17 FEVEREIRO DE 1.600
Autor: Jorge Angel Livraga Rizzi, Filósofo
Talvez ao
leitor não lhe diga nada esta data, mas é, na verdade, uma das mais
representativas da presente civilização. No final do século XVI da Era Cristã,
vivia um estranho filósofo que, como os seus antigos colegas da Grécia
Clássica, dominava quase todo o conhecimento religioso, científico e artístico
da sua época.
Durante os
primeiros anos da sua vida destacou-se pela sua clara inteligência e espírito
meditativo, e entrou num convento movido por uma fome mística, a mesma que lhe
rodearia durante toda a sua vida tão inexoravelmente como as ondas rodeiam uma
ilha. Mas, na verdade estava só… Ele pertencia a um futuro que mesmo os homens
atuais, com todos os seus avanços técnicos, não puderam realizar plenamente.
Rebelou-se
contra o obscurantismo medieval que, no seu fim, agonizante e enlouquecido,
pretendia desbaratar a chamada da razão e da ciência investigadora. Renunciou
aos hábitos e começou uma longa peregrinação que o levou ao Oriente e, talvez,
até às portas do próprio Tibete Sagrado. No seu regresso, já dono de um rigor
cultural extraordinário, começou a rebater com as mais originais teorias as
superstições dos «Doutos» dessa Europa sumida na violenta comoção do
Renascimento italiano.
Esse sábio
chamou-se Giordano Bruno. Expôs em quase todas as principais Universidades a
sua teoria sobre «A Pluralidade dos Mundos Habitados», quer dizer, que as
estrelas não eram buracos na tela do céu, nem faróis sustentados por um Deus
antropomórfico para iluminar a sua criação, mas sistemas solares como o nosso,
rodeados de Planetas como a Terra e que, por lei de analogia, deveriam estar
habitados por seres mais ou menos inteligentes.
Afirmou a
Onipotência real de uma Lei-Natureza ou Divindade Imanente que estava em todos
os seres sem diferenciação alguma e que iluminava a alma de cada homem sem
distinção de posição social, credo religioso ou lugar geográfico. Ensinou aos
seus discípulos que a Lei da Evolução, que desde sempre se sustentou no
Oriente, estava complementada por outra de Correlação entre Causa e Efeito e a
capacidade da Alma de tomar novos corpos periodicamente, ou seja, de
reencarnar.
Tudo foi
visto com maus olhos e começaram a perseguir-lhe e a destruir os seus escritos,
invocando uma obediência inverossímil ao diabo-entidade que, por outro lado,
segundo Giordano, só existia como forma mental, criada pelo temor ou ignorância
dos homens.
Finalmente,
devido à traição de um dos seus discípulos, foi preso em Veneza e encerrado na
prisão de «I Piombi», na qual foi alojado, numa das celas submarinas, durante sete
anos, ou seja, 2.555 dias com as suas 2.555 noites, sem ver outra luz do que a
que se infiltrava por baixo da porta e tomando o mais pobre dos alimentos sobre
os seus próprios desperdícios.
Tão
miserável vida, somada ao fragor enlouquecedor e contínuo das ondas a romper
sobre a sua encanecida cabeça, converteram-no em um dos cérebros mais
brilhantes da sua época numa besta com forma humana, incapaz nos últimos tempos
de emitir outra coisa que não fossem rugidos.
O Tribunal
do «Santo» Ofício trasladou-o para Roma e foi julgado no convento de Santa
Maria de Minerva, onde foi condenado a morrer na fogueira, depois de lhe ser
arrancada a língua em pedaços. Mas ao ser-lhe lida a sentença, este Iniciado
dos Mistérios Eternos reviveu de entre as cinzas do seu corpo e erguendo-se,
envergonhou os seus juízes com esta frase:
«Tremeis
mais vocês ao lerem-me esta sentença do que eu a escutá-la». Como que por
milagre explicou com voz firme e enérgica os fundamentos científicos e
filosóficos das suas teorias e a não agressão que tinha caracterizado todas as
suas manifestações. Esta última fase do processo foi silenciada para o mundo,
pois os seus captores tratavam de o fazer parecer um louco e ignorante
feiticeiro. Mas, no século XX descobriram-se documentos (Strumenti e sentence
ad anno 1580 al ano 1600, pág. 1379 à 1381) que puseram a claro para sempre tão
lamentável episódio da história.
Sete dias
permaneceu Giordano na cova inquisitorial e, ao amanhecer do dia 17 de
Fevereiro de 1600, foi arrastado até um Funcionário Eclesiástico que lhe leu a
fórmula: «Será castigado com clemência e sem derramamento de sangue». Poucas
horas mais tarde foi vestido com o infamante uniforme dos condenados, mal
pintado com cabeças de diabos e figuras geométricas e conduzido ao «Campo dei
Fiori».
Depois da
execução deste Benfeitor da Humanidade, as suas cinzas foram espalhadas ao
vento, mas também outros homens mais inteligentes espalharam os seus
ensinamentos que são, na sua maioria, do domínio público nas casas de estudo de
todo o Mundo Civilizado. Nesta oportunidade em que o homem tenta conhecer a
vida em outros mundos longínquos, recordemos com reverência a quem,
pressentindo o futuro, foi assassinado por anunciá-lo.
Fonte:
Fábio Oliveira
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