TODA GUERRA COMEÇA COM UMA MENTIRA
Autor: Norbert Suchanek
[EcoDebate]
Rio de Janeiro, sexta feira, 22 de março de 2013, meio dia. Uma data que vai
ficar na memória da cidade e na memória da luta pelos direitos dos povos
originais do Brasil. Depois de 9 horas de cerco pela Polícia Militar e tropas
especiais de choque e Paraquedistas do Governador Sérgio Cabral, começou a
invasão. Com gás lacrimogêneo e balas de borracha, cerca de 50 soldados de
elite atacaram uma dúzia de índios e apoiadores na Aldeia Maracanã. A razão
alegada pelos oficias desta invasão violenta: Os próprios índios tinham ateado
fogo no telhado de palha de sua tenda no terreno do museu. As forças especiais
“teve” que invadir o prédio para salvá-lo e seus ocupantes. Toda guerra começa
com uma mentira.
Pouco antes da invasão,
quando um grupo dos índios já haviam saído do prédio, a liderança indígena
Urutau Guajajara tentou negociar uma última vez com os representantes do
Governo Cabral. Os representantes dos povos indígenas do Brasil querem ser
respeitados e usar o prédio como um Centro das Culturas Indígenas. Mas o
Governo quer instalar neste prédio, que foi doado no século 19 às culturas
indígenas do Brasil, um Museu Olímpico. O Governo Cabral ganhou uma batalha.
Mais a guerra continua.
O prédio tem uma história
longa, rica e importante para o Rio de Janeiro, Brasil e seus povos originais.
No século 19, o Duque de Saxe, descendente dos imperadores da Alemanha e
Áustria, doou o terreno para ser um centro de memória das culturas indígenas do
Brasil. E no começo do século 20, o prédio foi sede do SPI (Serviço de Proteção
ao Índio): “Os índios nordestinos, como os Tuxá, Fulni-ô, Pankararu aqui vieram
falar com Rondon na década de 1920, os Truká e Kariri, nos anos 1940; na década
de 1950, vieram todos, os Kayapó logo após o primeiro contato em 1953, os Kraô,
Canela, Terena, enfim, os Bororo – de quem Rondon descendia – vieram para
simplesmente conversar com Rondon, ouvir dele uma palavra de alento e esperança
de um futuro melhor, nesse prédio do Museu do Índio”, escreveu o antropólogo e
ex-presidente da FUNAI, Mércio P. Gomes no seu laudo antropólogico sobre este
prédio. Gomes:”Este prédio guarda essa memória em suas paredes, no ar que nele
se respira.”
Em 1954, o prédio virou o
primeiro Museu do Índio do Brasil, criado pelo Darcy Ribeiro. Quando o museu
mudou de endereço para Botafogo, este palácio foi abandonado e esquecido pelo
Governo Federal e os governos do Estado e da cidade.
A luta por este antigo
Museu do Índio, a luta pela Aldeia Maracanã, a luta pela criação de um Centro
Cultural Indígena Independente da Funai começou em outubro de 2006. As
autoridades quiseram demolir o prédio para fazer um shopping e um
estacionamento para a Copa de 2014. Para proteger este casarão importante na
história do Brasil e seus povos originais, um grupo de índios de vários estados
do Brasil ocuparam este espaço durante o 1º Encontro Movimentos dos Tamoios: “A
principal reivindicação do Movimento, com esta ocupação, é a transformação do
local em um centro para o resgate e disseminação da cultura indígena,
administrado pelos próprios indígenas.” O nome Movimento Tamoio foi bem
escolhido para lembrar a Confederação dos Tamoios, a primeira revolta indígena
contra a escravidão, ocorrida em 1562, no litoral paulista e fluminense.
Manter a ocupação deste
espaço durante mais de seis anos não foi fácil para Carlos Tukano, Afonso
Apurinã, Dauá Puri, Urutau Guajajara e demais lutadores e lutadoras do
movimento indígena – criado pelos representantes dos Pataxó, Guajajara, Tukano
entre outros: Um prédio com telhado quebrado, sem água, muitas vezes sem
eletricidade, sem recursos financeiros, com inundações durante as épocas de
chuva e sempre com ameaça de desocupação violenta pelas autoridades. Mas eles
manterem a sua presença no prédio, ficaram firme nos dias de sol a nas noites
de chuva e criaram a Aldeia Maracanã.
Graças a esta firmeza, a
luta teve um sucesso: Os planos de demolição foram eliminados e o Governo
Cabral precisava reconhecer o prédio como um patrimônio histórico. Isto é
verdadeiramente um sucesso, um sucesso de luta contra as autoridades, contra
espertos e contra milhares de pessoas que falavam: “Não vale a pena lutar, o
governo já decidiu derrubar.” O povo do Rio de Janeiro e do Brasil precisam
agradecer estes heróis indígenas por ter salvado este patrimônio histórico.
O Movimento Tamoio ganhou
esta primeira batalha importante. Mas o Governo Cabral, que definitivamente
perdeu esta luta e precisava abandonar a ideia de demolição deste patrimônio,
ainda não quer respeitar os índios e a história do prédio. Cabral quer agora
instalar lá um Museu Olímpico. Em troca de sair do prédio, os “índios” podem no
futuro ter no Museu Olímpico um pequeno espaço, uma loja para vender os seus
artesanatos e uma moradia fora do Maracanã.
Aceitar esta proposta
significará jogar fora o sucesso da luta de mais de seis anos. Isto foi claro
para uma das lideranças indígenas do movimento, Urutau Guajajara. A luta pelo
prédio é uma luta maior, uma luta pelo respeito de todos índios do Brasil que
no século 21 se emancipam contra a tutela do Estado.
Além disso: Aceitar esta
proposta do Cabral significará trair os próprios valores desta luta indígena.
Lembramos: O prédio foi doado originalmente às culturas indígenas. Um Museu
Olímpico dentro destes muros históricos é como um tapa na cara. Os jogos
olímpicos modernos é uma instituição privada de destruição da natureza em alta
escala, um projeto internacional do capital especulativo em nome do esporte e
sem respeito aos povos locais. No mundo, várias populações sofreram nas últimas
décadas por causa da construção de instalações e estádios olímpicos e
especulação imobiliária. Por causa disso, existe há muito tempo movimentos
contra estes jogos olímpicos, como foi visível na última vez em Chicago, 2007,
quando milhares de cidadãos se mobilizaram contra a Olimpíada na sua cidade.
Mas a luta pelo Antigo Museu
do Índio, a luta pela Aldeia Maracanã, a luta pela criação de um Centro
Cultural Indígena Independente ainda não precisa estar perdida. Um Museu
Olímpico neste prédio precisa da bênção do Comitê Internacional Olímpico.
E este Comitê Olímpico é muito
sensível contra criticas. O Comitê Olímpico já tem muitos problemas e críticas
pela corrupção – assim como o Comitê da Copa Mundial (FIFA). Já a FIFA não quer
ser responsável pela anunciada demolição deste prédio. Quando o Governo do
Estado declarou no ano passado que a demolição do antigo Museu do Índio era uma
exigência da FIFA, a própia FIFA declarou rapidamente que nunca solicitou a
demolição do prédio, por causa do medo de manchetes negativas.
E com certeza, o Comitê
Internacional Olímpico também não vai querer mais um problema e mais manchetes
negativas. Mas um museu olímpico no Rio de Janeiro, sem a participação do
Comitê Internacional Olímpico, não faz nenhum sentido e vira uma ideia sem
fundamento.
Norbert Suchanek,
Correspondente e Jornalista de Ciência e Ecologia, é colaborador internacional
do EcoDebate
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