BIOCOMBUSTIVEL, EQUÍVOCO SUICIDA
Nossos assuntos em defesa do meio ambiente geralmente versam sobre a Terra, o todo, o planeta. Hoje o foco de nossa conversa vai ser a terra, parte daquela mesma Terra, substância que em grande parte cobre a superfície dos continentes. É muito comum e conhecida de quase todos. Talvez por isso não se lhe dá a importante atenção que merece. Merece porque é o sustentáculo do habitat no qual reina, direta ou indiretamente, toda a vida que conhecemos.
Partimos do princípio de que não existe milagre. Tudo que existe é efeito de alguma causa. Pois bem, façamos um exercício mental. Imaginemos que em um terreno de 1m2 plantamos um grão de milho. Após, ocorrem alguns fatos notáveis. A planta ali nascida suga do solo parte dos elementos químicos de que necessita para manter a vida. Do ar, retira outros que, em combinação com a energia solar, lhe dão condições de transformá-la em tecido ou estrutura preparatória para a reprodução. Produzidas duas espigas, são elas arrancadas e comidas por um homem, sobrando naturalmente toda a estrutura esquelética. O normal seria esse cadáver ser mantido no local e, após, revertido aos elementos químico primários pela ação dos agentes microbianos (o que é demorado), reporia no solo parte do que foi dali retirado. Mas, usualmente, em função dos interesses econômicos, ele é queimado ou usado como ração de bovinos ou tem outra destinação imprópria, o que é compreensível... pois “tempo é dinheiro” e o local tem que ficar limpo para novo plantio.
Situação daquele terreno: ficou desfalcado em sais minerais correspondentes. Nosso homem da labuta rural conhece esse fenômeno, mas apenas na sua conseqüência, quando diz: “esse terreno está cansado”, que traduzimos para “esse terreno está esgotado, desfalcado de elementos básicos, pobre, deficiente, imprestável, causado pela atividade agrícola intensa, ambiciosa, desordenada e inconseqüente”.
De outro lado, o homem que comeu as espigas absorveu parte dos elementos de que tratamos e mandou para o esgoto o restante. Essa borra final foi levada pelos rios para a foz, onde se acumula no leito subaquático. Resumo da história: o homem retira uma parte dos elementos químicos da terra e os acumula no oceano. Isso se chama transformar. No conjunto, com muita gente, chuva em terra nua e máquinas como personagens, transformamos grande quantidade de alimentos inorgânicos, contidos na terra, em alimentos orgânicos que nos mantêm vivos, mas que afinal são descartados no mar. Esses elementos da terra são vida; não são energia locomotora. O que é terra? É a rocha decomposta. Um conjunto de rochas leva aproximadamente 200 anos para se transformar em uma camada de apenas 10 cm de terra.
Transformar os recursos naturais da terra em alimento tem a sua justificativa. Mas transformar alimento em combustível (energia locomotora) é o paroxismo da irracionalidade. Enquanto temos, segundo as últimas estatísticas, 1,5 milhão de pessoas passando fome, estamos preocupados com o deslocamento desnecessário de bens e pessoas, isto é, o conforto que gera lucro ao sistema econômico.
Alega-se que o petróleo é esgotável e o biocombustivel, não. Como procuramos arrazoar acima, o biocombustivel é esgotável, sim. E muito mais destrutível, pois pede áreas imensas de terra para cultivo, provocando maior desnudação desses espaços. Tudo em nome dos objetivos de ganha-ganha do sistema econômico da atual civilização. Pois que se esgotem os recursos petrolíferos que são subterrâneos e desnecessários à vida, mas se preservem os recursos naturais dos seres vivos, postos em função da necessidade básica de sobrevivência. Todos os povos primitivos cultuavam a terra, reconhecendo-a como a doadora de vida. Nós, os homens inteligentes e donos das verdades, a desprezamos. É o mesmo que desprezar a vida.
Nesse quadro de loucuras e desgoverno do planeta, enxergamos o momento em que teremos pessoas morrendo de fome, mas alegres e satisfeitas por estarem dirigindo um último modelo de automóvel.
3 Comentários:
Amigo Gomide:
Li atentamente esta sua denúncia e muito a valorizei por ter-me parecido ser fruto de reflexões pessoais, e não de parecer literário de renomados cientistas. No entanto amigo, contemplando o fenômeno descrito de um ângulo mais elevado, vejo que o chefão Einstain tinha razão quando declarou que “matéria é energia concentrada”. Mas, eu separo a energia materializada em dois níveis distintos para facilitar a compreensão: a forma primitiva, que hoje é representada por pouco mais de uma centena de elementos básicos que, combinados entre si, dão sustentação à matéria propriamente dita, e que estão impressos na Tabela Periódica que vai do hidrogênio aos radiativos. Estes encerram um potencial energético imenso que conhecemos como energia nuclear; e outra forma, que chamo de energia orgânica, vem sendo captada, há milênios, dia-a-dia, da luz solar pelo mundo vegetal. A primeira forma é de dificílima combustão e, para liberação total da energia nelas contida, requer profundos conhecimentos e recursos tecnológicos. Liberado o teor energético na forma de calor, resta apenas as partículas radiativas que flutuam no espaço ou aderem aos gases ou superfícies de líquidos e sólidos. A segunda, energia orgânica, tem origem na captação dos raios luminosos solares, concentrados pela fotossíntese, na formação da biomassa. Esta, em condições próprias, ao ser queimada, libera o calor orgânico enquanto que os elementos primitivos que a compunham retornam ao solo na forma de cinzas, ricas em minerais como potássio, fósforo, cálcio, etc.. Quando transportamos alimentos ou combustíveis “in natura” para serem consumidos em outros lugares, realmente há um saque destes nutrientes básicos que só serão repostos pela natureza em muitas décadas. No caso, eles têm como destino final os mares. Porém, no caso dos biocombustíveis, só são sacadas das regiões produtoras as essências energéticas carbonadas coletadas da atmosfera (luz e gases), agregadas a veículos que se volatilizam com o próprio calor das combustões. No caso do álcool, a água. Até algumas décadas, a preocupação dos ambientalistas era com o vinhoto, efluente da destilação, que era lançado nos cursos de água e devastavam a flora e a fauna fluviais; hoje, este subproduto, riquíssimo em fertilizantes, serve para irrigar o solo com os mesmos nutrientes sólidos que foram retirados pela lavoura e, no caso, o meio ambiente age, apenas, como catalisador. Assim, o álcool, (C2H5OH), carbono, hidrogênio e oxigênio, exporta das regiões produtoras os elementos absorvidos da atmosfera pela fotossíntese. Do mesmo modo, o bagaço das canas queimado nas fornalhas das usinas, libera o calor nele contido, deixando os nutrientes elementares num concentrado de cinzas que retornam às lavouras por processos mecânicos. Já no caso das oleaginosas, as fibras restantes de sua prensagem (tortas), são acrescentadas à alimentação de animais, e estes se encarregam de adubar o solo. Pelo exposto, concluímos que a produção para exportação de alimentos é muito mais nociva às áreas produtoras do que a dos biocombustíveis que exportam apenas as essências energéticas coletadas na atmosfera, deixando à mercê dos produtores a redistribuição dos nutrientes básicos. Por isso, são RENOVÁVEIS e será a solução energética para o mundo
. Meu afetuoso abraço,
Antídio
Caro Antídio,
Estou plenamente de acordo com a sua didática apresentação de raciocínios a respeito do movimento energético. Para não ser longo no artigo, ora valorizado pelo seu comentário, esclareço que me restringi apenas a um aspecto: a produção de biocombustível acelera o empobrecimento da terra, gerando um “mais” inteiramente desnecessário e prejudicial.
Sua conclusão: “...que a produção para exportação de alimentos é muito mais nociva às áreas produtoras do que a dos biocombustíveis que exportam apenas as essências energéticas coletadas na atmosfera, deixando à mercê dos produtores a redistribuição dos nutrientes básicos. Por isso, são RENOVÁVEIS e será a solução energética para o mundo.” Nosso comentário: As premissas são falsas, logo a conclusão também é falsa. Vejamos nosso raciocínio. Na argumentação, não tivemos uma visão segmentada em “área produtora”, mas no cerne planetário básico, a terra, depositária dos elementos químicos essenciais à vivência. Em assuntos de interesse planetário, não podemos raciocinar em termos de Brasil. Não limitamos nossa visão à função “exportar”, mas ao consumo, seja ele no Brasil ou em qualquer país importador. Entendo que você foi levado a um raciocínio equivocado por situar o problema num determinado local. Eu argumentei no artigo em função do todo, com foco na substância terra. E, dentro da minha visão, sua argumentação carece de lógica, pois a produção de biocombustível sai do alimento. Ninguém produz biocombustível sem produzir alimentos. O conceito comburente está implícito no de alimento. “Quem faz mais, faz menos”.
Como meu artigo trata da substância terra, não há como negar que, quando ela, em si, é desfalcada em 1 átomo de magnésio, fica mais pobre. Na dinâmica mecânica diária, ela é sempre doadora (pelo processo vital) e receptora (pelo processo desintegrador das rochas), sendo que a civilização atual, tecnológica e gananciosa, com super-super-população, exige aquela atividade em velocidade crescente acima de 2.000 k/h (apenas uma referência) enquanto esta se processa a 0,00001 k/h.
Outro aspecto da questão. Você diz que o biocombustível é renovável. Sim, é renovável HOJE, enquanto o benfeitor (a terra) agüentar. Claro que para o futuro próximo... afinal, não existe milagre! Além disso, devemos considerar que qualquer combustível, com exceção apenas do alimentício e do espiritual, é INTEIRAMENTE desnecessário para a vivência natural. A cultura, no seu aspecto contraproducente, é que criou essa necessidade. Mas ela é dispensável. A natureza já deu aos indivíduos os meios de locomoção adequados a cada espécie. O desejo dos humanos em acelerar essa locomoção é que nos levou a envenenar o ar que respiramos e a esgotar a terra que nos alimenta.
Caro amigo Antídio, este é o meu pensamento, sujeito a crítica, naturalmente.
Gomide:
Embora nossas opiniões convirjam contra a ação do consumismo, responsabilizando-o pelo desequilíbrio ambiental que promoveu no mundo, vez por outra estamos divergindo em virtude dos pontos de vista em que nos colocamos. Você bem sabe que tenho por hábito, para explicar as coisas mais simples, enveredar-me “racionalmente” pelo Cosmo para de lá contemplar o objeto em discussão, retroagindo, muitas vezes, no passado distante para entender a formação e a evolução do que veio a ser o problema discutido. Observe que em meu comentário começo falando da concentração da energia para formação da matéria e, assim, justificar minha opinião. Para o caso acima, como você, posicionei-me externamente para visualizar o nosso Planeta como um todo. Porém, como a mente do nosso povo ficou encharcada com a expressão “exportar” como vender produtos para outros países, este engano pode tê-lo contagiado e o levado a entender nesse sentido. Usei o termo, apenas como referência da transferência de produtos da área de produção para o local de consumo que pode ser perto ou longe. Chineses e indianos, para fertilizarem suas áreas de produção exauridas em milhares de anos de cultivo, desenvolveram os biodigestores em centros populosos onde digeriam fezes humanas e outras matérias orgânicas importadas em alimentos, para fermentar e liberar o gás metano para aquecimento doméstico e devolver os efluentes ricos em fertilizantes para as áreas produtoras. Deste ponto de vista, como as essências alimentares estão agregadas a fibras e outros elementos a serem descartados pela digestão nas áreas de consumo, confirmo que as exportações de alimentos empobrecem o solo das regiões produtoras muitas vezes mais do que as exportações de biocombustíveis. O único problema que vejo é na área econômica; pois, para obtê-los tem-se que utilizar muito mais mão-de-obra por “gigacaloria produzida” do que qualquer dos combustíveis fósseis que nada custaram ao homem para produzi-los e armazená-los durante milênios. Por isso, os poderes capitalistas dominantes do mundo vêm fazendo tanta objeção à sua adoção. Aquele abraço,
Antídio
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