terça-feira, 18 de março de 2008

O JORNAL

Há certas coisas que nos dão a ilusão de existir, mas que não existem. A sua consistência ilusória se deve à crença, à boa fé ou à falta de uma análise racional dos fatos que se relacionam ao objeto. Não nos referimos às habilidosas manipulações executadas pelos mágicos. São dignos de admiração pela agilidade de suas mãos e pelos inteligentes truques concebidos. Mas todos sabemos que aquilo que nos é apresentado no palco não é uma realidade.
A tradição tem mantido para as crianças a existência fictícia da figura do Papai Noel. É uma realidade para os infantes, até o dia em que a idade da vivência lhes impõe a verdade. Adulto algum acredita em Papai Noel. Mas há muitos que crêem em lobisomem, mula-sem-cabeça, duende e outros ícones referentes.
É comum, nos dias atuais, as pessoas se expressarem assim: o rádio disse que fulano é criminoso; a televisão disse que sicrano é ladrão; o jornal disse que beltrano mandou matar. Na verdade, o rádio não fala; quem fala é quem está ao microfone. Da mesma forma, a televisão e o jornal não falam e nem escrevem. Quem fala e escreve é gente. Todos sabem disso, mas no subconsciente fica a imagem de que aqueles objetos é que se manifestam, informam.
Mas o pior dessa associação é que, subjetivamente, ficam sedimentadas no consciente – plantadas como preconceito – a crença e a convicção de que tudo aquilo que chega ao conhecimento humano, através daqueles instrumentos, é uma verdade exata e definitiva.
As pessoas dizem, ante uma incredulidade de terceiros a respeito de algum fato: — Está no jornal! O jornal disse!
Os jornalistas costumam comentar que o jornal X, por ter compromisso apenas com a verdade, tem merecido crédito de seus leitores. Que nele são publicadas notícias verdadeiras; não há falsidades ou invencionices.
O jornal publica fatos verídicos, mas também inverídicos. Publica o que quer e não publica o que não quer, inclusive uma crônica como esta. Fala a verdade, mas mente também. Age sempre de forma tendenciosa, capciosa e facciosa.
E os leitores, em geral, acreditam mesmo. Não percebem que jornal, como plantado em suas mentes, não existe. O que existe é um papel escrito por gente, publicado com nome e notícias. É o objeto, o papel escrito, chamado jornal. O outro jornal, aquele de fé pública e que se proclama como arauto das realidades, este não existe.
Quando nos referimos a jornal, tratamo-lo num sentido amplo, significando a imprensa de modo geral. A falada e a escrita. É a chamada mídia.
Vejamos melhor o assunto. Todo veículo informativo tem um dono, que tem interesses e objetivos comerciais (dinheiro) ou políticos (poder). É preciso que haja uma conscientização nos leitores de que o dono é quem manda. E os jornalistas, que são empregados, devem escrever e descrever de acordo com os interesses do patrão. Isso não é crime. É até natural e lógico, dentro do contexto em que vivemos. Mas entenda-se que assim é.
Há, de fato, uma empresa jornalística, e todos têm que trabalhar em consonância com os interesses do dono. Jornal, portanto, é um objeto utilitário, como outro qualquer. Jornal não é fonte divina de certezas e nem relicário de verdades e purezas idealísticas.
É comum defrontar-se com notícias recheadas de verbos no modo condicional ou com expressões tais como “consta”, “segundo parece”, “conforme informes de fonte segura”, e outras que tais. Isso denota que o jornalista não tem certeza do que está noticiando, ou que está traduzindo um fato segundo seu próprio entendimento. Indica, também, que torce para que tais coisas ocorram de acordo com suas preferências ou interesses. Pode ainda sinalizar que a notícia é inventada.
Essas considerações se ajustam, infelizmente, a todos os veículos informativos de todos os países e regimes políticos.
Bem ou mal, com as ressalvas acima, tais instrumentos são necessários no mundo atual, mas há necessidade de que os leitores saibam utilizá-los com espírito crítico, passando todas as informações pelo crivo da razão, da lógica e do bom senso.
Triste é ver como tantos são manipulados por tão poucos. Triste como uma mentira pode destruir corpos e mentes de puros, esperançosos e simplórios cidadãos, como se verifica através das ocorrências que a História registra.

1 Comentários:

Às 18 de março de 2008 às 21:26 , Anonymous Anônimo disse...

Maurício:
Este seu artigo chega como um alerta para despertar os crentes de que a realidade não é o que nos faz pensar a mídia; que é necessário que os fatos expostos sejam vistos, ouvidos e sentidos pela própria razão. Parabéns. Antídio

 

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