MINHA MÃE, MINHA VIDA
Minha vida não é de curta existência. Teve tempo para acumular muita experiência, traduzida em enriquecimento da alma pela observação, conhecimento e compreensões. Deduzo, no entanto, que esse período temporal é insuficiente para perceber todos os mistérios que ainda existem e que ficam fora do alcance humano. Esse desconhecimento consciente é a fonte energética que robustece e mantém a fascinação pela Vida.
Mas há um momento em que me paro no tempo e dirijo minhas atenções para as lembranças do passado. Mergulho no nebuloso e rico mundo das recordações. O vulto que primeiro vem à lembrança é sempre o de minha mãe, figura extraordinária que marcou indelevelmente a existência da alma que meu corpo carrega. Não podia ser de outra forma, pois biologicamente todo meu ser é um prolongamento da existência dela, complementado pelo amor de meu pai.
Somos todos apenas elos existenciais de um imenso encadeamento que constrói um ciclo misterioso da Vida. Mas o corpo e a alma têm um cultivo maternal posterior ao nascimento, ocasião em que se completam os alicerces vitais de um novo ser. É o período conhecido por infância, interregno em que as almas de mãe e filho ainda estão ligadas. Tendem a ser separadas, gradativamente, por um laborioso e paciente processo que somente o amor materno conhece e é capaz de fazer.
Confesso que, de todas as sensações que tive no correr da vida, a melhor, a mais sublime, confortante, tranquila, total mesmo, foi a que me proporcionou minha mãe quando eu, infante ainda, passava pelos dois ou três anos de idade. A fotografia espiritual desse momento, em tão pouca e frágil idade, ficou gravada integralmente em minha recém-formada memória de longo prazo. Indelével de tal forma que até hoje minha alma consegue sentir a mesma sensação, trazendo-me o mesmo conforto e prazer proporcionados por aquelas mãos angelicais e um agradecimento todo especial pelo desvelo de minha adorável mãe.
Eu me lembro, e ainda sinto. Tarde da noite, dormindo descoberto e contraído pelo frio em meu berço, recebi do anjo materno a ação de amor, puxando sobre meu corpinho encolhido o cobertor que meus pés haviam empurrado inadvertidamente para o canto da cama. Ao receber aquele manto de calor amoroso, senti-me na melhor das situações possíveis que se possa imaginar para um ser vivente: abrigo, segurança, conforto, e retorno imediato à cândida paz reinante no mistério do sono.
Minha mãe sempre esteve junto aos filhos. Em tempo integral até aos 7 anos, quando se inicia contato com a realidade por meio dessa monstruosa “sociedade”, representada pelo conjunto de alunos na primeira escola da vida, a da cartilha. Posteriormente, minha mãe me acompanhava suplementarmente com seus ensinamentos e orientações.
Nessa fase infantil, parece que não, mas é o período em que, inconscientemente, sentimos que nossa mãe é parte de nós. Ela está sempre presente, supre a ausência do pai que está na labuta do trabalho destinado a prover as necessidades básicas da família. Se não entendia essa hierarquia, pelo menos a aceitava como natural, amparado na presença materna. Ela era minha segurança, meu abrigo, meu alimento, meu tudo. E essa situação de tranquilidade emocional, com a convivência do dia-a-dia, formou e consolidou meu espírito, que completou o corpo, e constitui até hoje um guia de vida.
Marcante nas minhas saudades infantis é a lembrança doce e emotiva de quando eu e meu irmão pedíamos para mamãe que nos contasse história. Quase sempre escolhíamos aquela do “palhaço” de circo. Era uma história que minha mãe inventava no momento, contando sempre as mesmas coisas. Só de ela nos atender e se preparar, já nos fazia os olhos brilharem de satisfação, e o riso espontâneo surgia. No correr da história do palhaço, víamos pela imaginação todo o palco, a lona, a arquibancada, tudo enfim que existe em um circo. Gargalhávamos com imensa satisfação, e nossa mãe também ria – um riso franco e sincero – pleno de prazer materno. Hoje eu sei e sinto aquele valor. A satisfação dela, dando risos não era da história, mas ao sentir nossa alegria e felicidade contagiantes; daquele milagre maravilhoso que ela produzia com apenas seu amor.
Eu sei da história do palhaço até hoje. É sempre a mesma, simples, de poucas palavras, mas tinha um encanto na época da inocência, que só a alma de filho pode sentir e entender. É um sentir intransferível por palavras. Foi um momento que se tornou eterno. Não podemos negar que exista um misterioso e sagrado vínculo entre mãe e filho.
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A ânsia pela aquisição e posse de bens materiais – estimulada pela atual civilização da economia anti-social – acabou por destruir os valores espirituais, os sustentáculos de uma espécie animal inteligente que se organiza em sociedade. O sistema econômico vigente, tão danoso ao todo do meio ambiente, envolve-se dentro desse manto social. Suas ações solapam toda a estrutura básica, com alcance e violação até nas divinas energias do amor materno.
Com foco nas crianças e rapazes de hoje, lamento profundamente as falhas de formação, produzidas – insisto em repisar – por um sistema distributivo voltado para privilégios individualistas. Trazem, como conseqüência perversa, a competição vivencial a qualquer preço em vez da natural cooperação instintiva da espécie humana.
Hoje, às crianças são negados os alimentos da alma; as relações de afeto, segurança existencial e ligação sublime. Inocentes, elas sofrem no íntimo essa carência, mas só sabem se manifestar com atitudes inadequadas e esdrúxulas. Os anjos de 4 meses são aprisionados em estabelecimentos chamados de “berçários”. Depois de certo tempo, são jogados nos que se denominam “maternais”. Posteriormente, são condenados a permanecer nos “pré-primários”.
Quando esse roteiro de “vida em formação” não é adotado, dão-se aos imaturos uma “babá” (mãe artificial) e os inúmeros recursos da avançada tecnologia disponível (meios enganosos e distorcidos). São as muletas que o sistema oferece na perpetração de tão maléfico procedimento. Nessas fases, é bom lembrar que os “anjos” ainda não são humanos prontos; são apenas um projeto de seres.
Por que os infantes desde os 4 meses ingressam no esquema econômico? Porque as mães “têm” que ganhar dinheiro em atividades profissionais que lhes assegurem maior renda. Os proventos do marido não bastam; é preciso mais e mais para as compras cada vez mais supérfluas.
Por que o tempo delas não pertence aos filhos? Porque o sistema econômico implantou uma psicose de consumo e alienação que só pode ser atendida pela venda de tão precioso bem espiritual, caindo as cândidas mães no torvelinho do consumismo, vício embriagador que sustenta o moto-contínuo da engrenagem econômica.
A sábia Natureza construiu uma harmonia. Fez a mãe para os filhos. Mas os tentáculos econômicos furtaram essas ingênuas mães de seus indefesos filhos, para seus próprios interesses, quebrando aquela beleza vivencial.
Hoje, o que vemos? Rapazes e moças sentindo um vazio em suas vidas. Vazio de formação, de consolidação de sua própria espécie animal, de objetivo espiritual de vida. É um vácuo mental acompanhado de uma torrente de energias biológicas. E sabemos das conseqüências. Para preencher essa lacuna, irrecuperável, passam a vida buscando algo que não sabem o que seja. Assim, buscam esse algo indefinido nas drogas; nas clínicas psiquiátricas; na TV alienante; na violência gratuita; no sexo-coisa; no prazer de incendiar índios e indigentes que dormem; na incapacidade de entender a arte; em assassinar pais; nas ações que corrompem a própria estrutura social. Enfim, transformam-se em um subproduto humano que turva os melhores ideais.
Triste sina da mulher moderna: renunciar a ser mãe – missão divina – para se transformar em ferramenta de interesses antinaturais e destrutivos.
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