segunda-feira, 30 de abril de 2012

CÓDIGO FLORESTAL

Autor: Leonardo Boff, filósofo e pensador

Lamento profundamente que a discussão do Código Florestal foi colocada preferentemente num contexto econômico, de produção de commodities e de mero crescimento econômico.

Isso mostra a cegueira que tomou conta da maioria dos parlamentares e também de setores importantes do Governo. Não tomam em devida conta as mudanças ocorridas no sistema-Terra e no sistema-Vida que levaram ao aquecimento global.

Este é apenas um nome que encobre práticas de devastação de florestas no mundo inteiro e no Brasil, envenenamento dos solos, poluição crescente da atmosfera, diminuição drástica da biodiversidade, aumento acelerado da desertificação e, o que é mais dramático, a escassez progressiva de água potável que atualmente já tem produzido 60 milhões de exilados.

Aquecimento global significa ainda a ocorrência cada vez mais frequente de eventos extremos, que estamos assistindo no mundo inteiro e mesmo em nosso país, com enchentes devastadoras de um lado, estiagens prolongadas de outro e vendavais nunca havidos no Sul do Brasil que produzem grandes prejuízos em casas e plantações destruídas.

A Terra pode viver sem nós e até melhor. Nós não podemos viver sem a Terra. Ela é nossa única Casa Comum e não temos outra.

A luta é pela vida, pelo futuro da humanidade e pela preservação da Mãe Terra. Vamos sim produzir, mas respeitando o alcance e o limite de cada ecossistema, os ciclos da natureza e cuidando dos bens e serviços que Mãe Terra gratuita e permanentemente nos dá.

E vamos sim salvar a vida, proteger a Terra e garantir um futuro comum, bom para todos os humanos e para a toda a comunidade de vida, para as plantas, para os animais, para os demais seres da criação.

A vida é chamada para a vida e não para a doença e para morte. Não permitiremos que um Código Florestal mal intencionado ponha em risco nosso futuro e o futuro de nossos filhos, filhas e netos. Queremos que eles nos abençoem por aquilo que tivermos feito de bom para a vida e para a Mãe Terra e não tenham motivos para nos amaldiçoar por aquilo que deixamos de fazer e podíamos ter feito e não fizemos.

O momento é de resistência, de denúncia e de exigências de transformações nesse Código que modificado honrará a vida e alegrará a grande, boa e generosa Mãe Terra.

Fonte: Fábio Oliveira

quinta-feira, 26 de abril de 2012

PLANETA VIVO E PLANETA MORTO


Autor: José Eustáquio Diniz Alves

Muita gente acha estranho quando se diz que a humanidade já está consumindo 1,5 planeta (um planeta e meio), sendo que, segundo a metodologia da pegada ecológica, o mundo deverá atingir - dependendo da continuidade do ritmo de loucuras do modelo atual – o consumo equivalente a 2 planetas entre 2030 e 2050

Mas como é possível consumir mais de um globo terrestre?

A resposta é simples: não existe apenas um planeta Terra, mas sim dois, um planeta vivo e um planeta morto. O planeta vivo está na superfície e o planeta morto está no subsolo.

O planeta morto é composto por material orgânico decomposto e que foi fossilizado em decorrência dos efeitos da pressão e da temperatura elevadas atuando durante milhões de anos junto ao processo de soterramento. A matéria orgânica é constituída por substâncias contendo carbono na sua estrutura molecular. A queima deste carbono transforma este material em combustíveis fósseis. O carvão mineral, o petróleo e o gás natural são os combustíveis fósseis mais utilizados, servindo para colocar em movimento as locomotivas, trens, carros, caminhões, navios, além de gerar eletricidade para toda a cadeia produtiva da economia (inclusive hospitais e escolas) e para o consumo particular das famílias.

Os combustíveis fósseis, além de serem finitos, provocam grande poluição (como a liberação de mercúrio que polui as águas) e são um dos principais responsáveis pelo efeito estufa que aquece a atmosfera da Terra e provoca mudanças climáticas. A utilização dos combustíveis fósseis possibilitou que a população humana e a economia apresentassem um crescimento sem precedêntes nos últimos 200 anos. A humanidade se espalhou por todo o planeta, destruindo biomas e comprometendo a qualidade das águas, ao mesmo tempo que vai reduzindo a capacidade de regeneração da Terra. Num processo de crescimento permanente da pegada ecológica, o ser humano ultrapassou as fronteiras planetárias.

Porém, cabe a pergunta: é possível consumir mais de um planeta?

Sim, no curto e médio prazo, da mesma forma como é possível uma pessoa gastar mais do que recebe. Tudo depende das condições herdadas. Suponha que uma pessoa herdou uma empresa LTDA que tenha um capital de R$ 10 milhões de reais e forneça uma receita líquida mensal de R$ 20 mil para o herdeiro proprietário. Mas suponha que este felizardo proprietário resolva gastar em média R$ 30 mil por mês. Provavelmente este esbanjador conseguirá viver nesta situação por 20 ou 30 anos. Todavia, irá certamente à falência depois de destruir o patrimônio herdado. Isto acontece com frequência e está explícito naquele velho provérbio: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”.

Jorginho Guinle é um “bom” exemplo (a ser evitado) de pessoa que passou toda a vida torrando os recursos herdados e prisioneiro de um consumismo fútil e exibicionista. Segundo a Wikipedia: “Jorge Guinle (1916-2004) foi um socialite, playboy e herdeiro milionário brasileiro. Viveu a época áurea do Rio de Janeiro entre a década de 1930 e 50, onde conheceu e acredita-se que tenha tido relações amorosas com diversas atrizes de Hollywood. Residiu no hotel Copacabana Palace (fundado por seu tio, Octávio Guinle) até a sua morte, gabando-se de nunca ter trabalhado na vida. Jorge se orgulhava de ter gasto a fortuna de quase cem milhões de reais que lhe foi deixada de herança”.

De certa forma, a humanidade está seguindo o princípio de Jorginho Guinle de viver dos recursos da herança (“trabalho morto” apropriado e acumulado, como ocorrido com os antigos Guinles) e gastar mais do que a mãe Terra oferece. A humanidade está vivendo da riqueza deixada e acumulada durante milhões de anos em forma de combustível fóssil. A economia e a renda per capita mundial cresce na medida em que essa herança é, literalmente, queimada.

Ou seja, a humanidade está consumindo e torrando o planeta morto e transformando a matéria orgânica fóssil em CO2 que fica acumulado na atmosfera (provocando o aquecimento global). Concomitantemente, o ser humano está também destruindo ou danificando seriamente as matas, os rios, os lagos e os oceanos. Ou seja, a humanidade está montando uma máquina de consumo que está queimando o planeta morto e destruindo o planeta vivo.

A falta de compromissos sérios por parte dos governos e das Conferências da ONU indica que este processo deve continuar até 2050.

Provavelmente, em meados do século XXI, os cerca de 9 billhões de habitantes do mundo estarão em situação semelhante àquela da senilidade de Jorginho Guinle (ou como o decadente idoso personagem central do romance Leite Derramado de Chico Buarque). Isto é, a humanidade vai estar com um passivo contábil muito grande, mas sem a contrapartida do ativo natural para sustentar o padrão de vida.

A continuidade deste processo vai tornar quase impossível a sobrevivência de todos os seres vivos depois que a humanidade queimar os restos do planeta morto e destruir o planeta vivo.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate, 11/04/2012



domingo, 22 de abril de 2012

POPULAÇÃO AUMENTA PRESSÃO SOBRE O PLANETA


Autor: Richard Ingham da AFP

   A crescente população representa um grande fator que contribui para aumentar a pressão sobre os recursos naturais do planeta, mas a questão é complexa e há poucas soluções, afirmaram cientistas reunidos na conferência intitulada ‘Planeta sob Pressão, celebrada em Londres, a poucos meses da Rio+20.

   Segundo os especialistas, reunidos durante quatro dias para discutir a saúde do planeta, as respostas têm seguido na direção de educar as mulheres de países pobres e ampliar seu acesso aos anticoncepcionais, mas também com vistas à reforma dos padrões de consumo nos países ricos.

   Os cientistas participantes apontaram o crescimento populacional como um grande responsável indireto pelo aquecimento global, pelo esgotamento de recursos, pela poluição e pela perda de biodiversidade.

   Mas também afirmaram que o tema desapareceu quase que completamente das discussões políticas, em parte devido a questões religiosas, mas também por causa das lembranças traumáticas de controles coercitivos da natalidade em países pobres nos anos 1970 que ninguém quer repetir.

   Para a professora Diana Liverman, da Universidade do Arizona, o vínculo entre crescimento populacional e danos ambientais emergiu em meados do século XX.

   “Os 50 anos entre 1950 e 2000 foram um período de mudanças dramáticas e sem precedentes na história humana”, afirmou.

   Neste tempo, a proporção de pessoas no planeta dobrou, de três para seis bilhões. Agora, está em sete bilhões e segundo algumas estimativas pode chegar a nove bilhões em 2050.

   A boa notícia é que a taxa de fertilidade – número de filhos por mulher – caiu pela metade, de 5 para 2, desde 1950 e diminuirá abaixo da taxa de reposição, de 2,1 por volta de 2025, afirmou Liverman.

   “Isto significa que há uma forte probabilidade de que o crescimento da população se estabilizará em torno dos nove bilhões e pode, na verdade, cair depois disso”, acrescentou Liverman.

   Outros especialistas alertaram que a estatística pura pode mascarar muitas complexidades.

   “A capacidade de suporte do mundo não é um número puro, mas depende de estilo de vida, tecnologia e assim por diante”, rebateu Lorde Martin Rees, da Royal Society, a academia britânica de ciências, que publicará no próximo mês um estudo sobre demografia e meio ambiente.

   Embora a população esteja se estabilizando ou diminuindo nos países ricos, estas ecomomias permanecem, de longe, as maiores fontes de danos ambientais, com emissões de gases-estufa per capita correspondentes ao dobro ou ao quádruplo daquelas dos países em desenvolvimento.

   O grande crescimento populacional acontecerá em países em desenvolvimento, especialmente na África subsaariana.

   Estes países têm pouca responsabilidade nas mudanças climáticas, mas são os mais afetados porque têm poucos recursos financeiros e condições de se adaptar.

   As estratégias para trabalhar com os fatores demográficos que contribuem para os danos ambientais seguem essencialmente em dois caminhos, afirmaram os especialistas.

   Um é o da mudança de padrões de consumo, de forma que os países ricos – e os gigantes emergentes ansiosos por reproduzir o estilo de vida dos primeiros – usem energia e recursos de forma mais sustentável.

   O outro é proteger os direitos das mulheres, seu acesso à educação, ao trabalho e à contracepção.

   “Se você tem desenvolvimento econômico e educa as mulheres e elas conseguem oportunidades no mercado de trabalho, elas tendem não só a reduzir o número de filhos, mas a retardar crucialmente o momento de tê-los”, explicou Sarah Harper, diretora do Instituto de Envelhecimento da População da Universidade de Oxford.

  “E se você atrasa o momento de começar a ter filhos, tende a ter famílias menores”, acrescentou.

   Tais mudanças podem ter um efeito “surpreendentemente rápido” na redução das taxas de natalidade, disse Stephen Tyler, que trabalha com um grupo denominado Rede de Cidades Asiáticas Resistentes às Mudanças Climáticas (ACCCRN, na sigla em inglês).

    No entanto, segundo os cientistas, mais de 200 milhões de mulheres de países em desenvolvimento ainda não conseguem atender às suas necessidades de planejamento familiar.

   Mas o financiamento para o acesso à contracepção caiu 30% entre 1995 e 2008, “como resultado da pressão legislativa de grupos religiosos nos EUA e em outros países”, afirmaram.

Fonte: EcoDebate, 28/03/2012



quinta-feira, 19 de abril de 2012

FELICIDADE

Autor: Frei Betto

     Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'

     Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. Comemorei: 'Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã... ' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super homens e super mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.

      Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?

     Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...

     A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.

     O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, autoestima, ausência de estresse.

     Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil, constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...

     Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald... Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático. ' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:... "Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser Feliz"!

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                      fabioxoliveira.blog.uol.com.br/









segunda-feira, 16 de abril de 2012

SALVAR O PLANETA?


Autor: Antonio de Faria Lopes

Não se preocupem em salvar o planeta, disse um economista num programa de televisão. A Terra tem mais de quatro bilhões de anos e continuará a existir, mesmo que acabemos com a vida. Não é a Terra que corre perigo. Nós é que caminhamos, cada dia mais rapidamente, para a nossa auto extinção.

Leonardo Boff escreveu (O Tempo de 02.03.12) um artigo sob o título auto explicativo: “A vida na Terra já se extinguiu cinco vezes e a sexta nos espreita”. Os que querem salvar a Terra são, portanto, bastante pretensiosos. Melhor será nos engajarmos numa luta pela nossa própria salvação, todos nós. As cinco anteriores extinções da vida aconteceram por causas ligadas ao próprio universo como quedas de meteoros ou convulsões climáticas, ensina Boff. Agora não. Somos nós, por uma opção suicida que a estamos construindo a cada dia. E num processo de aceleração que os mais conscientes não conseguem deter.

Nenhuma das metas de todos os Congressos Internacionais sobre o clima foi cumprida. Tudo não tem passado de enganação, de paliativos, de falsidades, de adiamentos, de embromação. O poder econômico global, comandado, principalmente, pela indústria do petróleo e pelos banqueiros, domina o poder político e impõe um paradigma consumista em que o lucro é o único objetivo.

Os sete bilhões de habitantes são massacrados dia e noite por um esquema de propaganda que nos faz cada vez mais individualistas e submetidos a falsas necessidades. O crescimento do lixo é assustador e a sua reciclagem é ainda incipiente. Belo Horizonte, por exemplo, somente recicla cerca de 3% das mais de duas mil toneladas diárias que produz.

O aumento da produção de automóveis faz mais próximo o “notável congestionamento” previsto por Ignácio de Loyola Brandão no livro “Não verás país nenhum”, de sua autoria. Um dia os carros param por falta de espaço e são abandonados pelos seus donos. A poluição dos rios e a morte das nascentes, tudo por ação nossa, acaba com a água e com a vida. Será que ainda existe razão para otimismo, algum motivo para esperança?

Algumas intenções, mais que ações, começam a aparecer. A consciência da realidade ainda é de uma ínfima minoria, e é recente. Mas começa a crescer. E pode crescer muito rapidamente através da internet e das redes sociais. Se até em países fechados e submetidos a ditaduras ferozes, como Egito e Líbia, o povo se mobilizou pela liberdade e saiu vencedor, há motivos para acreditar que pode haver mudanças.

No Brasil, desde agosto de 2010, existe a Lei Nacional de Resíduos sólidos que marca para o mês de agosto de 2014 o fim dos lixões em todos os municípios do país. Para esta lei “pegar” será necessário muito trabalho e pressão popular. O fim dos lixões significa mais possibilidade de reciclagem dos resíduos, incluindo e promovendo os catadores que vivem em condições precárias, além de transformar a reciclagem num empreendimento econômico importantíssimo para a preservação ambiental. É importante cobrar de prefeitos e vereadores o cumprimento da lei

Muitos ainda nem sabem que ela existe.



sexta-feira, 13 de abril de 2012

A AMAZÔNIA NÃO É NOSSA

Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] A Amazônia não é nossa e nem de ninguém. A Amazônia não pertence ao Brasil, nem à Bolívia, Peru, Colômbia ou Venezuela. Não pertence a país algum. A Amazônia não é um patrimônio da humanidade. Desde seu berço, ela nunca teve dono, pois nasceu e cresceu muito antes do surgimento do ser humano. A Amazônia pertence a ela mesmo.

A Amazônia deveria ser entendida como um “patrimônio” da natureza e não como um recurso a serviço da voracidade humana. A floresta existe desde o período Eoceno, há cerca de 55 milhões de anos, tendo se expandido e se contraido de acordo com as Eras Glaciais. Ao longo da sua existência a floresta tem sido a casa de inúmeras espécies de animais e plantas, que formavam um bioma vivo em constante evolução.

A bacia amazônica estende-se por uma área de cerca de 7 milhões de quilômetros quadrados (km2) na América do Sul e, em sua foz, alimenta o Oceano Atlântico com 20% de toda a água doce que chega nos mares do mundo. De sua área total, cerca de 4 milhões de km² encontram-se no Brasil. A bacia amazônica abriga a maior floresta tropical do Planeta, que é o lar de cerca de 2,5 milhões de espécies de insetos, dezenas de milhares de plantas e mais de duas mil espécies de aves, peixes e mamíferos. Muitas espécies são endêmicas (só encontradas na região). A floresta, na maior parte do tempo, absorve carbono, mitigando as consequências do aquecimento global.

Calcula-se que as primeiras pessoas chegaram na Amazônia há 12 mil anos. Não sendo natural da região, o ser humano tem sido considerado uma espécie invasora, por alguns autores. No século XVI, os Europeus difundiram o mito do Eldorado amazônico, o que provocou diversas expedições exploratórias na região. Mas a invasão em maior escala ocorreu aos poucos e só adquiriu um grau de ameaça nas últimas décadas.

No iníco do século XX a Amazônia foi invadida por seringueiros a busca da borracha para produzir pneus para a nascente industria automobilistica mundial, especialmente, dos Estados Unidos. Henry Ford chegou a construir uma cidade na Amazônia (Fordolândia, em 1927) para fornecer matéria-prima para suas linhas de montagem.

Tendo os rios como principal rota de locomoção, os veículos automotores começaram a chegar em maior quantidade na Amazônia com a rodovia Belém-Brasilia, inaugurada em 1960. Porém, foram nos governos militares, a partir de 1964, que a Amazônia virou prioridade para o desenvolvimento regional e para a ocupação dos “espaços vazios” em nome da segurança e da grandeza nacional.

Com o lema “Integrar para não entregar”, o discurso oficial do regime ditatorial promoveu um movimento de ampla ocupação da Amazônia a partir de grandes projetos de empresas mineradoras, madereiras e agropecuárias. Em 1965, o presidente Castelo Branco anunciou a Operação Amazônia e, em 1968, o regime criou a SUDAM (Superintendência para o Desenvolvimento da Amazônia) com autoridade para distribuir incentivos fiscais e créditos para o desenvolvimento. Uma das obras mais faraônicas foi a Rodovia Transamazônica (BR-230), projetada durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici e inaugurada em 1972 pretendia unir a cidade de Cabedelo, na Paraiba, a Benjamin Constant, no Amazonas, chegando até o Peru. No total a Transamazônica foi projetada para ser uma rodovia pavimentada com 8 mil quilômetros de comprimento, cortando a floresta e incentivando projetos de colonização, isto é, projetos de desmatamento e agressão ao meio ambiente.

Ou seja, usando a desculpa nacionalista e o discurso da Grande Pátria, os governos militares promoveram um vasto programa de destruição da floresta e de exploração dos recursos naturais, difundindo o lema: “A Amazônia é nossa”. O resultado só confirma a frase de Samuel Johnson: “O patriotismo é o último refúgio dos canalhas”.

Uma das iniciativas mais exdrúxulas foi a criação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Ao contrário dos países asiáticos que criaram Zonas Francas de exportação, o Brasil criou uma Zona de importação. Ou seja, o governo atrai multinacionais com insenção de impostos de importação, desconto parcial de ICMS e insenção temporária de IPTU, sem obrigação de transferência de tecnologia e investimentos em educação. Tudo isto para que as empresas internacionais, especialmente nas áras de televisão, informática e motocicletas, possam com suas montadoras (ou maquiladoras como dizem os mexicanos) promover o consumismo de produtos estrangeiros e competir em situação de vantagem contra as industrias localizadas no restante do país.

Depois de quase 50 anos da criação da ZFM, a cidade de Manaus ainda têm 50% dos domicílios sem esgotamento sanitário adequado. Porém, com o apoio do Governo Federal, inaugurou recentemente uma ponte de 3,6 km sobre o Rio Negro ligando a capital do Amazonas à cidade de Iranduba do outro lado do rio. Ao invés de aperfeiçoar a navegação fluvial e o transporte coletivo intermodal, o governo do Amazonas constrói uma ponte para aumentar a circulação de carros e ampliar a ocupação desenfreada e desorganizada da região metropolitana de Manaus. Porém, apesar de todos os problemas da Zona Franca e dos prejuízos causados ao restante do país, a presidente Dilma Roussef, atendendo às pressões políticas regionais, anunciou que a vigência da Zona será prorrogada por mais 50 anos.

Desta forma, a Amazônia continua sofrendo com projetos de mineração, extração de petróleo e gás, expansão da pecuária, desmatamento, fogo, exploração de madeira, tráfico de animais, redução da biodiversidade, poluição dos rios e construção de usinas hidrelétricas, como a tão criticada Belo Monte. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o desmatamento acumulado da Amazonia, entre 1988 e 2011, foi de 18% e para cada hectare inteiramente desmatado, outro sofre degradação irreversível.

Números do Sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, do INPE, mostram uma aceleração das agressões à floresta: em relação ao último bimestre de 2010, os focos de desmatamento ou degradação cresceram cerca de 60%, passando de 135 km2 para 218 km2 em 2011. Portanto, a destruição continua, mesmo no ano em que o Brasil sedia a Conferência do Meio Ambiente, a Rio + 20. A biopirataria e o tráfico de madeira de lei, plantas e animais silvestres continua mesmo em áreas de proteção ambiental ou reservas indígenas.

No atual ritmo de destruição da Amazônia, a floresta e a rica biodiversidade terão se reduzido drasticamente no prazo de poucas décadas. Não será novidade para o Brasil, pois isto já aconteceu com a Mata Atlântica que atualmente possui apenas 7% da sua cobertura original e o Cerrado onde restam menos de 50%. O aquecimento global será um fator adicional de transformação negativa da Amazônia. Ou seja, a maior floresta tropical do mundo poderá ser transformada em um novo bioma composto por savanas, algumas castanheiras e a monocultura de pastos dominados pela pecuária junto a algumas plantações de soja.

Se as tendências atuais continuarem, a Amazônia, tal como conhecemos, não será nossa e nem de ninguém. Será apenas uma lembrança de uma maravilha da natureza que existiu por mais de 55 milhões de anos e foi destruída, em pouco tempo, por uma espécie invasora.

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate



quarta-feira, 11 de abril de 2012

RUMO À REFORMA AGRÁRIA

Autor:  Frei Betto

Caiu mais um ministro, o do Desenvolvimento Agrário. Nomeado o novo: Pepe Vargas (PT-RS), que foi prefeito de Caxias do Sul por dois mandatos e mantém boas relações com o MST.

A esperança é que a presidente Dilma Rousseff tenha dado o primeiro de três passos urgentes para o Brasil não ficar mal na foto do “concerto das nações”, como diria o Conselheiro Acácio. Os outros dois são o veto ao Código Florestal proposto pelo Senado e uma nova política ambiental e fundiária que prepare bem o país para acolher, em junho, a Rio+20.

A questão fundiária no Brasil é a nódoa maior da nação. Nunca tivemos reforma agrária. Ou melhor, uma única, cujo modelo o latifúndio insiste em preservar: quando a Coroa portuguesa dividiu nossas terras em capitanias hereditárias.

Desde 2008, o Brasil ultrapassou os EUA ao se tornar o campeão mundial de consumo de agrotóxicos. E, segundo a ONU, vem para o Brasil a maioria dos agrotóxicos proibidos em outros países. Aqui são utilizados para incrementar a produção de commodities.

Basta dizer que 50% desses “defensivos agrícolas” são aplicados na lavoura de soja, cuja produção é exportada como ração animal. E o mais grave: desde 1997 o governo concede desconto de 60% no ICMS dos agrotóxicos. E o SUS que aguente os efeitos... nos trabalhadores do campo e em todos nós que consumimos produtos envenenados.

Os agrotóxicos não apenas contaminam os alimentos. Também degradam o solo e prejudicam a biodiversidade. Afetam a qualidade do ar, da água e da terra. E tudo isso graças ao sinal verde dado por três ministérios, nos quais são analisados antes de chegarem ao mercado: Saúde, Meio Ambiente e Agricultura.

É uma falácia afirmar que os agrotóxicos contribuem para a segurança alimentar. O aumento do uso deles em nada fez decrescer a fome no mundo, como indicam as estatísticas.

A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tenta manter o controle sobre a qualidade dos agrotóxicos e seus efeitos. Mas, quando são vetados, nem sempre consegue vencer as pressões da bancada ruralista sobre outros órgãos do governo e, especialmente, sobre o Judiciário.

A Cúpula Mundial do Meio Ambiente na África do Sul, em 2002, emitiu um documento em que afirma que a produção mundial de alimentos aumentou em volume e preço (devido ao uso de agrotóxicos e sementes transgênicas). À custa de devastação dos solos, contaminação e desperdício da água, destruição da biodiversidade, invasão de áreas ocupadas por comunidades tradicionais (indígenas, clãs, pequenos agricultores etc.). Fica patente, pois, que a chamada “revolução verde” fracassou.

Hoje, somos 7 bilhões de bocas no planeta. Em 2050, seremos 9 bilhões. Se medidas urgentes não forem tomadas, há de se agravar a sustentabilidade da produção agrícola.

Diante desse sinal amarelo, o documento recomenda: reduzir a degradação da terra; melhorar a conservação, alocação e manejo da água; proteger a biodiversidade; promover o uso sustentável das florestas; e ampliar as informações sobre os impactos das mudanças climáticas.

Quanto aos primeiro e terceiro itens, sobretudo, o Brasil marcha na contramão: cada vez mais se ampliam as áreas de produção extensiva para monocultivo, destruindo a biodiversidade, o que favorece a multiplicação de pragas. Como as pragas não encontram predadores naturais, o recurso é envenenar o solo e a água com agrotóxicos. E com frequência isso não dá resultado. No Ceará, uma grande plantação de abacaxi fracassou, malgrado o uso de 18 diferentes “defensivos agrícolas”.

Tomara que o ministro Pepe Vargas consiga estabelecer uma articulação interministerial para livrar o Brasil da condição de “casa da mãe Joana” das multinacionais da insustentabilidade e da degradação do nosso patrimônio ambiental. E acelere o assentamento das famílias sem-terra acampadas à beira de rodovias, bem como a expropriação, para efeito social, de terras ociosas e também daquelas que utilizam mão de obra escrava.

Governo é, por natureza, expressão da vontade popular. E a ela deve servir. O que significa manter interlocução permanente com os movimentos sociais interessados nas questões ambiental e fundiária, irmãs siamesas que não podem ser jamais separadas.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                      fabioxoliveira.blog.uol.com.br/



sexta-feira, 6 de abril de 2012

ESTE MUNDO DA INJUSTIÇA GLOBALIZADA


Autor: José Saramago

Começarei por vos contar em brevíssimas palavras um facto notável da vida camponesa ocorrido numa aldeia dos arredores de Florença há mais de quatrocentos anos. Permito-me pedir toda a vossa atenção para este importante acontecimento histórico porque, ao contrário do que é corrente, a lição moral extraível do episódio não terá de esperar o fim do relato, saltar-vos-á ao rosto não tarda.

Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregue cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI) os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza, porém aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram portanto as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mesteres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais, finalmente calou-se. Instantes depois a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este o homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. "O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino", foi a resposta do camponês. "Mas então não morreu ninguém?", tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: "Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta."

Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à protecção da justiça. Tudo sem resultado, a expoliação continuou.

Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre da aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exacto e rigoroso sinónimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo. Uma justiça exercida pelos tribunais, sem dúvida, sempre que a isso os determinasse a lei, mas também, e sobretudo, uma justiça que fosse a emanação espontânea da própria sociedade em acção, uma justiça em que se manifestasse, como um iniludível imperativo moral, o respeito pelo direito a ser que a cada ser humano assiste.

Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que o seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia. Outros e diferentes são os sinos que hoje defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecer-nos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objectivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de resistência e acção social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protectora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações.

Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aquelas trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença. E também tenho dito que a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tal qual se encontra redigida, e sem necessidade de lhe alterar sequer uma vírgula, poderia substituir com vantagem, no que respeita a rectidão de princípios e clareza de objectivos, os programas de todos os partidos políticos do orbe, nomeadamente os da denominada esquerda, anquilosados em fórmulas caducas, alheios ou impotentes para enfrentar as realidades brutais do mundo actual, fechando os olhos às já evidentes e temíveis ameaças que o futuro está a preparar contra aquela dignidade racional e sensível que imaginávamos ser a suprema aspiração dos seres humanos. Acrescentarei que as mesmas razões que me levam a referir-me nestes termos aos partidos políticos em geral, as aplico por igual aos sindicatos locais, e, em consequência, ao movimento sindical internacional no seu conjunto. De um modo consciente ou inconsciente, o dócil e burocratizado sindicalismo que hoje nos resta é, em grande parte, responsável pelo adormecimento social decorrente do processo de globalização económica em curso. Não me alegra dizê-lo, mas não poderia calá-lo. E, ainda, se me autorizam a acrescentar algo da minha lavra particular às fábulas de La Fontaine, então direi que, se não interviermos a tempo, isto é, já, o rato dos direitos humanos acabará por ser implacavelmente devorado pelo gato da globalização económica.

E a democracia, esse milenário invento de uns atenienses ingénuos para quem ela significaria, nas circunstâncias sociais e políticas específicas do tempo, e segundo a expressão consagrada, um governo do povo, pelo povo e para o povo? Ouço muitas vezes argumentar a pessoas sinceras, de boa fé comprovada, e a outras que essa aparência de benignidade têm interesse em simular, que, sendo embora uma evidência indesmentível o estado de catástrofe em que se encontra a maior parte do planeta, será precisamente no quadro de um sistema democrático geral que mais probabilidades teremos de chegar à consecução plena ou ao menos satisfatória dos direitos humanos. Nada mais certo, sob condição de que fosse efectivamente democrático o sistema de governo e de gestão da sociedade a que actualmente vimos chamando democracia. E não o é.

É verdade que podemos votar, é verdade que podemos, por delegação da partícula de soberania que se nos reconhece como cidadãos eleitores e normalmente por via partidária, escolher os nossos representantes no parlamento, é verdade, enfim, que da relevância numérica de tais representações e das combinações políticas que a necessidade de uma maioria vier a impor sempre resultará um governo.

Tudo isto é verdade, mas é igualmente verdade que a possibilidade de acção democrática começa e acaba aí. O eleitor poderá tirar do poder um governo que não lhe agrade e pôr outro no seu lugar, mas o seu voto não teve, não tem, nem nunca terá qualquer efeito visível sobre a única e real força que governa o mundo, e portanto o seu país e a sua pessoa: refiro-me, obviamente, ao poder económico, em particular à parte dele, sempre em aumento, gerida pelas empresas multinacionais de acordo com estratégias de domínio que nada têm que ver com aquele bem comum a que, por definição, a democracia aspira. Todos sabemos que é assim, e contudo, por uma espécie de automatismo verbal e mental que não nos deixa ver a nudez crua dos factos, continuamos a falar de democracia como se se tratasse de algo vivo e actuante, quando dela pouco mais nos resta que um conjunto de formas ritualizadas, os inócuos passes e os gestos de uma espécie de missa laica.

E não nos apercebemos, como se para isso não bastasse ter olhos, de que os nossos governos, esses que para o bem ou para o mal elegemos e de que somos portanto os primeiros responsáveis, se vão tornando cada vez mais em meros "comissários políticos" do poder económico, com a objectiva missão de produzirem as leis que a esse poder convierem, para depois, envolvidas no açúcares da publicidade oficial e particular interessada, serem introduzidas no mercado social sem suscitar demasiados protestos, salvo os certas conhecidas minorias eternamente descontentes...

Que fazer? Da literatura à ecologia, da fuga das galáxias ao efeito de estufa, do tratamento do lixo às congestões do tráfego, tudo se discute neste nosso mundo. Mas o sistema democrático, como se de um dado definitivamente adquirido se tratasse, intocável por natureza até à consumação dos séculos, esse não se discute. Ora, se não estou em erro, se não sou incapaz de somar dois e dois, então, entre tantas outras discussões necessárias ou indispensáveis, é urgente, antes que se nos torne demasiado tarde, promover um debate mundial sobre a democracia e as causas da sua decadência, sobre a intervenção dos cidadãos na vida política e social, sobre as relações entre os Estados e o poder económico e financeiro mundial, sobre aquilo que afirma e aquilo que nega a democracia, sobre o direito à felicidade e a uma existência digna, sobre as misérias e as esperanças da humanidade, ou, falando com menos retórica, dos simples seres humanos que a compõem, um por um e todos juntos. Não há pior engano do que o daquele que a si mesmo se engana. E assim é que estamos vivendo.

Não tenho mais que dizer. Ou sim, apenas uma palavra para pedir um instante de silêncio. O camponês de Florença acaba de subir uma vez mais à torre da igreja, o sino vai tocar. Ouçamo-lo, por favor.

Fonte: Ministério da Educação

terça-feira, 3 de abril de 2012

MENTIRA DO CRIME ORÇANIZADO

Autor: Cesar Boschetti

Nas últimas duas décadas, a violência e a criminalidade atingiram níveis assustadores, principalmente nos países em desenvolvimento como o Brasil. As drogas impregnaram de tal modo a sociedade que é raro encontrarmos uma pessoa que não tenha ou teve vítimas na família ou em meio a conhecidos. Diariamente, nos grandes centros urbanos, vidas e vidas são ceifadas, ora do lado daqueles que fizeram da droga um empreendimento, ora do lado do consumidor incauto ou qualquer outro cidadão desavisado.

É claro que, para a mídia, apenas em situações especiais o fato adquire importância e merece destaque, demonstrando mais uma vez que a vida humana é uma mercadoria como outra qualquer e cotada segundo as regras do Livre Mercado. Nessa hora, coincidentemente, as autoridades demonstram um grande empenho no combate ao Crime Organizado, aliás, uma Organização bastante lucrativa no atual Sistema Econômico. A coisa toda é tão bem encenada que até parece verdade.

Infelizmente não é. A realidade é muito pior. Essa desculpa de crime organizado é esfarrapada. Trata-se de uma estratégia grotesca para dissimular o verdadeiro Culpado.

O verdadeiro criminoso não é aquele que puxa o gatilho ou vende a droga. O verdadeiro criminoso está na hipocrisia de uma sociedade podre e corrompida. Está no comando de Estados fracos e subservientes aos interesses menores. O verdadeiro criminoso está no consumismo desvairado e irracional preconizado pelos agentes midiáticos do Sistema. O verdadeiro culpado está na banalização da violência e no engessamento intelectual das Massas. Está na Libertinagem Econômica do Mercado que assegura aos poderosos o direito de ditarem a “Lei”, a “Ética” e a “Democracia” que lhes convém. O verdadeiro culpado é o Crime Oficial de um Sistema que Globalizou a miséria, a hipocrisia e mercantilizou o homem. Um Sistema que, sob a retórica da livre competição, esconde a mais sórdida de todas as mentiras.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                      fabioxoliveira.blog.uol.com.br/