quinta-feira, 28 de outubro de 2010

FRANCESES SÃO VÍTIMAS DO PROGRESSO

Temos visto nas últimas semanas um forte movimento de contestação na França. 70% dos franceses se insurgem contra o projeto, já transformado em lei, do governo Nicolas Sarkozy de reforma da lei previdenciária do país, pelo qual aumenta em 2 anos o limite de idade para aposentadoria. Pelo visto, apenas 30% dos franceses possuem o bom senso de enxergar a obviedade.

Registramos que essa elevação é bastante suave ante o limite adotado por outros países da Europa, notadamente a Alemanha e Suécia. O que acontece na França é repetição das reações de mesma natureza ocorridas em outras comunidades, mas com menos repercussão na mídia. Os fatos na França têm tido mais ressonância mundial porque esse país tem a tradição de ser berço irradiador de mudanças sociais, tanto em atitudes revolucionárias quanto em idéias.

Enxergamos esses acontecimentos como uma faceta – uma amostra de aviso –, de uma lógica conseqüência do progresso ganancioso que impera na atual civilização materialista e antropocentrista. Para alguns, essa observação parecerá um pouco exagerada, ou sem fundamento, ou extravagante. Adiante, aduziremos melhores explicações.

Sob as razões culturais individualistas do modernismo tecnológico, os que protestam nada fazem do que defenderem seus benefícios, representados pela obtenção de bens e confortos supérfluos, isto é, manutenção das aspirações de ócio, conforto, e remuneração vinda do governo, justificados como prêmio por estarem vivendo mais. Querem viver a vida no aqui e agora. Seus projetos de vida não incluem as gerações humanas vindouras e muito menos a biodiversidade. Na cabeça da modernidade não há espaço para elas. Tudo gira sob a visão imediatista do ego personalíssimo, do inconsciente individualista do “après nous, le délouge”, sedimentada nas mentes moldadas pela “cultura” dirigida, orientada pela mídia peçonhenta e destruidora da espiritualidade.

O governo francês está agindo corretamente, pois sua visão alcança as gerações futuras que ficam comprometidas pela deformidade da pirâmide etária, onde a tendência é inverter-se. A causa é o progresso tecnológico-científico que, dando livre curso ao instinto de preservação da espécie, fornece assistência médica ao macróbio de tal forma que o leva a sustentar uma vida improdutiva e inútil na média de 80 anos nos países mais desenvolvidos. Chega-se ao ponto de ligar um moribundo a máquinas que desempenham as funções orgânicas essenciais. É célebre o caso da competentíssima equipe médica espanhola, mantendo o general Franco ligado a tantas máquinas operatrizes que o corpo funcionava, mas não tinha vida. Depois de muito tempo nessa situação, a família decidiu que fossem desligadas as máquinas. Hoje, fala-se em transplantes, órgãos artificiais, enxertos, células-tronco, clones, vacinas para combater diversos agentes da morte. A medicina age na busca ingente da eternidade para o corpo. Enquanto isso, relega-se o cultivo dos valores espirituais, o sublime gestor da vida.

Não há vantagens individuais sem a contrapartida de um custo social doloroso. Os benefícios de rapidez, conforto e ociosidade, propiciados pela tecnologia não são de graça. Alguém paga com suor e sangue. Quando não é a própria humanidade, é o planeta em seus recursos limitados. A interferência tecnológica no prolongamento da vida humana é parte dos outros milhares de procedimentos contrários aos processos e objetivos da Natureza.

Toda ação produz um efeito. Isso é lei natural. Não se prolonga a vida humana impunemente. Não se opõe à Natureza sem uma fatura elevada. Esse aspecto deveria servir de lição aos amantes do desenvolvimento, progresso e crescimento a qualquer preço. O apego a bens materiais (o corpo senil passa a ser um bem material) com os artifícios empregados pela medicina, procura retirar da Natureza o privilégio pela determinação do prazo de vida de um indivíduo. Isso tem custo, tem conseqüências diretas e indiretas.

Há, nos Estados Unidos, pessoas ricas que pagam caro a determinadas empresas para preservarem congelados seus cadáveres a fim de que, no futuro, sejam retornados à vida, caso a ciência descubra um meio de ressuscitá-los. Isso se assemelha muito à incapacidade de aceitação da morte pelos antigos faraós egípcios.

No Brasil existe o mesmo problema. A previdência, cada vez mais incapacitada, oferece um déficit mensal crescente e em valores expressivos. Nenhuma medida corretiva é tomada. Como é próprio da ineficiência governamental brasileira, espera-se o caldeirão explodir para depois tomar alguma correção. Previdência significa ver antes. O mais é imprevidência

O governo francês declarou que, no futuro, os jovens de hoje agradecerão as medidas acautelatórias de agora. Palavras de um governo competente, realista e responsável.

As conseqüências ambientais – aí incluída a visão social –, resultantes da perversão às normas da Natureza, produzem dores e sofrimentos.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

O PALHAÇO DE KIERKEGAARD E A CRISE CLIMÁTICA

Transcrevemos a seguir importante artigo do ilustre ambientalista e pensador Leonardo Boff.


“O palhaço de Kierkegaard e a crise climática

 Depois dos alarmantes relatórios do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) o pior que nos pode acontecer é deixar as coisas correrem como estão. Então iríamos alegremente ao encontro de nosso próprio fim. Tal atitude me faz lembrar o conhecido aforismo de Sören Kierkegaard (1813-1855), famoso filósofo dinamarquês, sobre o clown, um palhaço de circo. O fato, conta ele, é que estava ocorrendo um incêndio nas cortinas do fundo do teatro. O diretor enviou então o palhaço que já estava pronto para entrar em cena, avisar a toda a platéia do fato. Suplicava que acorressem para apagar as chamas. Como se tratava de um palhaço, todos imaginavam que era apenas um truque para fazer rir as pessoas. E estas riam que riam. Quanto mais o palhaço conclamava a todos, mais esses riam. Pôs-se sério e começou a gritar: "o fogo está queimando as cortinas, vai queimar todo o teatro e vocês vão queimar junto". Todos acharam tudo isso muito engraçado, pois diziam que ele estava cumprindo esplendidamente seu papel. O fato é que o fogo consumiu o palco e todo o teatro com as pessoas dentro. Termina Kierkegaard: "Assim, suponho eu, é a forma pela qual o mundo vai acabar no meio da hilariedade geral dos gozadores e galhofeiros que pensam que tudo, em fim, não passa de mera gozação".

Estas palavras de Kierkegaard se aplicam perfeitamente a muitos cientistas, empresários, bispos e até a gente do povo que pensam ser o aquecimento global uma grande enganação ou um alarme desnecessário. Dizem que o fenômeno é, em grande parte, natural e que a Terra tem condições por si mesma de encontrar o equilíbrio ótimo para a vida. E vivem como os ricos do Titanic, rindo e se afundando.

Por outro lado, muitos são os que tomam as advertências a sério, Estados e grandes instituições, também entre nós. Sabem que se começarem agora, com apenas 2% do PIB mundial, poderão equilibrar o clima global e continuar a aventura planetária com perspectivas de esperança.

O fato inegável é que estamos face a um problema global. Não afeta apenas este ou aquele ecossistema ou região; mas, seu conjunto, a biosfera e o inteiro Planeta. Somos todos interdependentes e as ações de todos afetam a todos para o bem ou para o mal. Tardiamente, só a partir dos anos 70 do século passado, ficou-nos claro que a Terra é um superorganismo vivo, Gaia, que regula os elementos físicos, químicos, geológicos e biológicos de tal forma que se torna benevolente para todas as formas de vida, especialmente, da nossa. Mas agora, dada a intervenção prolongada e persistente do processo produtivo mundial, ela chegou a um ponto em que não consegue sozinha se auto-regular. Precisa de nossa intervenção que vai muito além de apenas preservá-la e cuidá-la. Temos que efetivamente resgatá-la e curá-la. Pois, em termos cósmicos, é um planeta já velho, com recursos limitados e dificuldades de auto-regeneração.

Como somos o principal agente desestabilizador pode acontecer que ela não nos considere mais benevolentemente e queira continuar sem nós. A dinâmica do processo de produção e consumo ilimitados não consegue manter o equilíbrio do planeta. Somos obrigados a mudar na linha do que sugere a Carta da Terra: assumir um modo sustentável de vida. Este somente se alcançará mediante a cooperação mundial e a percepção espiritual de que o planeta é Terra-mátria, prolongamento de nossa própria existência terrena.”

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                   Fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

terça-feira, 5 de outubro de 2010

MATÉRIA NÃO EXISTE, TUDO É ENERGIA

Transcrevemos a seguir importante artigo do pensador e ambientalista Leonardo Boff

“O título deste artigo diz uma obviedade para quem entendeu minimamente a teoria da relatividade de Einstein pela qual se afirma ser matéria e energia equivalentes. Matéria é energia altamente condensada que pode ser liberada como o mostrou, lamentavelmente, a bomba atômica. O caminho da ciência percorreu, mais ou menos, o seguinte percurso: da matéria chegou ao átomo, do átomo, às partículas subatômicas, das partículas subatômicas, aos “pacotes de onda” energética, dos pacotes de onda, às supercordas vibratórias, em 11 dimensões ou mais, representadas como música e cor. Assim um elétron vibra mais ou menos quinhentos trilhões de vezes por segundo. Vibração produz som e cor. O universo seria, pois, uma sinfonia de sons e cores. Das supercordas chegou-se, por fim, à energia de fundo, ao vácuo quântico.

Neste contexto, sempre lembro de uma frase dita por W.Heisenberg, um dos pais da mecânica quântica, num semestre que deu na Universidade de Munique em 1968, que me foi dado seguir e que ainda me soa aos ouvidos : “O universo não é feito por coisas mas por redes de energia vibracional, emergindo de algo ainda mais profundo e sutil”. Portanto, a matéria perdeu seu foco central em favor da energia que se organiza em campos e redes.

Que é esse”algo mais profundo e sutil” de onde tudo emerge? Os físicos quânticos e astrofísicos chamaram de “energia de fundo” ou “vácuo quântico”, expressão inadequada porque diz o contrário do que a palavra “vazio” significa. O vácuo representa a plenitude de todas as possíveis energias e suas eventuais densificações nos seres. Dai se preferir hoje a expressão pregnant void “o vácuo prenhe” ou a“fonte originária de todo o ser” Não é algo que possa ser representado nas categorias convencionais de espaço-tempo, pois é algo anterior a tudo o que existe, anterior ao espaço-tempo e às quatro energias fundamentais, a gravitacional, a eletromagnética, a nuclear fraca e forte.

Astrofísicos imaginam-no como uma espécie de vasto oceano, sem margens, ilimitado, inefável, indescritível e misterioso no qual, como num útero infinito, estão hospedadas todas as possibilidades e virtualidades de ser. De lá emergiu, sem que possamos saber porquê e como, aquele pontozinho extremamente prenhe de energia, inimaginavelmente quente que depois explodiu (big bang) dando origem ao nosso universo. Nada impede que daquela energia de fundo tenham surgido outros pontos, gestando também outras singularidades e outros universos paralelos ou em outra dimensão.

Com o surgimento do universo, irrompeu simultaneamente o espaço-tempo. O tempo é o movimento da flutuação das energias e da expansão da matéria. O espaço não é o vazio estático dentro do qual tudo acontece mas aquele processo continuamente aberto que permite as redes de energia e os seres se manifestarem. A estabilidade da matéria pressupõe a presença de uma poderosíssima energia subjacente que a mantém neste estado. Na verdade, nós percebemos a matéria como algo sólido porque as vibrações da energia são tão rápidas que não alcançamos percebê-las com os sentidos corporais. Mas para isso nos ajuda a física quântica, exatamente porque se ocupa das partículas e das redes de energia, que nos rasgam esta visão diferente da realidade.

A energia é e está em tudo. Sem energia nada poderia subsistir. Como seres conscientes e espirituais, somos uma realização complexíssima, sutil e extremamente interativa de energia.

Que é essa energia de fundo que se manifesta sob tantas formas? Não há nenhuma teoria científica que a defina. De mais a mais, precisamos da energia para definir a energia. Não há como escapar desta redundância, notada já por Max Planck.

Esta Energia talvez constitua a melhor metáfora daquilo que significa Deus, cujos nomes variam, mas que sinalizam sempre a mesma Energia subjacente. Já o Tao Te Ching (§ 4) dizia o mesmo do Tao: ”o Tao é um vazio em turbilhão, sempre em ação e inexaurível. É um abismo insondável, origem de todas as coisas e unifica o mundo”.

A singularidade do ser humano é poder entrar em contacto consciente com esta Energia. Ele pode invocá-la, acolhê-la e percebê-la na forma de vida, de irradiação e de entusiasmo.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com

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