lei é lei, e pronto. Em outra ocasião, falaremos especificamente sobre a lei, essa caixinha de segredos.

Os magistrados despacham com vistas à lei, não à justiça, à consciência, à lógica. Lei mandou? Cumpra-se. Esses augustos servidores públicos servem à sua deusa vendada, tranquilamente, e vão para o repouso do lar com a consciência em paz.

As leis em geral prevêem uma multa a ser aplicada pelo agente fiscalizador para a entidade que agir em desacordo com elas. Numa dessas ações, registrando leis, parágrafos, itens, artigos, alíneas letras e demais filigranas, a multa é lavrada em papel adequado e entregue contra recibo ao responsável pela infração. Geralmente são muito elevadas, fora da capacidade de pagamento do infrator. Pronto. O Poder Público cumpriu sua parte e se deu por satisfeito. Não resolveu o problema, mas cumpriu a lei, despachou o papel e lavrou a multa.

O agente público sabe que essa penalidade jamais será paga, mas isso não importa. Cumpriu a lei, que manda punir com o instrumento adequado. Sua consciência está em paz consigo e perante seu chefe de repartição.

A empresa penalizada, quando da formação da sua estrutura, prevenida, já se munira da defesa adequada e formou um departamento jurídico a quem é entregue o documento do ônus. É aquela história... Entrou na área jurídica, não sai nunca mais. A função do causídico da empresa compreende dois objetivos: Contestar, obtendo o cancelamento do gravame ou sua redução para valor ridículo, e – o mais importante – procrastinar ”ad perpetuam” o encerramento do processo.

O governo também tem seu departamento jurídico, e as partes vão se embaraçar numa maçaroca formada, perante os tribunais, pelas vielas tortuosas, espíritos virtuais e interpretações malévolas das leis. Esse é um processo trabalhoso, demorado, com mil possibilidades de recursos de toda ordem, dentro de um segmento de tempo cósmico. Até que um dia, o processo simplesmente some no meio de outros milhões de casos pendentes. Pronto. Eis o efeito da multa.

Acontece que o punido, tomando as medidas legais que a situação exige, está livre para continuar a agir predatória, ilegal e lucrativamente, sem ser incomodado. O máximo que lhe pode acontecer é receber nova multa. Ora, tão inofensiva e sem efeito prático quanto a primeira. Pode até colecionar multas. É a mesma coisa. O importante para ele é não ser obstado em sua atividade lucrativa. Continua a destruir florestas, envenenar rios, caçar animais silvestres, derramar petróleo nos mares, e milhares de eventos criminosos. Enquanto isso, a Natureza vai sendo dilapidada, empobrecida e ficando cada vez mais anêmica.

Resumo da história: o Poder Público cumpre seu dever de zelar pela preservação do planeta, o criminoso continua a destruir e poluir, a sociedade é informada das ações “saneadoras e moralizadoras” do governo. E o ecossistema continua a ser ignorado.

Não importa se a lei é imoral ou ilegítima. Sendo lei, ela passa a ocupar o pedestal supremo, situação que a torna sacrossanta. Mas um fato está acima de qualquer convenção social: a reação da Natureza. Ela desconhece leis, acordos, ética, compaixão, justiça, e todas as normas humanas. Ela também cumpre leis supremas que não foram elaboradas por humanos, as leis da Natureza. Essas, sim, vêm de uma força sobrenatural e as penalidades são severas, imediatas e irreversíveis.

Temos notícias de aplicação de multas todos os dias. Isso é fartamente noticiado. Tornou-se rotina. Nunca vimos informação de que tais gravames tenham sido pagos. Talvez estejamos mal informados a respeito.

Nesses casos de atividades prejudiciais para o meio ambiente, se o governo agisse rigorosamente, com ações efetivas e sem observância dos melindres da lei, tais procedimentos teriam resultado imediato e exemplar.

Invertendo as posições, ficaria a cargo dos punidos o recurso de apelar para as leis e suas complicações intermináveis. O ecossistema agradeceria imensamente.

3 Comentários:

Às 9 de janeiro de 2011 às 13:20 , Blogger josepauloecon disse...

Excelente texto

Indiquei ao meus leitores no meu blog

Abraços

 
Às 11 de janeiro de 2011 às 09:25 , Blogger Pura Reflexão disse...

Pois é Zé Paulo... a natureza avança, indiferente à indiferença dos homens. Quem perde nessa luta de indiferenças? A lei do retorno não possui última instância para recorrer. Estou acompanhando o seu blog. Temos que nos unir. Quando puder, dê uma passadinha no http://purareflexao.blogspot.com e assista http://www.youtube.com/watch?v=uRT_KT09nEQ

Abraços,

Zé Cláudio

 
Às 14 de janeiro de 2011 às 20:51 , Blogger Maurício disse...

Caros bloguistas Zé Paulo e Zé Cláudio, o material publicado no meu blog é livre para ser reproduzido, pois o importante é dar-se curso aos argumentos ambientalistas para os que ainda duvidam que a ganância humana está degradando o planeta.
Peço que me autorizem a transcrever alguns de seus trabalhos, dando força assim à divulgação de nosso comum trabalho, beneficiando o meio ambiente. Entendo que o material que produzimos deve ser socializado ao máximo. Nossa luta se defronta com obstáculos terriveis, representados pelos interesses econômicos. Devemos lutar com a única arma de que dispomos: a palavra.
Um abraço.

 

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial