segunda-feira, 5 de julho de 2010

ARSÊNIO NO CANADÁ DOS OUTROS É REFRESCO

Transcrevemos abaixo importante revelação feita a respeito da mineração de ouro em Paracatu (MG).
Artigo de Serrano Neves e Sérgio Dani

"[EcoDebate] Em Yellowknife, noroeste do Canadá, o governo enfrenta lidar com 250.000 toneladas de trióxido de arsênio acumulados em uma mina subterrânea desativada, a um custo de 250 milhões de dólares.

Os canadenses encontraram uma alternativa mais barata de remediação dos efeitos do arsênio a um custo de 120 milhões de dólares num processo que duraria 20 anos.

A mina teve início em 1951 e parou de produzir em 2005. Correram 57 anos (1951/2008) sem que o arsênio tivesse sido posto sob controle, e tal ocorreu por falência da mineradora, inexistência de depósito garantidor do fechamento ou descomissionamento e ausência de compradores que quisessem assumir o passivo ambiental.

Em Yellowknife ocorreram mortes diretas e os recursos hídricos estão poluídos.

O custo para lidar com o problema foi de 1.000 dólares por tonelada de arsênio, ou 1 dólar por quilo.

Em Paracatu existe a previsão da acumulação de 1 milhão de toneladas de arsênio presente em 1 bilhão de toneladas de rejeitos acumulados na barragem do Machadinho.

Cálculo fácil: 1.000.000 [um milhão] de toneladas é igual a 1.000.000.000 [um bilhão] de quilos, o que a 1 dólar por quilo dá 1.000.000.000 [um bilhão] de dólares.

O contribuinte canadense (PIB de 30 mil dólares/cidadão) vai pagar a conta.

No Brasil o esforço do contribuinte brasileiro (PIB de 3 mil dólares/cidadão) seria 10 vezes maior.

Ou seja, o que o Canadá não consegue fazer o Brasil conseguiria fazer apenas a décima parte, ou não conseguiria e Paracatu ficaria com um problema 4 vezes maior.

E chamam isto de desenvolvimento e de geração de emprego e renda.

Na verdade, o desenvolvimento, o emprego e a renda estão sendo comprados e a moeda de pagamento é o meio ambiente, a saúde e a vida.

Cada 1 tonelada de rocha gera 0,4 gramas de ouro, ou 1 grama por cada 2,5 toneladas de rocha nas quais existem 2,5 quilos de arsênio. Feitos os cálculos chega-se a que os custos de remediação importam em cerca de 6,3% do valor bruto do ouro extraído.

Considerando-se as peculiaridades do caso de Paracatu, estima-se que esses custos estejam aumentados de 5 a 10 vezes [1], ou 5 a 10 dólares por quilo de arsênio, resultando em 31,5% a 63% do valor bruto do ouro extraído.

Como o controle não é feito no tempo real de mineração os 6,3% a 63% significam mais lucro embolsado pelos acionistas da mineradora [2].

Enfim, tiram o ouro e enfiam o arsênio no nosso Canadá.

Notas:

[1] Os impactos socio-economico e ambiental e os custos de remediação em Paracatu são muito maiores comparativamente a Yellowknife por várias razões, entre elas: (i) em Paracatu a mina é a céu aberto dentro do perímetro urbano; (ii) a concentração de ouro no minério de Paracatu (0,4 g/tonelada de minério) é muito mais baixa que a de Yellowknife (5,6 g/tonelada), e a concentração de enxofre e arsênio é mais alta (arsenopirita, FeAsS), gerando volume muito maior de rejeitos contaminados por arsênio inorgânico e sulfatos em Paracatu; (iii) os enormes volumes de rejeitos da mineração em Paracatu serão depositados diretamente sobre a parte leste (mais alta) do Sistema Hidrogeológico da Serra da Anta, que é o único manancial de abastecimento público de água potável da cidade de 90 mil habitantes; (iv) o clima de Paracatu é caracterizado por estações de secas e chuvosas bem definidas e temperaturas médias muito mais altas que em Yellowknife (Yellowknife: temperaturas médias mínima -30C, máxima 21C; precipitação anual 280 mm. Paracatu: temperaturas médias mínima 14C, máxima 32C; precipitação anual 1500 mm), isso significa que a mobilização do arsênio na mina e nos depósitos de rejeitos em Paracatu está aumentada de pelo menos uma ordem de grandeza, relativamente a Yellowknife; (v) a população de Paracatu (90 mil habitantes, PIB/capita 3 mil dólares) é muito maior e mais pobre que a de Yellowknife (19 mil habitantes, PIB/capita 30 mil dólares). Esses números indicam um impacto socio-economico aumentado de pelo menos 5 vezes (considerando apenas o número de habitantes), e impacto ambiental aumentado de pelo menos 10 vezes (considerando apenas a massa de arsênio mobilizável) em Paracatu, relativamente a Yellowknife. Os custos de remediação estão respectivamente aumentados de 5 a 10 vezes. Ou seja, os custos de remediação em Paracatu estão estimados entre 5 a 10 bilhões de dólares.

[2] Entre os acionistas da mineradora canadense RPM/Kinross Gold Corporation está o próprio governo do Canadá que investiu na mineradora através da agência governamental de desenvolvimento, a EDC. Ao apoiar a atividade de suas mineradoras no exterior, o governo canadense talvez esteja tentando pagar a remediação ambiental das minas localizadas no território canadense às custas da vida, da saúde e do ambiente em outras partes do mundo."

* Serrano Neves é Procurador de Justiça Criminal em Goiás

** Sergio Dani é doutor em medicina

EcoDebate, 05/07/2010

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial