domingo, 27 de maio de 2012

VENDE-SE A NATUREZA

Autor: Frei Betto.
Às vésperas da Rio+20 é imprescindível denunciar a nova ofensiva do capitalismo neoliberal: a mercantilização da natureza. Já existe o mercado de carbono, estabelecido pelo Protocolo de Kyoto (1997). Ele determina que países desenvolvidos, principais poluidores, reduzam as emissões de gases de efeito estufa em 5,2%.
 Reduzir o volume de veneno vomitado por aqueles países na atmosfera implica subtrair lucros. Assim, inventou-se o crédito de carbono. Uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) equivale a um crédito de carbono. O país rico ou suas empresas, ao ultrapassar o limite de poluição permitida, compra o crédito do país pobre ou de suas empresas que ainda não atingiram seus respectivos limites de emissão de CO2 e, assim, fica autorizado a emitir gases de efeito estufa. O valor dessa permissão deve ser inferior à multa que o país rico pagaria, caso ultrapassasse seu limite de emissão de CO2.
 Surge agora nova proposta: a venda de serviços ambientais. Leia-se: apropriação e mercantilização das florestas tropicais, florestas plantadas (semeadas pelo ser humano) e ecossistemas. Devido à crise financeira que afeta os países desenvolvidos, o capital busca novas fontes de lucro. Ao capital industrial (produção) e ao capital financeiro (especulação), soma-se agora o capital natural (apropriação da natureza), também conhecido por economia verde.
 A diferença dos serviços ambientais é que não são prestados por uma pessoa ou empresa; são ofertados, gratuitamente, pela natureza: água, alimentos, plantas medicinais, carbono (sua absorção e armazenamento), minérios, madeira etc. A proposta é dar um basta a essa gratuidade. Na lógica capitalista, o valor de troca de um bem está acima de seu valor de uso. Portanto, tais bens naturais devem ter preços.
 Os consumidores dos bens da natureza passariam a pagar, não apenas pela administração da "manufatura” do produto (como pagamos pela água que sai da torneira em casa), mas pelo próprio bem. Ocorre que a natureza não tem conta bancária para receber o dinheiro pago pelos serviços que presta. Os defensores dessa proposta afirmam que, portanto, alguém ou alguma instituição deve receber o pagamento – o dono da floresta ou do ecossistema.
 A proposta não leva em conta as comunidades que vivem nas florestas. Uma moradora da comunidade de Katobo, floresta da República Democrática do Congo, relata:
 "Na floresta, coletamos lenha, cultivamos alimentos e comemos. A floresta fornece tudo, legumes, todo tipo de animal, e isso nos permite viver bem. Por isso que somos muito felizes com nossa floresta, porque nos permite conseguir tudo que precisamos. Quando ouvimos que a floresta poderia estar em perigo, isso nos preocupa, porque nunca poderíamos viver fora da floresta. E se alguém nos dissesse para abandonar a floresta, ficaríamos com muita raiva, porque não podemos imaginar uma vida que não seja dentro ou perto da floresta. Quando plantamos alimentos, temos comida, temos agricultura e também caça, e as mulheres pegam siri e peixe nos rios. Temos diferentes tipos de legumes, e também plantas comestíveis da floresta, e frutas, e todo de tipo de coisa que comemos, que nos dá força e energia, proteínas, e tudo mais que precisamos.”
 O comércio de serviços ambientais ignora essa visão dos povos da floresta. Trata-se de um novo mecanismo de mercado, pelo qual a natureza é quantificada em unidades comercializáveis.
 Essa ideia, que soa como absurda, surgiu nos países industrializados do hemisfério Norte na década de 1970, quando houve a crise ambiental. Europa e EUA tomaram consciência de que os recursos naturais são limitados. A Terra não tem como ser ampliada. E está doente, contaminada e degradada.
 Frente a isso, os ideólogos do capitalismo propuseram valorizar os recursos naturais para salvá-los. Calcularam o valor dos serviços ambientais entre US$ 16 e 54 trilhões (o PIB mundial, a soma de bens e serviços, totaliza atualmente US$ 62 trilhões). "Está na hora de reconhecer que a natureza é a maior empresa do mundo, trabalhando para beneficiar 100% da humanidade – e faz isso de graça”, afirmou Jean-Cristophe Vié, diretor do Programa de Espécies da IUCN, principal rede global pela conservação da natureza, financiada por governos, agências multilaterais e empresas multinacionais.
 Em 1969, Garret Hardin publicou o artigo "A tragédia dos comuns” para justificar a necessidade de cercar a natureza, privatizá-la, e assim garantir sua preservação. Segundo o autor, o uso local e gratuito da natureza, como o faz uma tribo indígena, resulta em destruição (o que não corresponde à verdade). A única forma de preservá-la para o bem comum é torná-la administrável por quem possui competência – as grandes corporações empresariais. Eis a tese da economia verde.
 Ora, sabemos como elas encaram a natureza: como mera produtora de ‘commodities’. Por isso, empresas estrangeiras compram, no Brasil, cada vez mais terras, o que significa uma desapropriação mercantil de nosso território.
Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gm
                                  fabioxoliveira.blog.uol.com.br/





quarta-feira, 23 de maio de 2012

HOLOCAUSTO BRASILEIRO EM BELO MONTE

Autor: Joel de Sá
A expressão holocausto está cunhada numa imensa quantidade de textos que fazem referência a extermínios de povos. Entretanto, ele está marcadamente mais presente nos textos que se referem a pessoas pertencentes à cultura judaica, sobretudo no decorrer do regime nazista, na Alemanha. A problemática colocada com tanta ênfase dá a impressão de que a morte de judeus sob o regime hitlerista foi a única grande matança de pessoas ocorrida em toda a história. Aos brasileiros pode parecer estar distante de fatos dessa natureza. Grande equívoco.
          Entretanto, o que se expressa semanticamente como holocausto não está rigorosamente configurado somente como massacre de criaturas humanas por armas letais. O holocausto social e étnico se dá de várias formas. Há uma forma sutil de matança, mas nem por isso menos degradante e criminosa: é a que vai suprimindo os indivíduos ou grupos de indivíduos paulatinamente. Primeiro são extintos seus hábitos, seus costumes, seus aspectos tradicionais de viver, em seguida a vivência vai se tornando mais complicada em virtude das interferências no ambiente, até que os indivíduos vão desaparecendo. Em pouco tempo certos povos deixam de existir. É o caso de muitas etnias primitivas do Brasil, desde a época do descobrimento.
           Os historiadores atestam que no início da colonização, pouco depois do “descobrimento”, ocupavam as terras brasileiras entre seis e sete milhões de almas. Criaturas humanas de pele plúmbea, agrupados em diversas tribos, línguas e costumes povoavam o vasto litoral, as margens dos vários rios e as orlas de alguns lagos.
       Hoje a construção da Usina de Belo Monte, no Rio Xingu, poderá representar um genocídio, mesmo que mais lento dos povos que ocupam e se nutrem dos parcos recursos naturais da região. Calcula-se que pelo menos 20 mil indivíduos, entre indígenas, caboclos e outros povos habitam a região. Os índios, calculados em 14 mil, estão divididos em algumas etnias e agrupamentos. Os indígenas daquela região estão entre os mais arraigados à cultura primitiva. A região é uma das áreas com fauna e flora ainda prósperas e bem preservadas. Por essa razão representa o sustento e o estado natural para quem vive lá.
          Um enorme imbróglio jurídico envolve a construção da usina hidrelétrica. Um enorme impacto ambiental será percebido com a construção do empreendimento. Além disso, a energia produzida lá não irá beneficiar os moradores da região. A hidrelétrica produzirá energia com sua potência total em apenas um terço do ano. Em quatro meses ela produzirá apenas 50% de sua capacidade e nos restantes quatro meses ficará inativa.
Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                








sábado, 19 de maio de 2012

AS CARACTERÍSTICA DA CRISE PLANETÁRIA



Autor: Helder Modesto
      Vivemos agora os primeiros estágios de uma crise planetária. É a primeira crise desse tipo, conhecida em toda nossa história universal. Mesmo na antiga idade do gelo, somente havia perigo de vida aqueles regiões da terra cobertas por formações glaciais. A presente crise, por outro lado, é global porque o perigo não está confinado a uma determinada parte do planeta. Os padrões de comportamento responsáveis pela crise são criados pela febre da produtividade e do estilo de vida das sociedades industriais, sempre no afã do progresso e desenvolvimento. Essa visão cientificista do progresso, emulada pelo racionalismo do século XVII, teve Bacon e Descartes como os precursores dessa corrida.
      Enalteciam as vantagens do progresso, transformando-o em um axioma inexorável.
      Essa idéia acerca do progresso foi desenvolvida mais tarde pelo pensamento de Marx e de Hegel. Marx e Hegel acreditavam na perspectiva de uma evolução da humanidade, embora sofrendo algumas crises ocasionais.

       Esse ideal de progresso chegou até os nossos dias, não com o brio e a confiança na sua prorrogação infinita de antanho, mas coberto de resíduos ultratóxicos e ameaça de produzir catástrofes de grandes proporções. Os armamentos criados pelo homem já são capazes de destruir toda a terra de uma só vez. Mas, além disso, os efeitos do calor, provocados pelo aquecimento global, do barulho e da poluição geral são de tal ordem, que as condições de vida humanas se sujeitam de maneira crescente a maiores sacrifícios e riscos da própria sobrevivência da nossa espécie.

       É bom lembrar que a espécie humana é a espécie de vida mais recente na face da terra. Enquanto a vida desenvolveu-se ininterruptamente ao longo de mais de três bilhões de anos (3,8 bilhões é o termo mais correto), há cerca de no Maximo 1 milhão de anos aqui surgiu o “homo erectus”, dado por muitos antropólogos como a origem do homem na cadeia de sua evolução física. Portanto, a mais frágil entre as inúmeras espécies de vida e a que, logicamente, primeiro seria afetada.

     Como poderemos sair dessa crise planetária? A humanidade está tomando conhecimento dos seus limites? É possível reverter esse quadro? Enfim, o que acontecerá daqui para frente?

     Não há resposta conclusiva, assim como não podemos fazer previsões para esse futuro sombrio da humanidade. Existem muitos que nem tomam conhecimento do que está acontecendo, e isso se chama alienação. Alienação tem inspirado a maior parte das políticas deste mundo. O homem é um alienado quando se torna incapaz de entender as condições de seu próprio bem-estar, do bem-estar dos outros e do bem-estar da natureza.

     Marx atribuía importância fundamental à alienação. Para ele a alienação era a expressão máxima da distorção humana provocada pela economia capitalista. E, o capitalismo neste mundo globalizado, graças à sua visão predatória, leva a competitividade, o consumo, a confusão e ao espírito de incertezas que caracterizam e constituem baluartes do presente estado de coisas. “A competitividade comanda nossas formas de ação”, não mais a cooperação.
Finalmente, disse Fritjof Capra, “nas décadas seguintes, a sobrevivência da humanidade vai depender da nossa alfabetização ecológica, da nossa capacidade de compreender os princípios básicos da ecologia e de viver de acordo com eles”.
     A humanidade, porém, não está vivendo esses “princípios”, não há nenhum principio norteador no presente estagio da humanidade; a não ser os da competitividade, alienação, consumismo, exploração, e o vazio existencial que assola e tortura a falta de sentido de milhões.
           Fonte: Fábio Oliveira



terça-feira, 15 de maio de 2012

CORRUPÇÃO: CRIME CONTRA A SOCIEDADE

Autor: Leonardo Boff, filósofo e teólogo.
 Segundo a Transparência Internacional, o Brasil comparece como um dos países mais corruptos do mundo. Sobre 91 analisados, ocupa o 69% lugar. Aqui ela é histórica, foi naturalizada, vale dizer, considerada com um dado natural, é atacada só posteriormente quando já ocorreu e tiver atingido muitos milhões de reais e goza de ampla impunidade. Os dados são estarrecedores: segundo a Fiesp ( Federação das Indústrias de São Paulo ), anualmente, ela representa 84.5 bilhões de reais. Se esse montante fosse aplicado na saúde subiriam em 89% o número de leitos nos hospitais; se na educação, poder-se-iam abrir 16 milhões de novas vagas nas escolas; se na construção civil, poder-se-iam construir 1,5 milhões de casas.
Só esses dados denunciam a gravidade do crime contra a sociedade que a corrupção representa. Se vivessem na China muitos corruptos acabariam na forca por crime contra a economia popular. Todos os dias, mais e mais fatos são denunciados como agora com o contraventor Carlinhos Cachoeira que para garantir seus negócios infiltrou-se corrompendo gente do mundo político, policial e até governamental. Mas não adianta rir nem chorar.
Importa compreender esse perverso processo criminoso. Comecemos com a palavra corrupção. Ela tem origem na teologia. Antes de se falar em pecado original, expressão que não consta na Bíblia, mas foi criada por Santo Agostinho no ano 416 numa troca de cartas com São Jerônimo, a tradição cristã dizia que o ser humano vive numa situação de corrupção. Santo Agostinho explica a etimologia: corrupção é ter um coração (cor) rompido (ruptus) e pervertido. Cita o Gênesis: “a tendência do coração é desviante desde a mais tenra idade” (8,21). O filósofo Kant fazia a mesma constatação ao dizer: “somos um lenho torto do qual não se podem tirar tábuas retas”. Em outras palavras: há uma força em nós que nos incita ao desvio que é a corrupção. Ela não é fatal. Pode ser controlada e superada, senão segue sua tendência.
Como se explica a corrupção no Brasil? Identifico três razões básicas entre outras: a histórica, a política e a cultural.
 A histórica: somos herdeiros de uma perversa herança colonial e escravocrata que marcou nossos hábitos. A colonização e a escravatura são instituições objetivamente violentas e injustas. Então as pessoas para sobreviverem e guardarem a mínima liberdade eram levadas a corromper. Quer dizer: subornar, conseguir favores mediante trocas, peculato (favorecimento ilícito com dinheiro público) ou nepotismo. Essa prática deu origem ao jeitinho brasileiro, uma forma de navegação dentro de uma sociedade desigual e injusta e à lei de Gerson que é tirar vantagem pessoal de tudo.
A política: a base da corrupção política reside no patrimonialismo, na indigente democracia e no capitalismo sem regras. No patrimonialismo não se distingue a esfera pública da privada. As elites trataram a coisa pública como se fosse sua e organizaram o Estado com estruturas e leis que servissem a seus interesses sem pensar no bem comum. Há um neopatrimonialismo na atual política que dá vantagens (concessões, meios de comunicação) a apaniguados políticos. Devemos dizer que o capitalismo aqui e no mundo é em sua lógica, corrupto, embora aceito socialmente. Ele simplesmente impõe a dominação do capital sobre o trabalho, criando riqueza com a exploração do trabalhador e com a devastação da natureza. Gera desigualdades sociais que, eticamente, são injustiças, o que origina permanentes conflitos de classe. Por isso, o capitalismo é, por natureza, antidemocrático, pois a democracia supõe uma igualdade básica dos cidadãos e direitos garantidos, aqui violados pela cultura capitalista. Se tomarmos tais valores como critérios, devemos dizer que nossa democracia é anêmica, beirando a farsa. Querendo ser representativa, na verdade, representa os interesses das elites dominantes e não os gerais da nação. Isso significa que não temos um Estado de direito consolidado e muito menos um Estado de bem-estar social. Esta situação configura uma corrupção já estruturada e faz com que ações corruptas campeiem livre e impunemente.
A cultural: A cultura dita regras socialmente reconhecidas. Roberto Pompeu de Toledo escreveu em 1994 na Revista Veja: “Hoje sabemos que a corrupção faz parte de nosso sistema de poder tanto quanto o arroz e o feijão de nossas refeições”. Os corruptos são vistos como espertos e não como criminosos que de fato são. Via de regra podemos dizer: quanto mais desigual e injusto é um Estado e ainda por cima centralizado e burocratizado como o nosso, mais se cria um caldo cultural que permite e tolera a corrupção. Especialmente nos portadores de poder se manifesta a tendência à corrupção. Bem dizia o católico Lord Acton (1843-1902): “o poder tem a tendência a se corromper e o absoluto poder corrompe absolutamente”. E acrescentava: “meu dogma é a geral maldade dos homens portadores de autoridade; são os que mais se corrompem”. Por que isso? Hobbes no seu Leviatã (1651) nos acena para uma resposta plausível: “assinalo, como tendência geral de todos os homens, um perpétuo e irrequieto desejo de poder e de mais poder que cessa apenas com a morte; a razão disso reside no fato de que não se pode garantir o poder senão buscando ainda mais poder”.
Lamentavelmente foi o que ocorreu com o PT. Levantou a bandeira da ética e das transformações sociais. Mas ao invés de se apoiar no poder da sociedade civil e dos movimentos e criar uma nova hegemonia, preferiu o caminho curto das alianças e dos acordos com o corrupto poder dominante. Garantiu a governabilidade a preço de mercantilizar as relações políticas e abandonar a bandeira da ética. Um sonho de gerações foi frustrado. Oxalá possa ainda ser resgatado. Como combater a corrupção? Pela transparência total, por uma democracia ativa que controla a aplicação dos dinheiros públicos, por uma justiça isenta e incorruptível, pelo aumento dos auditores confiáveis que atacam antecipadamente a corrupção. Como nos informa o World Economic Forum, a Dinamarca e a Holanda possuem 100 auditores por 100.000 habitantes; o Brasil apenas 12.800, quando precisaríamos pelo menos de 160.000. Mais que tudo, lutar por um outro tipo de democracia menos desigual e injusta que a persistir como está, será sempre corrupta, corruptível e corruptora.

Fonte: Fábio de Oliveira



sábado, 12 de maio de 2012

A TECNOLOGIA E FRANKENSTEIN


Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] O Iluminismo foi um movimento que mudou o mundo. O Marquês de Condorcet (1743-1794), na França, William Godwin (1756-1836) e Mary Wollstonecraft (1759-1997), na Inglaterra, foram pensadores iluministas que defendiam a justiça social e de gênero, o progresso econômico e consideravam que a racionalidade humana poderia resolver os principais desafios da sociedade. Eles acreditavam na “perfectibilidade humana” e na força da inteligência para resolver os problemas de pobreza, avançar com a ciência e a tecnologia, construir um mundo justo e pacifico e chegar a um estado de bem-estar e de felicidade para todos. Eles sonhavam com o aperfeiçoamento permanente da humanidade.
De fato, a ciência e a tecnologia possibilitaram grandes transformações sociais e econômicas nos últimos 220 anos. Mas se houve ganhos, também houve grandes danos. A depleção da natureza, a poluição das fábricas, o envenenamento por meio dos agrotóxicos e as mudanças climáticas são alguns dos resultados do “sucesso” civilizatório. Par quem demoniza a tecnologia, o Planeta pode caminhar para o colapso se os rumos atuais não forem alterados.
Mas cabe a pergunta: a tecnologia pode ser a salvação ou a danação do mundo?
Uma das primeiras pessoas a questionar a glorificação da ciência e da tecnologia por parte dos iluministas foi Mary Shelley, nada menos que a filha de William Godwin e Mary Wollstonecraft, considerada a primeira feminista moderna e que escreveu, em 1790, o livro A Vindication of the Rights of Woman (Uma Defesa dos Direitos da Mulher). Por ironia histórica, a feminista Mary Wollstonecraft morreu de morte materna após o parto da sua filha, em 1797. Mary Wollstonecraft Godwin se casou com o poeta romântico idealista inglês Percy Shelley (1792-1822), e passou a assinar o sobrenome do marido.
Mary Shelley tinha apenas 19 anos quando escreveu o livro: Frankenstein, o Prometeu Moderno, publicado em 1818. Parece que ela quis mostrar aos pais e ao marido que a tecnologia, ao invés de criar o “homem novo”, poderia criar um monstro. Assim como, na mitologia grega, onde Prometeu roubou o fogo (da sabedoria) dos Deuses para iluminar o caminho da humanidade, o Dr. Victor Frankenstein utilizou da ciência e da tecnologia para “brincar de Deus” e dar à luz uma criatura inteiramente nova.
No romance, o médico e químico Victor Frankenstein, depois de estudar galvanismo, desenvolve uma técnica secreta para imbuir corpos inanimados com vida. Ele sonhava produzir uma bela Criatura, mas produziu um ser com aparência de monstro. Victor renega a Criatura e foge na tentativa de esquecer sua criação. Isto deixa a Criatura confusa, com raiva e com sentimento de rejeição. Porém, a despeito do horror que provoca nas pessoas, a Criatura sobrevive e se educa sozinha e, depois de vários desencontros e várias tragédias, encontra-se novamente com Victor Frankenstein e exige que ele crie uma companheira, com as mesmas características, para que o novo casal pudesse viver longe da civilização. A princípio Victor concorda, mas depois se nega a fazer a Criatura feminina, com medo de estar dando início a uma nova “raça de monstros”. Neste ponto, Criador e Criatura já estão totalmente conflagrados e em guerra aberta, cada um tentando aniquilar a vida do outro.
Desta forma, a mensagem do livro Frankenstein é sobre os efeitos não antecipados da ciência e da tecnologia. A autora trata a tecnologia como uma força autônoma que, ao invés de gerar progresso e bem-estar, pode gerar aberração e monstruosidade, voltando-se contra o próprio criador e atuando em oposição aos interesses da sociedade. Em vez de ser uma solução, a tecnologia vira um problema. Portanto, Mary Shelley antecipou a crítica moderna e sugere que a tecnologia que gerou progresso, também gerou poluição das cidades, eliminou empregos, modificou a vida das pequenas comunidades, provocou acidentes (radiação atômica, vazamentos de petróleo, etc.), assoreou os rios, esvaziou aquíferos, desmatou florestas, acidificou os oceanos, aqueceu a atmosfera e provocou mudanças climáticas.
Alguns estudiosos consideram que o livro Frankenstein, o Prometeu moderno reproduz um discurso moralista, rousseauniano, conservador e que demonizou a ciência e a tecnologia. Outros consideram que Mary Shelley apenas alertou sobre os efeitos não antecipados da racionalidade e da criatividade humana. Neste segundo sentido, ela se antecipou a pensadores como Marx, que mostrou como o capitalismo utiliza a ciência e a tecnologia para seus objetivos de maximizar o lucro; a Max Weber que mostrou os efeitos da razão instrumental que ajusta os meios aos fins não valorativos; a Adorno e a Escola de Frankfurt que denunciaram o lado repressivo da razão; e a Foucault que mostrou o entrelaçamento entre saber e poder.
O debate continua aberto. Por exemplo, em relação ao aquecimento global, as novas tecnologias podem ter efeitos muito diferenciados. A industria do petróleo busca novas tecnologias para explorar o óleo em águas profundas e utilizar outras fontes de combustíveis como as tar sands (areias betuminosas) e o gás de xisto. Com isto adiam o fim do uso dos combustíveis fósseis e continuam a emitir gases de efeito estufa aumentando o aquecimento global.
Outros cientístas buscam técnicas de geoengenharia para capturar o CO2 (gás carbônico) e reduzir o efeito estufa. A intenção pode ser boa, mas apenas busca mitigar os efeitos das tecnologias exploradoras da energia fóssil não vai resolver o problema da emissão provocada pelos combustíveis que emitem CO2.
Porém, existem cientistas e empresas investindo em tecnologias para aperfeiçoar a produção de energia solar e eólica, que são fontes limpas e renováveis e que não provocam o efeito estufa. Se as energias renováveis chegarem a toda a população mundial de maneira democrática e não ficarem controladas por poucos grupos monopolistas, então o avanço científico e tecnológico nesta área vai representar um avanço para todos.
Portanto, a tecnologia pode ser uma solução ou um problema. Mas, com certeza, ela nunca será uma panacéia para resolver a voracidade e a doença egoístia da ganância humana.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate,Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate, 18/04/2012

sábado, 5 de maio de 2012

O PERIGO DO COLAPSO AMBIENTAL


Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Os ambientalistas estão alertando há anos sobre os perigos do colapso ambiental provocado pelo crescimento populacional e econômico. O atual padrão de produção e consumo da humanidade já é insustentável. A continuidade do crescimento só torna as coisas piores.

Mas o alerta mais recente não foi dado por ativistas radicais, mas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico – OCDE. O relatório “Previsões ambientais para 2050: as consequências da inação”, divulgado em meados de março de 2012, mostra que o mundo caminha para um colapso ambiental, caso não haja mudança de rota. Os custos da inação podem ser incalculáveis para as economias, o ser humano e a biodiversidade. Os dados são alarmantes sobre as tendências das mudanças climáticas, da degradação ambiental, da demanda por água e sobre os impactos da poluição na saúde humana.

Segundo o estudo a demanda mundial por energia deve crescer 80%, até 2050, sendo que 85% dessa energia deve continuar sendo ofertada por combustíveis fósseis. Desta forma, as emissões de CO2 vão aumentar 50%, incrementando o efeito estufa e podendo elevar o aquecimento global a uma temperatura entre 3°C e 6°C, números bem acima dos 2º C estimados como toleráveis pelo Painel de Mudanças Climáticas da ONU.

A poluição do ar agravará os problemas de saúde pública, se somando à falta de acesso ao saneamento básico. O número de mortes prematuras relacionadas a males causados pela poluição do ar deverá mais do que dobrar, especialmente em países como China e Índia (que são os que apresentam maior crescimento econômico). Atualmente, as doenças respiratórias associadas à poluição matam milhões de indivíduos por ano.

O crescimento da demanda por água potável irá se agravar e aumentar o stress já existente. A OCDE estima que a demanda deverá crescer 55%, especialmente para uso na indústria (+ 400%), usinas termelétricas (+140%) e uso domiciliar (+130%). O aumento na demanda deve elevar a escassez hídrica e aumentar os riscos de conflitos e guerra pela água.

As florestas, que são fundamentais para os ciclos hídricos, devem perder espaço até 2050, devendo haver um encolhimento de 13% da cobertura vegetal, com enorme perda da biodiversidade e a extinção de espécies vegetais e animais.

A OCDE considera que a solução para minimizar o colapso ambiental passa pela implementação da economia verde, para tornar mais sustentáveis a agricultura, a indústria e a matriz energética mundial. Porém, uma economia verde nos padrões predatórios do consumismo global não vai resolver o problema.

Para evitar o colapso será preciso soluções bem mais radicais. Todavia, pelo andar da carruagem, o caminho que a Rio + 20 está trilhando segue a mesma via que leva ao precipicio e nada indica que haverá uma mudança de rota para evitar o colapso ambiental.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate