O RELATIVO SUCESSO E O GRANDE FRACASSO AMBIENTAL DO CAPITALISMO
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O capitalismo é o sistema econômico que mais
desenvolveu as forças produtivas da humanidade e mais estimulou o crescimento
da economia e da população. Mas, ao mesmo tempo, se transformou no sistema com
maior impacto negativo no meio ambiente e com maiores efeitos destrutivos sobre
o capital natural do Planeta.
Karl Marx e Friedrich Engels compreenderam
claramente as novidades econômicas trazidas pelo capitalismo. No manifesto
comunista, de 1848, demonstraram que “A burguesia desempenhou na história um
papel eminentemente revolucionário” (…) “Foi a primeira a provar o que pode
realizar a atividade humana: criou maravilhas maiores que as pirâmides do
Egito, os aquedutos romanos, as catedrais góticas; conduziu expedições que
empanaram mesmo as antigas invasões e as Cruzadas. A burguesia só pode existir
com a condição de revolucionar incessantemente os instrumentos de produção, por
conseguinte, as relações de produção e, como isso, todas as relações sociais. A
conservação inalterada do antigo modo de produção constituía, pelo contrário, a
primeira condição de existência de todas as classes industriais anteriores.
Essa revolução contínua da produção, esse abalo constante de todo o sistema
social, essa agitação permanente e essa falta de segurança distinguem a época
burguesa de todas as precedentes. Dissolvem-se todas as relações sociais antigas
e cristalizadas, com seu cortejo de concepções e de ideias secularmente
veneradas; as relações que as substituem tornam-se antiquadas antes de se
ossificar. Tudo que era sólido e estável se esfuma, tudo o que era sagrado é
profanado, e os homens são obrigados finalmente a encarar com serenidade suas
condições de existência e suas relações recíprocas”.
Entre o ano 1 da Era Cristã e o ano de 1800 a
população mundial passou de cerca de 225 milhões de habitantes para 1 bilhão de
habitantes, um crescimento de 4,4 vezes. No mesmo período a economia mundial
cresceu 5,8 vezes, segundo dados de Angus Maddison. Em 1800 anos, o crescimento
da renda per capita foi de apenas 1,3 vezes ou 30%. Ou seja, a renda per capita
estava praticamente estagnada e, no ano de 1800, a esperança de vida média ao
nascer da população mundial estava abaixo de 30 anos. Naquele tempo, a
mortalidade ceifava precocemente a vida da maioria das crianças e jovens.
Todavia, com o início da Revolução Industrial e
Energética, liderada pelas forças do sistema capitalista – tendo como base de
sustentação a propriedade privada, as livres forças do mercado e o apoio do
Estado – houve um impressionante crescimento da população e da economia. A
população mundial passou de 1 bilhão de habitantes em 1800 para 7 bilhões em
2011, um crescimento de 7 vezes. No mesmo período a economia internacional
cresceu 90 vezes (segundo Angus Maddison). Isto quer dizer que houve um
espetacular crescimento da renda per capita dos habitantes do mundo. Ou seja,
em 211 anos a renda per capita cresceu 13 vezes, enquanto nos 1800 anos
anteriores tinha crescido apenas 1,3 vezes.
Acompanhando o crescimento da renda, houve um
grande aumento da esperança de vida ao nascer dos habitantes da Terra, que
passou de menos de 30 anos em 1800 para quase 70 anos em 2011. Também houve um
grande crescimento do consumo. Ao contrário do que previu Karl Marx, não houve
um empobrecimento absoluto da maioria dos trabalhadores do globo. Como dizia
Lenin, houve um crescimento da “aristocracia operária” nos países ocidentais.
Depois da Segunda Guerra Mundial setores crescentes do proletariado avançaram
na mobilidade social também nos países da periferia do sistema. Segundo o
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) houve redução da pobreza
no mundo nos últimos 40 anos e a classe média global (pessoas com renda per
capita acima de US$ 10,00 ao dia) será maioria da população mundial até 2025,
pela primeira vez na história.
Isto representa um grande crescimento do consumo
e uma grande exploração dos recursos naturais que sustentam a produção de bens
e serviços, tais como: moradias, banheiro, água encanada, saneamento, produtos
de limpeza e higiene, luz elétrica, geladeira, TV, DVD, CD, TV-HD, fogão,
máquina de lavar roupa, móveis, microonda, moto, bicicleta, carro, relógio,
roupa, comida industrializada, telefone, celular, TV a cabo, internet,
educação, saúde, lazer, viagens, etc. Atualmente existem mais de um bilhão de
veículos automotores no mundo, número superior a toda a população do globo antes
da Revolução Industrial. O número de celulares está caminhando para se igualar
ao número de habitantes da Terra.
Depois da queda do Muro de Berlim e do fim da
União Soviética, o capitalismo se tornou uma força onipresente no mundo. Até
países comunistas aderiram à onda consumista do capitalismo e assumiram a linha
de frente da produção em massa e passaram a sustentar a dinâmica da economia
internacional. Recentemente, o marxista Slavoj Žižek, em entrevista à Carta
Maior, disse de forma irônica: “Só a China pode salvar o capitalismo”.
Mas parece que não existe força visível capaz de
salvar o meio ambiente da destruição capitalista. A degradação ambiental tem
crescido de forma exponencial. O progresso da humanidade aconteceu às custas da
regressão do capital natural. A China é mais um exemplo de como o sucesso
econômico leva ao regresso ambiental. As agressões à natureza tomaram uma
dimensão crítica, profunda e global.
As áreas de florestas estão diminuindo para
atender a demanda de madeira e a demanda de espaço para a agricultura e a
pecuária. Especies invasoras substituem a vegetação original. O mal uso do solo
provoca erosão, salinização e desertificação. A poluição dos rios diminui a
disponibilidade de água doce e provoca a mortandade de peixes. Lagos, como o
mar da Aral estão diminuindo ou secando para atender aos interesses da
irrigação. A contaminação química e os agrotóxicos matam indiscriminadamente a
vida terrestre e aquática. Aquíferos fósseis estão desaparecendo e os aquíferos
renováveis não estão conseguindo manter os níveis de reposição dos estoques. A
vida nos oceanos está ameaçada pelo processo de acidificação. Os mangues e
corais estão sendo destruídos a uma taxa alarmante. Aumentam as taxas de perda
da biodiversidade (medida da diversidade de organismos vivos presentes em
diferentes ecossistemas), com o aumento da degradação dos ecossistemas e a
extinção da vida selvagem. O aumento das emissões de gases de efeito estufa
estão provocando o aquecimento global, tendo como consequência o derretimento
das geleiras e das camadas de gelo, provocando escassez de água potável e o
aumento do nível dos oceanos. As áreas produtivas da Terra diminuem, enquanto
crescem os aterros para receber o crescente volume de lixo e resíduos sólidos.
O relatório da UNEP da ONU “Global Environment
Outlook-5: Environment for the future we want” (GEO-5) fornece um quadro
dramático da degradação ambiental no mundo. Se a situação atual já está ruim,
ela deve piorar devido ao crescimento populacional, à urbanização descontrolada,
aos crescentes volumes de consumo e lixo. Das 90 metas ambientais mais
importantes, apenas quatro estão fazendo progressos significativos. Entre as
metas que apresentaram melhoras, estão aquelas para evitar a destruição do
ozônio e proporcionar o acesso a abastecimento de água limpa. Mas o documento
relatou pouco ou nenhum progresso em 24 metas, tais como mudança climática,
esgotamento dos recursos pesqueiros e a expansão da desertificação.
Tudo isso indica que o capitalismo e a defesa do
meio ambiente funcionam por meio de lógicas diferentes e contraditórias. A lei
máxima do capitalismo é a competição ou concorrência. As palavras-chave são
explorar, dominar, padronizar, maximizar, crescer, produzir, utilizar,
consumir, avançar, desenvolver, etc. Já a lei máxima da preservação da natureza
é cooperar e as palavras-chave são: proteger, conservar, minimizar os danos,
recuperar, vivificar, reintegrar, diversificar, respeitar, manter fora do ciclo
econômico, etc.
O capital busca maximizar os lucros investindo
em maquinarias, em inovações tecnológicas, em lançamento de novos produtos, em
design, em conquista de novos mercados, etc. Os grandes capitalistas são
aqueles que produzem a baixo preço e em grande quantidade. O ganho por unidade
é pequeno, mas a receita total é grande (o partido comunista chinês aprendeu
bem esta lição de Adam Smith sobre os ganhos de eficiência da divisão social do
trabalho).
Os trabalhadores – organizados em sindicados,
associações e partidos – buscam maximizar seus salários, manter os direitos
adquiridos e conquistar novos direitos e maior influência nas decisões
nacionais. Desta forma, a lógica dos trabalhadores é atuar no sentido de elevar
o seu padrão de vida, aumentando a sua participação no conjunto das riquezas
geradas pelo capitalismo.
O lógica do Estado é aumentar suas receitas
(geralmente impostos e taxas), expandir suas atividades e promover a grandeza e
a segurança nacional. Algumas teorias dizem que o Estado é “o comitê executivo
da classe dominante”. Outras teorias dizem que o Estado é o mediador de
conflitos entre o capital e trabalho e entre estes dois e o meio ambiente. Há
ainda aquelas teorias que dizem que o papel do Estado é mais institucional no
sentido de cuidar das fronteiras, evitar danos ao patrimônio nacional, realizar
políticas públicas para o desenvolvimento econômico e humano, garantir a
estabilidade política e jurídica e defender os interesses nacionais (dos
cidadãos e empresas) em qualquer parte do mundo.
O fato é que os capitalistas (industriais,
comerciais, agrários, financeiros, etc), os trabalhadores do campo e da cidade
e a burocracia estatal – a despeito das divergências localizadas – tendem a se
unir quando o assunto é crescimento econômico e a grandeza da Nação. Os
chamados “projetos nacionais” são um conjunto de ações que unem os interesses
deste conjunto de forças para garantir uma expansão do consumo e um aumento do
padrão de vida da população nacional.
Nestes projetos, o meio ambiente é partido e
repartido e se torna apenas um meio para se atingir os fins dos agentes
econômicos. É claro que os mais inteligentes buscam conciliar o desenvolvimento
econômico com a sustentabilidade ambiental. Ou seja, buscam garantir que a
exploração e a dominação do meio ambiente continue a acontecer no longo prazo e
não seja um entrave ao projeto de grandeza nacional e de conquistas econômicas
do capital, do trabalho e do Estado. O desenvolvimento sustentável é a palavra
de ordem daqueles que querem um capitalismo esverdeado, ou seja, com colorido
ou maquiagem “verde”.
Porém a lógica que prevalece no mundo é aquela
que desconsidera que o crescimento populacional e econômico infinito é
impraticável em um Planeta finito. A soma das ambições nacionais é muito maior
do que o conjunto das reservas naturais do Planeta. Desta forma, os projetos
nacionais estão entrando em choque com as condições ambientais em praticamente
todos os países do globo. As disputas entre as classes, as nações, as religiões
e as culturas já provocaram enormes danos ao meio ambiente, nestes últimos 200
anos. Nas atuais condições de produção, para manter o bem-estar da população
mundial (ou da maior parte dela), quem sai perdendo é o meio ambiente. As
atividades antrópicas do capitalismo já ultrapassaram a capacidade de
regeneração da Terra.
Enquanto o capitalismo cultua o enriquecimento,
o meio ambiente, no geral, empobrece. As tentativas de conciliar a lógica do
crescimento econômico com a lógica da cooperação ambiental são bem vindas. Mas
crescem as evidências de que, no conjunto, estas duas lógicas são
inconciliáveis e estão entrando em rota final de colisão.
Ao invés das leis garantindo prioritariamente os
direitos de propriedade, o pagamento do lucro e dos juros do capital financeiro
é preciso criar uma legislação contra o ecocídio e contra os danos e a
destruição em massa dos ecossistemas. Para alcançar o verdadeiro
desenvolvimento sustentável é preciso garantir de forma explícita que o direito
à vida não é privilégio da espécie humana. Assim, é preciso tornar o ecocídio
um crime contra a natureza e um crime contra as gerações futuras.
A humanidade já avançou na abolição da
escravatura, no fim do apartheid e na condenação do genocídio. Falta mudar a
lógica de dominação da natureza. O ecossistema deve estar no centro das
preocupações e da legislação internacional, no sentido de proteger a vida e a
biodiversidade. A natureza tem valor intrínseco e não um valor instrumental
como sugere a racionalidade capitalista. É preciso criar impostos progressivos
para que os mais ricos paguem proporcionalmente mais pelos danos ambientais do
capitalismo. Todavia, hoje em dia, mais importante do que a luta de classe pela
apropriação do excedente é a luta em defesa do meio ambiente, pela
sobrevivência das espécies e pela erradicação do ecocídio.
Referências:
Karl Marx e Friedrich Engels. Manifesto
comunista, 1848
Angus Maddison, Historical Statistics of the
World Economy
Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, PNUD,
março de 20
FMI. World Economic Outlook
UN/ESA. World Population Prospects: The 2010
Revision,
UNEP/ONU. Global Environment Outlook-5:
Environment for the future we want” (GEO-5).
José
Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em
demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas
Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus
pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 22/05/2013
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