IDENTIFICANDO A SOCIEDADE HUMANA
Fizemos anteriormente ligeira consideração sobre a gênese da comunidade humana. Na sua origem, ela era natural e justa. Com a introdução da idéia personalista de posse permanente, a que se deu o nome de propriedade, o aglomerado humano ficou integrado a um sistema estranho e acorrentado a essas novas forças. A sociedade, que antes tinha a consciência de comunidade, passou a se ajustar aos interesses materialistas da estrutura econômica, prevalecendo a glorificação do ego.
Com isso, a sociedade humana ficou inteiramente desfigurada, apresentando continuamente situações contraditórias e conflitantes que só podem, no final, levá-la ao caos. A política nada mais é que a instrumentalização utilizada para esse fim. Ela deforma a sociedade genuína, ideal, plena de justiça, e introduz sorrateiramente a injustiça legal e cultural, além de se apossar do poder de ditar normas de hipocrisia social cada vez mais injustas e destrutivas dos valores espirituais. Um dos grandes fatores que contribuíram para a modificação da sociedade foi o aumento quantitativo de seus constituintes, transformando-os em massa compacta e fazendo-a perder definitivamente o rumo e a identidade de origem. Países como a China, população de 1,4 bilhões, a Índia, formada por 1,3 bilhões, Indonésia com 200 milhões, Brasil com 190 milhões, não têm meios de manter os elos de família ou clã. Resultado: transformam-se em simples figurantes de decisões econômicas, tornando-se presa ingênua e dócil dessa arquitetura perversa.
Hoje, em alguns países, a coletividade se vale da ausência do chefe primordial, instituindo e mantendo um símbolo representado pela monarquia sem poder de mando. É apenas figurativa e exerce a importante função de simbolizar a identidade da “família real”, um artifício para aglutinar um povo, preservando a memória atávica de família.
Em outros casos, instituiu-se a sociedade hierarquizada por um chefe oculto de mando efetivo, girando em torno da vivência econômica, mas sempre colocando no cenário um personagem para encarnar esse chefe. Uma comunidade não existe se não tiver um líder, um guia, um chefe, um pai, uma referência, mesmo que seja virtual. Tanto quanto um corpo não prevalece sem a cabeça para apontar e atingir seu principal objetivo.
Num ambiente de caos, a principal necessidade do povo é a da restauração do comando. E quem baixa as resoluções é investido das prerrogativas de chefe. O exercício dessa autoridade pode ser de uma pessoa, de um órgão coletivo, de uma estrutura, de um contrato social, de um partido político, de uma classe. Não importa. O principal é a existência de regras de convivência, um código orientador, uma norma. Pior que um mau governo é a inexistência de governo.
Com o advento da força representativa da propriedade, o tipo de organização social perdeu completamente seus legítimos valores aglutinantes. Comunidade social é um todo, um conjunto igualitário e justo. Os que se apossaram desse todo, que era um bem comum, passaram a impingir-lhe seus interesses materialistas individuais. Isso trouxe naturalmente uma divisão do todo de uma forma injusta, perversa, classista, desequilibrada, chegando ao ponto extremo de se pautar pela ganância generalizada. Chega-se ao absurdo de apenas um componente deter tal quantidade de bens, que faz sofrer por carência básica a maioria que sobrevive na penúria extrema.
Hoje, nos países mais representativos, praticamente não existe mais a sociedade genuína. O poder econômico procurou se dar aparência de honorabilidade perante o povo, dando nomes atrativos para o arranjo social. A principal palavra, que encobre ou explica a injustiça social é a democracia.
Democracia, como o nome indica, é uma organização política que propicia a representatividade do povo. Mas essa palavra está deturpada, é absolutamente abstrata e camaleônica, servindo de coberta para esconder as verdadeiras ações do sistema econômico. A classe política, usando as variadas astúcias, deturpa completamente o belo significado da palavra. No mundo, democracia tem as mais diversas variantes, segundo as circunstâncias do momento. Aliás, todos os sistemas sociais artificiais – em oposição ao natural de que já falamos – tem inúmeras conotações para consumo das mentes imobilizadas pela propaganda.
Na própria Grécia, onde o conceito surgiu, a participação efetiva do povo era bastante restrita. Não havia representatividade dos escravos, dos estrangeiros e das mulheres, o que representava a maioria do povo. No Brasil, quem não pertencer a um grupo de interesses e não for engraxado com muito dinheiro dos empresários, não consegue adquirir um poder político, nem que seja acessório. E se o consegue, vê-se tolhido e seguir a música conduzida pelo sistema econômico.
Na democracia brasileira, não há representatividade numa eleição, pois o voto de um ilustre intelectual é anulado pelo de um santo ignorante, semi-analfabeto, sem uso mental e facilmente sugestionável por festas e foguetes. E o pior: o número destes é muitas vezes superior ao daqueles.
A organização social que domina o mundo é a da estrutura econômica efetiva – notadamente a capitalista – atuante mediante o uso do engodo e semeação da mentira e desonestidade. Basta citar que nos Estados Unidos, considerado o país mais rico do mundo, há 30 milhões de indivíduos situados na linha da miséria. No mundo, 1% dos indivíduos detém quase 50% de toda a terra cultivável.
A injustiça e desigualdade são tão gritantes que nos admira ser essa situação aceita passivamente pela maioria. A única explicação se dá na identificação falsa de que democracia é liberdade. Não é. Como existir liberdade onde as mentes são forjadas pelas conveniências dos donos do dinheiro, da política, do poder? Como existir liberdade onde não há justiça e a fome de milhões ainda é uma realidade?
A Natureza nos fornece a justeza de uma organização social. Num corpo, as células recebem os produtos da alimentação segundo suas necessidades. Quando uma delas se rebela e acha que é melhor do que as semelhantes, passa a ser inconveniente e prejudicial às outras. Não combatida, cresce desordenadamente usufruindo dos elementos alimentícios produzidos por toda a sociedade sem dar nada em troca. Impede o livre funcionamento das outras, desequilibrando todo o organismo, redundando no final em morte de todo o sistema. Porque a vida é um estado de equilíbrio constante.
Não nos iludamos: organização social é uma coisa. É natural. Sistema econômico é outra. É artificial. Eles têm objetivos opostos. As palavras que são empregadas na identificação desses sistemas, atualmente estão completamente deformadas, não representando seus verdadeiros significados. Os políticos se encarregam de deformá-las, qualificando-as segundo seus interesses.
De modo geral, a sociedade está organizada segundo os critérios e interesses do sistema econômico cujo farol é a propriedade privada, o câncer do grupamento comunitário ideal. Ele sobrevive mediante escoras, adiamentos, artifícios. Até quando?
O enfoque social é o bem da comunidade. O do sistema econômico é o bem do indivíduo.
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