terça-feira, 31 de julho de 2012

DO GENE EGOÍSTA AO GENOMA HUMANO

Autor: Leonardo Boff, filósofo e teólogo

É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, egoísta e depredador da natureza.

Tempos de crise sistêmica como os nossos favorecem uma revisão de conceitos e a coragem para projetar outros mundos possíveis que realizem o que Paulo Freire chamava de o “inédito viável”.

É notório que o sistema capitalista imperante no mundo é consumista, visceralmente egoísta e depredador da natureza. Está levando toda a humanidade a um impasse, pois criou uma dupla injustiça: a ecológica por ter devastado a natureza e outra social por ter gerado imensa desigualdade social.

Simplificando, mas nem tanto, poderíamos dizer que a humanidade se divide entre aquelas minorias que comem à tripa forra e aquelas maiorias que se alimentam insuficientemente. Se agora quiséssemos universalizar o tipo de consumo dos países ricos para toda a humanidade, necessitaríamos, pelo menos, de três Terras, iguais a atual.

Este sistema pretendeu encontrar sua base científica na pesquisa do zoólogo britânico Richard Dawkins que há trinta e seis anos escreveu seu famoso O gene egoísta (1976). A nova biologia genética mostrou, entretanto, que esse gene egoísta é ilusório, pois os genes não existem isolados, mas constituem um sistema de interdependências, formando o genoma humano que obedece a três princípios básicos da biologia: a cooperação, a comunicação e a criatividade.

Portanto, o contrário do gene egoísta. Isso o demonstraram nomes notáveis da nova biologia como a prêmio Nobel Barbara McClintock, J. Bauer, C. Woese e outros. Bauer denunciou que a teoria do gene egoísta de Dawkins “não se funda em nenhum dado empírico”.

Pior, “serviu de correlato biopsicológico para legitimar a ordem econômica  anglo-norte americana” individualista e imperial (Das kooperative Gen, 2008, p.153).

Disto se deriva que se quisermos atingir um modo de vida sustentável e justo para todos os povos, aqueles que consomem muito devem reduzir drasticamente seus níveis de consumo. Isso não se alcançará sem forte cooperação, solidariedade e uma clara autolimitação.

Detenhamo-nos nesta última, a autolimitação, pois é uma das mais difíceis de ser alcançada devido à predominância do consumismo, difundido em todas classes sociais. A autolimitação implica numa renúncia necessária para poupar a Mãe Terra, para tutelar os interesses coletivos e para promover uma cultura da simplicidade voluntária.

Não se trata de não consumir, mas de consumir de forma sóbria, solidária e responsável face aos nossos semelhantes ,à toda a comunidade de vida e às gerações futuras que devem também consumir.

A limitação é, ademais, um princípio cosmológico e ecológico. O universo se desenvolve a partir de duas forças que sempre se autolimitam: as forças de expansão e as forças de contração. Sem esse limite interno, a criatividade cessaria e seríamos esmagados pela contração.

Na natureza funciona o mesmo princípio. As bactérias, por exemplo, se não se limitassem entre si e se uma delas perdesse os limites, em bem pouco tempo, ocuparia todo o planeta, desequilibrando a biosfera. Os ecossistemas garantem sua sustentabilidade pela limitação dos seres entre si, permitindo que todos possam coexistir.

Ora, para sairmos da atual crise precisamos mais que tudo reforçar a cooperação de todos com todos, a comunicação entre todas as culturas e grande criatividade para delinearmos um novo paradigma de civilização.

Há que darmos um adeus definitivo ao individualismo que inflacionou o “ego” em detrimento do “nós” que inclui não apenas os seres humanos mas toda a comunidade de vida, a Terra e o próprio universo.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                 fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

segunda-feira, 23 de julho de 2012

NÓS OCIDENTAIS, OS PRINCIPAIS RESPONSÁVEIS

Autor: Leonardo Boff, Filósofo e Teólogo

O complexo de crises que avassala a humanidade nos obriga a parar e a fazer um balanço. É o momento filosofante de todo observador crítico, caso queira ir além dos discursos convencionais e intrassistêmicos.

Por que chegamos à atual situação  que objetivamente ameaça o futuro da vida humana e de nossa obra civilizatória? Respondemos sem maiores justificativas: principais causadores deste percurso são aqueles que nos últimos séculos detiveram o poder, o saber e o ter. Eles se propuseram  dominar a natureza, conquistar o mundo inteiro, subjugar os povos e colocar tudo a serviço de seus interesses.

Para isso foi utilizada uma arma poderosa: a tecnociência. Pela ciência identificaram como funciona a natureza e pela técnica operaram intervenções para benefício humano sem reparar nas consequências.

Esses senhores que realizaram esta saga foram os ocidentais europeus. Nós latino-americanos fomos à força agregados a eles como um apêndice: o Extremo Ocidente.

Estes ocidentais, entretanto, estão hoje extremamente perplexos. Perguntam-se aturdidos: como podemos estar no olho da crise, se possuímos o melhor saber, a melhor democracia, a melhor consciência dos direitos, a melhor economia, a melhor técnica, o melhor cinema, a maior força militar e a melhor religião, o Cristianismo?

Ora, estas “conquistas” estão postas em xeque, pois elas, não obstante seu valor, inegavelmente não nos fornecem mais nenhum horizonte de esperança. Sentimos: o tempo ocidental se esgotou e já passou. Por isso perdeu qualquer legitimidade e força de convencimento.

Arnold Toynbee, analisando as grandes civilizações, notou esta constante histórica: sempre  que o arsenal de respostas para os desafios não é mais suficiente, as civilizações entram em crise, começam a esfacelar-se até o  seu colapso ou assimilação por outra. Esta traz renovado vigor, novos sonhos e novos sentidos de vida pessoais e coletivos. Qual virá? Quem o sabe? Eis a questão cruciante.

O que agrava a crise é a persistente arrogância ocidental. Mesmo em decadência, os ocidentais se imaginam ainda a referência obrigatória para todos.       

Para a Bíblia e para os gregos esse comportamento constituía o supremo desvio, pois as pessoas se colocavam no mesmo pedestal da divindade, tida como a referência suprema e a Última Realidade.  Chamavam a essa atitude  de  hybris, quer dizer:  arrogância e  excesso do próprio eu.

Foi esta arrogância que levou os EUA a intervir, com razões mentirosas, no Iraque, depois no Afeganistão e antes na América Latina, sustentando por muitos anos regimes ditatoriais militares e a vergonhosa Operação Condor pela qual centenas de lideranças de vários países da América Latina foram sequestradas e assassinadas.

Com o novo Presidente Barak Obama se esperava um novo rumo, mais multipolar, respeitador das diferenças culturais e compassivo para com os vulneráveis. Ledo engano. Está levando avante o projeto imperial na mesma linha do fundamentalista Bush. Não mudou substancialmente nada nesta estratégia de arrogância. Ao contrário, inaugurou algo inaudito e perverso: uma guerra não declarada usando “drones”, aviões não tripulados. Dirigidos eletronicamente a partir de frias salas de bases militares no Texas atacam, matando lideranças individuais e até grupos inteiros nos quais supõe estarem terroristas.

O próprio cristianismo, em suas várias vertentes, se distanciou do ecumenismo e está assumindo traços fundamentalistas. Há uma disputa no mercado religioso  para ver qual das denominações mais aglomera fiéis. 

Assistimos na Rio+20 a mesma arrogância dos poderosos, recusando-se a participar e a buscar  convergências mínimas que aliviassem  a crise da Terra.

E pensar que, no fundo, procuramos a singela utopia bem expressa por Pablo Milanes e Chico Buarque: ”a história poderia ser um carro alegre, cheio de um povo contente”.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                  fabioxoliveira.blog.uol.com.br/




segunda-feira, 16 de julho de 2012

PARA QUEM AINDA NÃO ESTÁ CONVENCIDO DA CRISE AMBIENTAL

Autor: Paulo Sanda

EcoDebate] Se você ainda não está convencido da necessidade urgente de mudar os rumos do sistema em que vivemos, vamos imaginar a seguinte cena:

Você e sua família, vivem em uma pequena ilha. Os recursos desta ilha são limitados, mas se renovam.

O alimento, a bebida, enfim tudo que vocês precisam a natureza nesta ilha fornece.

Vocês usam a água da lagoa para beber para higiene, usam a madeira da mata em suas casas, fazer fogo, etc. Existem algumas cabras, que dão o leite que vocês tomam, aves das quais recolhem ovos. Enfim, os recursos existem, são utilizadas mas visivelmente limitados.

O que vocês farão?

Irão fazer banheiros ao redor da lago e jogar suas fezes dentro da água que usam para beber, cozinhar e banhar?

Matarão as cabras que dão o leite que tomam, e as aves que dão os ovos, para poderem comer a carne?

Derrubarão todas as árvores para fazer grandes construções? Arrancarão os coqueiros?

Ou ainda o que acontecerá, se algumas pessoas repentinamente acharem que tem mais direito que as outras? Que a água pertence a somente elas, os coqueiros, as árvores, as cabras, aves, etc? Estas começam a abusar de tal maneira dos recursos, que começa a faltar para os demais. Será que por mais pacíficos que os outros sejam, será que os excluídos desta farra de alguns sobre o que deveria ser de todos, uma hora não irá causar revolta?

Pois bem, o nosso planeta acreditem ou não, tem limites, os recursos naturais não são infinitos.

E quem raios deu aos que tem mais poder e dinheiro, a posse do bem comum da humanidade e da vida?

Sabem quem deu esta posse ao poder e ao dinheiro?

A violência. Sim desde os primórdios era assim, e continua.

Os primeiros reis, não passavam de salteadores, ladrões que se propuseram a guardar as “posses” dos outros. Cresceram em força e tornaram se reis, então seu governo foi legitimado, a opressão passou a ser até divinizada.

Veio o sistema democrático. Democrático para quem cara pálida?

Os governos e os sistemas estão desacreditados, existe um grito por uma anarquia. Não anarquia apenas no sentido de desordem, bagunça. Sim desordem, no sentido de todos poderem exercer sua liberdade de viver, é complexo, mas o que urge não é um novo poder. Mas um esvaziamento completo dos poderes. É o conviver com o outro e com a vida.

Os poderes, não podem salvar, pois antes de mais nada, eles sempre querem, é salvar a si mesmos. E para se resguardarem, é preciso que outros morram. Não fosse assim, porque das guerras?

Não acredita ainda? Paciência, o pior é que estamos no mesmo barco.

Mas vou continuar a falar no seu ouvido, se você deixar. Quem sabe um dia conseguimos nos convencer, antes que seja tarde.

Pois estamos no mesmo barco, não precisamos querer a mesma coisa nem da mesma forma. Até porque afirmar isto iria contra meu próprio discurso. Mas é preciso respeitar a vida.

E agora estou falando é da nossa. Pois o planeta existia sem nós, os dinossauros passaram, e o planeta continuou.

Paulo Sanda é Teólogo, chefe escoteiro, palestrante, idealista, associado da ONG RUAH e tem sido ativo participante das manifestações Belo Monte NÃO, em São Paulo.

EcoDebate, 20/06/2012


quinta-feira, 12 de julho de 2012

COMUNIDADE

Autor: Fábio Oliveira
Após maravilhoso passeio pelo leste europeu (Viena, Budapeste, Praga e Bratislava), incluindo também Dresden e Berlim na Alemanha, Lisboa em Portugal, regresso ao Brasil para minha cidade natal Fortaleza.
Um dos vocábulos mais significativos que trago dessa viagem é a noção de comunidade. Nós, brasileiros, somos um povo fragmentado, formados por retalhos, sem unidade. Não cultuamos hábitos saudáveis que possam engrandecer a nação. Não temos ainda uma direção que possa nos levar a dias melhores. Ainda nos encontramos totalmente perdidos, tal qual o ditado popular: estamos piores do que cegos em tiroteio.
Os poderes da república só se preocupam com seus interesses meramente pessoais. Não existe um projeto de nação. Que Brasil queremos realmente construir? De ladrões, de criminosos, de aproveitadores, de medíocres?  Enfim, estamos longe de ser uma comunidade, na concepção mais verdadeira desse vocábulo. Podemos ser qualquer coisa, menos uma comunidade.
Dietrich Bonhoeffer escreveu: “Comunidade é um anfiteatro em que os gladiadores depuseram suas armas e armaduras, se tornaram hábeis em ouvir e entender, um lugar em que se respeitam os dons uns dos outros, celebram suas diferenças e cuidam das feridas uns os outros, um lugar em que todos estão comprometidos a lutar juntos - em vez de lutarem uns contra os outros. É também um lugar para se lutar com graça.”
Dietrich Bonhoeffer foi um teólogo, membro da resistência alemã antinazista e contrária à política nazista. Envolveu-se na trama da Abwehr para assassinar Hitler. Em março de 1943 foi preso e acabou sendo enforcado, pouco tempo antes do próprio Hitler cometer suicídio.
Perceber cidades que foram destruídas em grandes guerras, dominadas por nazistas e fascistas e em poucas décadas se reergueram, não apenas nos aspectos materiais (urbanos, edificações, econômico-financeiros e etc.), mas acima de tudo nas relações sociais e humanas, é algo que nós brasileiros temos muito que aprender.
Chegando ao Brasil, leio notícias que me entristecem bastante: Dilma não vetou o criminoso Novo Código Florestal, mas apenas alguns itens. O ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e o ex-presidente Lula trocam insultos por interesses meramente pessoais e pequenos, totalmente contrários aos grandes problemas da nação. Lula e Gilmar Mendes são semelhantes, já que defendem o crime e não agem contra o mesmo. Defendem sim o crime, desde que seja dos seus próprios pares. Fazem o jogo político com baixarias, quando uma mão suja procura lavar outra mão suja.
Será que isso é possível? Não é possível, é ação de canalhas, de ignorantes e pequenez para os cargos que ocupam na nação. Com certeza as mãos de ambos sairão ainda mais sujas desse episódio. Grande parte do povo brasileiro e muitos eleitores em suas santas inocências aplaudem essas baixarias e não reagem a situação tão humilhante por que passa a decadente sociedade brasileira.
O fato de o ex-presidente Lula ser o primeiro presidente operário, originado de classe menos favorecida, não lhe dá o direito de ser subserviente ao crime, quando deveria combatê-lo com todas suas forças, bravamente.
São manchetes nos jornais do meu país: assaltos com explosões a bancos ocorrem quase que diariamente, assassinatos banais fazem parte do nosso cotidiano, dois jovens assassinados na Praia de Iracema, 50 Universidades Federais em greve, Praia de Iracema vira cenário de assassinatos, roubos, assaltos e de comércio de drogas, 57% dos fortalezenses defendem a pena de morte e etc.
A política é tratada com ações que ficam abaixo da pior das mediocridades. São notícias de um país que chegou ao limite da degradação social e política.
Falta ao Brasil noção de comunidade. Vivemos num país que é uma selvageria sem limites. O que diferencia o ser humano do animal irracional é a linguagem, a educação, a capacidade de evolução da consciência e o poder de transformar-se sempre em melhor. Mas ainda nãoconseguimos encontrar o caminho de sermos realmente humanos, ainda vivemos na mais profunda ignorância, chegando a ser animalesca.
Não estou querendo dizer que o ser humano esteja pronto em alguns países ditos desenvolvidos, pois em qualquer lugar do mundo existem imperfeições e fraquezas humanas. Porém, digo que dentro de uma escala evolutiva nós brasileiros ainda nos encontramos infinitamente atrasados nos mais diversos aspectos, inclusive na noção de comunidade.
É verdade que as atrocidades nazistas, fascistas e o totalitarismo comunista levaram milhões de seres humanos a morte e ao sofrimento. Mas também é verdade que essas nações não esqueceram a prática do que realmente seja uma comunidade.
No Brasil, temos os travestidos de salvadores da pátria, mas que as práticas mostram exatamente o contrário. Quantos humanos morrem nos corredores dos hospitais por falta de atendimento médico? Quantas crianças sobrevivem na mais degradante humilhação? Quantos bilhões de reais são desviados dos cofres públicos que deveriam ser aplicados em benefício de todos? Quantos humanos são assassinados nas ruas por um simples celular, um par tênis ou uns parcos reais? Portanto, nós também temos fascistas e nazistas ocultos, o que é ainda pior. Temos um holocausto urbano, ético e moral.
A viagem foi maravilhosa, me diverti bastante e enriqueci um pouco a minha modesta visão de mundo, mas me entristeço ao ver meu país com tantos problemas sérios para serem solucionados, e os políticos preocupados com banalidades, intrigas inconsequentes, corrupção e baixarias que só atrasam a evolução social, psicológica, espiritual e material de um povo.
Talvez seja realmente necessário passarmos por tudo isso para que um dia aconteça o despertar do povo brasileiro, talvez com mais sofrimentos a comunidade surja, mas só os Deuses podem compreender tais acontecimentos.



domingo, 8 de julho de 2012

MORRE O SOLITÁRIO GEORGE

Autor: José EustáquioDiniz Alves

[EcoDebate] O Solitário George morreu no dia 24 de junho de 2012, dois dias depois do término da Rio + 20. Era o último indivíduo, macho, da subespécie “Chelonoidis nigra abingdoni” de tartarugas gigantes. Lonesome George (nome em inglês) foi descoberto na Ilha de Pinta, no arquipélago de Galápagos, em 1972. Ele era o “Último dos Moicanos”, ou seja, ele era o último exemplar da sua espécie.

O solitário George tornou-se parte de um programa de procriação no Parque Nacional de Galápagos. Durante 15 anos, ele viveu ao lado de uma tartaruga fêmea vinda de um vulcão próximo. Houve acasalamento, mas os ovos não eram férteis. Da mesma forma, ele compartilhou seu espaço com tartarugas fêmeas da Ilha de Espanhola, mas foi biologicamente incapaz de procriar e deixar descendentes.

As tartarugas eram abundantes no arquipélago de Galápagos até o século XIX. As suas diferenças físicas foram um dos elementos usados por Charles Darwin para formular a Teoria da Evolução. Cada ilha de Galápagos tinha a sua espécie própria de tartaruga terrestre. As espécies se diferenciavam à medida em que se adaptavam às condições naturais de cada ilha, propiciando uma riqueza biológica sem comparação.

Mas a maravilha da evolução foi interrompida por uma “espécie invasora” que começou a caçar os indefesos animais, não só para o consumo da carne, mas também para o uso energético. Quito, Guayaquil e outras cidades do Equador utilizavam o óleo de tartaruga para iluminar as casas e as ruas da civilização humana. Como as tartarugas fêmeas eram menores e mais fáceis de carregar, elas foram dizimadas primeiro.

O Solitário George era o símbolo que servia de denúncia contra uma matança indiscriminada que reduziu a biodiversidade de Galápagos. Ele foi o último exemplar vivo de uma espécie que foi vítima do crime de ecocídio. Mas, infelizmente, ele não foi o último mártir, pois este crime continua fazendo milhares de vítimas pelo mundo afora. Para salvar as espécies e a biodiversidade o ecocídio precisa ser erradicado, antes que seja tarde.

Há exatamente um ano, estive no arquipélago de Galápagos e conheci o Solitário George. Foi muito triste ver um indivíduo solitário e centenário, vivendo isolado num parque, sabendo que suas companheiras foram mortas por conta da ganância humana. É muito triste receber a notícia de que este indivíduo morreu e mais uma espécie foi extinta. É mais triste ainda saber que este não será o último solitário a morrer e que diversas outras espécies estão sendo desaparecendo e trilhando o mesmo destino, com a mesma causa mortis.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.

Fonte: EcoDebate, 29/06/2012





quarta-feira, 4 de julho de 2012

A AUSÊNCIA DE UMA NOVA NARRATIVA NA RIO+20

Autor: Leonardo Boff, Filósofo e Teólogo

O vazio básico do documento da ONU para a Rio+20 reside numa completa ausência de uma nova narrativa ou de uma nova cosmologia que poderia garantir a esperança de um “futuro que queremos” lema do grande encontro. Assim como está, nega qualquer futuro promissor.

Para seus formuladores, o futuro depende da economia, pouco importa o adjetivo que se lhe agregue: sustentável ou verde. Especialmente a economia verde opera o grande assalto ao último reduto da natureza: transformar em mercadoria e colocar preço àquilo que é comum, natural, vital e insubstituível para a vida como a água,solos, fertilidade, florestas, genes etc. O que pertence à vida é sagrado e nãopode ir para o mercado dos negócios. Mas está indo, sob o imperativo categórico: apropria-te de tudo, faça comércio com tudo, especialmente com a natureza e com seus bens e serviços.
Eis aqui o supremo egocentrismo e a arrogância  dos seres humanos, chamado também de antropocentrismo. Estes veem a Terra como um armazém de recursos só para eles, sem se dar conta de que não somos os únicos a habitar a Terra nem somos seus proprietários; não nos sentimos parte da natureza,  mas fora e acima dela como seus “mestres e donos”. Esquecemos, entretanto,  que existe toda a comunidade de vida visível ( 5% da biosfera ) e os quintilhões de quintilhões de microrganismos invisíveis (95%) que garantem a vitalidade e fecundidade da Terra. Todos estes pertencem ao condomínio Terra  e têm direito de  viver  e conviver conosco. Sem as relações de interdependência com eles, sequer poderíamos existir. O documento desconsidera tudo isso. Podemos então dizer: Com ele não há salvação. Ele abre o caminho para o abismo. Enquanto tivermos tempo, urge evitá-lo.
Tal vazio se deriva da velha narrativa ou cosmologia. Por narrativa ou cosmologia entendemos a visão do mundo que subjaz às idéias, às práticas, aos hábitos e aos sonhos de uma sociedade. Por ela se procura explicar a origem, a evolução e o propósito do universo, da história e o lugar do ser humano

A nossa atual é a narrativa ou  a cosmologia da conquista do mundo em vista do progresso e do crescimento ilimitado. Caracteriza-se por ser mecanicista, determinística, atomística e reducionista. Por força desta narrativa 20% da população mundial controla e consome 80% de todos os recursos naturais; metade das grandes florestas foram destruídas, 65% das terras agricultáveis, perdidas, cerca de 27 a 100  mil espécies de seres vivos desaparecem por ano e mais de mil agentes químicos sintéticos, a maioria tóxicos, são lançados na natureza. Construímos armas de destruição em massa, capazes de eliminar toda vida humana. O efeito final é o desequilíbrio do sistema-Terra que se expressa pelo  aquecimento global. Com os gases já acumulados, até 2035 fatalmente se chegará a 3-4 graus Celsius, o que tornará a vida, assim como a conhecemos praticamente impossível.
A atual crise econômico-financeira que mergulha nações inteiras na miséria nos fazem perder a percepção do risco  e conspiram contra qualquer mudança necessária  de rumo.

Em contraposição, surge  a narrativa ou a cosmologia do cuidado e da responsabilidade universal, potencialmente salvadora. Ela ganhou sua melhor expressão na Carta da Terra. Situa nossa realidade dentro da cosmogênese, aquele imenso processo de evolução que se iniciou há 13,7 bilhões de anos. O universo está continuamente se expandindo, se auto-organizando e se autocriando. Nele tudo é relação em rede se nada existe fora desta relação. Por isso todos os seres são interdependentes e colaboram entre si para garantirem o equilíbrio de todos os fatores. A missão humana reside em  cuidar e manter essa harmonia sinfônica. Precisamos produzir, não para a acumulação e enriquecimento privado mas para o suficiente e decente para todos, respeitando os limites e ciclos da natureza.
Por detrás de todos os seres atua a Energia de fundo que deu origem e sustenta o universo permitindo emergências novas. A mais espetacular delas é a Terra viva e os humanos como a porção consciente dela, com a missão de cuidá-la e de responsabilizar-se por ela.

Esta nova narrativa garante “o futuro que queremos”. Do contrário seremos empurrados fatalmente ao caos  coletivo com consequências funestas. Ela se revela inspiradora. Ao invés de fazer negócios com a natureza, nos colocamos no seio dela em profunda sintonia e sinergia, respeitando seus limites e buscando o "bem viver" que é  a harmonia entre todos e com a mãe Terra.  Característica desta nova cosmologia é o cuidado no lugar da dominação, o reconhecimento do valor intrínseco de cada ser e não sua mera utilização humana, o respeito por toda a vida e dos direitos da natureza e nãosua exploração e a articulação da justiça ecológica com a social.
Esta narrativa está mais de acordo com as reais necessidades humanas e com a lógica do próprio universo. Se o documento Rio+20 a adotasse, como pano de fundo, criar-se-ia a oportunidade de uma civilização planetária na qual o cuidado, a cooperação, o amor, o respeito, a alegria e a espiritualidade ganhariam centralidade. Tal opção apontaria, não para o abismo, mas para o “o futuro que queremos”: uma biocivilização da boa esperança.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
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