POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (IN)SUSTENTÁVEL
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate]
A discussão sobre população e desenvolvimento teve início no século XVIII,
durante e após as Revoluções Sociais da Inglaterra (Revolução Gloriosa de
1688-89), dos Estados Unidos (Independência em 1776), da França (Revolução
Francesa de 1789) e da Revolução Industrial e Energética. O fato é que, pela
primeira vez na história da humanidade, abriu-se a possibilidade de um rápido
crescimento dos fatores de produção (capital e trabalho, para além das
disponibilidades de terra agricultável), junto a um processo que possibilitou o
aumento continuado e de longo prazo da renda nacional per capita (significando
maior produção por trabalhador).
Os iluministas do século
das luzes eram defensores da ideia de progresso, e o desenvolvimento econômico
dos séculos XIX e XX foi a maneira em que se materializou o avanço das forças
produtivas. O “sucesso” de alguns países tornou o desenvolvimento um ideal a
ser atingido por todos os povos. O crescimento econômico passou a ser
considerado uma meta altamente desejável e um objetivo nacional inquestionável.
Mas as visões sobre o crescimento populacional jamais tiveram a mesma
unanimidade.
Ainda no século XVIII,
alguns autores, como Adam Smith, William Godwin, o Marquês de Condorcet e David
Ricardo viam o crescimento populacional como positivo para o crescimento
econômico, enquanto Thomas Malthus achava que o crescimento populacional
inviabilizaria qualquer ideia de desenvolvimento e crescimento da renda per
capita (Malthus não enxergava a possibilidade de redução da pobreza no longo
prazo).
Karl Marx também acreditava
no desenvolvimento e não se preocupava com o problema populacional, pois defendia
uma revolução nas relações sociais para que a população revolucionária (o
proletariado) liderasse o progresso das forças produtivas e a melhoria da
qualidade de vida das classes trabalhadoras. Este foi o caminho tentado na
prática por Vladimir Lenin na Rússia e que serviu de inspiração para outras
experiências socialistas. Lenin dizia que desenvolver é eletrificar e construir
uma industria pesada. As experiências socialistas tiveram sucesso na mudança
das relações de produção, mas foram um fracasso na implementação de uma nova
base técnica mais amigável ao meio ambiente.
Os economistas Alfred
Marshall, John Maynard Keynes e Gunnar Myrdal, dentre outros, defendiam a ideia
de desenvolvimento capitalista com inclusão social e expansão das políticas
públicas, o que foi colocado em prática após a Segunda Guerra Mundial em partes
da Europa, no chamado Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).
Nos países desenvolvidos e
nos países socialistas o crescimento econômico e o aumento da renda per capita
(juntamente com o aumento da urbanização, da educação, das condições de
moradia, saúde, etc.) vieram acompanhados da transição demográfica, que é o
processo de redução das taxas brutas de mortalidade e natalidade. Num primeiro
momento, taxas de fecundidade próximas do nível de reposição (2,1 filhos por
mulher) fizeram desaparecer as preocupações com o chamado “problema
populacional” nos países desenvolvidos. A ideia era que o desenvolvimento
resolveria os desafios populacionais. Porém, a população continuou sendo vista como
um entrave nos países pobres, ou do Terceiro Mundo (na denominação de Alfred
Sauvy), também chamados de países subdesenvolvidos, em desenvolvimento ou
emergentes.
Os economistas e demógrafos
W.W. Rostow, Arthur Lewis, Edgar Hoover e Ansley Coale escreveram sobre o
processo de desenvolvimento no Terceiro Mundo e todos consideravam que o rápido
crescimento populacional poderia ser um entrave ao desenvolvimento, na medida
em que a alta carga de dependência demográfica das crianças e jovens seria
concorrente do processo de formação da poupança agregada, indispensável para a
elevação das taxas de investimento. Portanto, estes autores consideram que o
caminho para o desenvolvimento no Terceiro Mundo estaria na redução do
crescimento populacional e na manutenção de altas taxas de formação bruta de
capital fixo, necessárias para a decolagem (take off) do desenvolvimento
e a geração de emprego produtivo, com o consequente aumento da renda per
capita.
Foi para resolver o
problema populacional que se difundiu as prescrições neomalthusianas.
Registra-se que, ao contrário de Malthus, os neomalthusianos propunham o freio
da população por meio da limitação da fecundidade e não do aumento da
mortalidade. Malthus achava que era impossível acabar com a pobreza. Os neomalthusianos
acreditavam que seria possível acabar com a pobreza e avançar com o
desenvolvimento econômico promovendo a transição da fecundidade.
Este debate, ganhou
destaque nas décadas de 1960 e 1970 e esteve no centro das discussões da
Conferência sobre População de Bucareste, em 1974. Os países ricos queriam
promover o controle da natalidade, enquanto os países pobres queriam
impulsionar o desenvolvimento. Venceram os segundos, com a seguinte palavra de
ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Nota-se que, mais uma vez,
o desenvolvimento foi apresentado e assumido como a solução para os problemas
populacionais.
Todavia, as taxas de
fecundidade caíram para níveis muito baixos (lowest-low fertility) na maioria
dos países com alto nível de renda per capita, colocando em dúvidas a
capacidade de reposição das gerações e acirrando os prognósticos sombrios sobre
o envelhecimento da estrutura etária. Desta forma, por vias inversas, o
“problema populacional” volta à cena dos países desenvolvidos. Mas ao invés da
“explosão populacional” o desafio agora é a “implosão populacional”.
Por outro lado, a ideia de
desenvolvimento já começava a ser questionada de maneira mais forte no início
da década de 1970. O alerta foi dado pelo Clube de Roma e pelo relatório “Os
limites do Crescimento” de Dennis e Donella Meadows, do Massachusetts Institute
of Technology (MIT). Com a crise do petróleo nos anos 1970 e o agravamento das
condições ambientais no mundo, foi lançado o estudo “Nosso Futuro Comum” (Our
Common Future), também conhecido como relatório Brundland, publicado pela
ONU em 1987. É a partir do relatório Brundland que se adota a clássica
definição de “Desenvolvimento sustentável”: “o desenvolvimento que satisfaz
as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de
suprir suas próprias necessidades”.
O relatório aponta para as
seguintes medidas que devem ser tomadas pelos países para promover o
desenvolvimento sustentável: limitação do crescimento populacional; garantia de
recursos básicos; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; diminuição
do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes
energéticas renováveis; aumento da produção industrial nos países
não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas;
atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia), etc.
De certa forma estas
medidas foram contempladas no documento da Conferência das Nações Unidas sobre
Desenvolvimento Sustentável, a Cúpula da Terra, ou Rio/92. Porém, duas décadas
adiante, durante a Rio + 20, diversos estudos mostraram que o “desenvolvimento
sustentável” não tem sido nada mais do que uma maquiagem verde que mantêm os
fundamentos da degradação ambiental. A chamada “Curva ambiental de Kuznets” tem
servido apenas como um instrumento ideológico que tenta justificar a
necessidade de aprofundamento do desenvolvimento econômico, pois a degradação
ambiental só aumenta com o crescimento econômico.
Na verdade, tem avolumado o
número de pessoas que consideram o desenvolvimento não como uma solução, mas
como um problema, pois existe uma alta correlação entre crescimento econômico e
destruição das fontes naturais da vida e da biodiversidade. Mesmo quando se
vinculam os aspectos humano, social e qualidade de vida, o padrão de produção e
consumo continua tendo um impacto negativo sobre os recursos ambientais. O
problema não está apenas no desenvolvimento econômico e social, mas também no
chamado desenvolvimento sustentável.
É claro que um
desenvolvimento humano e “sustentável” é melhor do que o desenvolvimento
selvagem e insustentável. Porém, a ideia de desenvolvimento socialmente justo e
ambientalmente sustentável tem sido incapaz de resolver os graves problemas que
estão se acumulando no mundo, tais como o aquecimento global e a depleção dos
ecossistemas. O capitalismo não consegue ser ao mesmo tempo socialmente
inclusivo, justo e ambientalmente sustentável. Adicionalmente, a ideia de
desenvolvimento humano acaba por reforçar o viés antropocêntrico que coloca o
bem-estar do homo sapiens acima do bem-estar dos demais seres vivos e do
Planeta.
Desta forma, cresce, em
todo o mundo, a percepção de que todo e qualquer tipo de desenvolvimento é
prejudicial ao meio ambiente, na medida em que é baseado no modelo de aumento
do consumo e da produção material. Por conta disto, alguns autores falam em
desenvolvimento sem crescimento, como Tim Jackson no livro: “Prosperity
without growth? The transition to a sustainable economy”, enquanto outros
falam em Decrescimento, como Serge Latouche no livro “Pequeno tratado do
decrescimento sereno” (Martins Fontes, 2009). A expressão “desenvolvimento
sustentável” passou a ser vista como um oximoro. O mesmo acontece com o
conceito de “economia verde” que também é visto como uma contradição em termos.
O certo é que as
formulações envolvendo o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a
dinâmica populacional não estão livres de críticas. O desenvolvimento é um
processo complexo, com diversos efeitos indesejáveis, não estando, portanto,
livre e acima das considerações minuciosas e da repreensão explícita. A única
certeza atual é que os conceitos de população e desenvolvimento precisam ser
mais debatidos e problematizados, especialmente quando se leva em conta o
paradigma ecocêntrico.
José
Eustáquio Diniz Alves, Colunista
do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em
Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências
Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal.
E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 25/01/2013
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