quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

POPULAÇÃO HUMANA E SEUS ANIMAIS DOMESTICADOS

Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] O ser humano começou a dominar a agricultura e a domesticar os animais durante a chamada “revolução neolítica”, há cerca de 10 mil anos. Com o acesso regular aos grãos e às carnes, houve uma melhora na alimentação, o que possibilitou que o aumento demográfico se mantivesse lento, mas crescente ao longo dos séculos. Calcula-se que no ano 1 da Era Cristã a população mundial estivesse em 250 milhões de habitantes, passando para 500 milhões por volta do ano 1500, um bilhão por volta do ano 1800 e sete bilhões de habitantes em 2011.

De revolução em revolução, o homo sapiens se espalhou por todos os cantos do Planeta e se tornou uma espécie onipresente e quase onipotente. Mas existem pessoas que consideram que o ser humano é muito “espaçoso” e não se importa com a biodiversidade e a sobrevivência de outras espécies. Inúmeras pesquisadores consideram grave o fato de o ser humano já ter uma pegada ecológica maior do que a Terra pode sustentar.

Outros, como a revista National Geographic, acham que, colocados lado a lado, os sete bilhões de habitantes do mundo cabem dentro dos limites de uma cidade grande, como a região metropolitana de São Paulo.

Porém, as pessoas não vivem em pé, lado a lado, e precisam de casas para morar, escolas para estudar, hospitais para se tratar, áreas de lazer, etc. Principalmente, precisam de terras para cultivar grãos, legumes, hortaliças e espalhar os rebanhos que são fontes ricas e fartas de proteína. Desta forma, a ação humana vai muito além dos seus limites físicos. Para medir o impacto ecológico da humanidade é preciso levar em consideração o conjunto das atividades antrópicas.

Vejamos apenas o número dos principais rebanhos terrestres a serviço dos interesses dos sete bilhões de humanos. Segundo dados de 2009 da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) existiam no mundo 19 bilhões de galinhas, 1,4 bilhão de bovinos, 1 bilhão de porcos, 1 bilhão de ovelhas e um número considerável de cabritos, búfalos, coelhos, capivaras, javalis, avestruzes, gansos, perus, patos, etc. Sem contar outros animais domesticados (humanificados) como cavalos, camelos, gatos, cachorros, etc.

A China tinha 4,7 bilhões de galinhas (3,6 por habitante), 451 milhões de porcos, 128 milhões de ovelhas e 80 milhões de vacas e bois. Assim, em 2009, a China era proprietária dos maiores rebanhos suíno, ovino e avícolo. O Brasil, com o maior rebanho bovino do mundo, tinha 210 milhões de vacas e bois (o Brasil tem mais gado do que gente). Tinha também 1,2 bilhão de galinhas (6,5 por habitante), 40 milhões de porcos e 16 milhões de ovelhas. Os Estados Unidos tinham 2 bilhões de galinhas (6,8 por habitante), 100 milhões de vacas e bois, 65 milhões de porcos e 6 milhões de ovelhas. A Índia também possui consideráveis rebanhos bovino, suíno, ovino e forte avicultura.

Não é preciso muito esforço para imaginar o quanto de terra, água e ar é preciso para alimentar todo estes rebanhos que servem para saciar a fome e até a gula dos seres humanos. O gado bovino, por exemplo, tem um impacto ecológico enorme. Além da grande quantidade de terras necessárias para as pastagens (muitas delas obtidas por meio de desmatamento de florestas, cerrados e savanas), calcula-se que na produção de um quilo de carne bovina são gastos 15 mil litros de água, conforme estimativa do pesquisador John Anthony Allan, que usa a metodologia da chamada “água virtual”, considerando todas as etapas da cadeia produtiva.

Além disto, o boi e a vaca são animais ruminantes, cujo processo digestivo provoca uma fermentação que faz o animal liberar muito gás metano. O metano é o segundo gás que mais contribui para o efeito estufa, sendo 21 vezes mais poluente do que o gás carbônico (CO2). Cada animal bovino adulto libera cerca de 56 quilos de metano por ano. Portanto, os 1,4 bilhão de bois e vacas do mundo liberam algo em torno de 78 milhões de toneladas de metano por ano, o que é uma contribuição significativa para o aquecimento global.

O impacto ecológico de todos os animais domesticados para uso alimentar (galinhas, vacas e bois, ovelhas, porcos, búfalos, patos, etc) ou para lazer e outros desfrutes (cavalos, cachorros, gatos, etc.) é enorme. Por exemplo, o desmate das franjas da floresta amazônica não está sendo feito tanto pela ocupação propriamente humana, mas sim para a venda de madeiras, a propriedade do solo e a criação de áreas de pastagens para o gado. A densidade demográfica da Amazônia legal é baixa, mas as áreas devastadas, a ferro e fogo, são enormes. Segundo o jornalista Leão Serva (FSP, 20/12/2011), 35% da floresta amazônica foi desmatada ou degradada nos últimos 23 anos.

A cada dia fica mais claro que a continuidade do crescimento da população e de seus rebanhos é uma séria ameaça ao meio ambiente e à biodiversidade. Além disto, o consumo excessivo de carnes provoca a obesidade e diversos problemas de saúde. Atualmente, em várias regiões do mundo, a obesidade mata mais do que a fome.

Assim, para minorar o impacto ambiental e melhorar a saúde individual existem campanhas para a diminuição do consumo de carne, tais como: “Um dia sem carne: o planeta agradece!” (Meatless Day). Nestas campanhas se considera que a alimentação sem produtos de origem animal aumenta a disposição e diminui os estragos no planeta, pois ajuda a) evitar câncer; b) perder peso; c) baixar o colesterol.

Além das campanhas de um dia sem carne existe a dieta vegetariana que propõe diminuir ao máximo o uso de carnes e até mesmo evitar qualquer alimento de origem animal. As dietas vegetarianas buscam substituir as proteínas animais por alimentos ricos em carboidratos, fibras dietéticas, magnésio, potássio, etc. Uma alimentação vegetariana adequada pode ser capaz de atender às necessidades nutricionais do organismo, na medida em que se garanta a adequada combinação dos alimentos.

Porém, o vegetarianismo é muito mais do que uma preocupação com o aquecimento global. Antes de tudo é uma filosofia que remonta à antiguidade e se baseia na concepção de respeito aos animais e na negação da suposta superioridade humana. O vegetarianismo filosófico defende a vida animal e condena o consumo de carne por motivos morais e por solidariedade entre as espécies. Entre grandes personalidades vegetarianas da história se destacam Buda, Plutarco, Ovídio, Leonardo da Vinci, Tolstoi, Mahatma Gandhi, etc.

Nesta mesma linha, o Veganismo é uma filosofia de vida motivada por princípios filosóficos e éticos, tendo como base os direitos inalienáveis de todos os animais. Os veganos defendem o boicote a qualquer produto de origem animal ou de produtos que tenham sido testados em animais, incluindo o não uso de vestuário proveniente de animais (como couro e peles); cosméticos, produtos de limpeza, alimentos, os esportes como corridas de cachorros, touradas e até os animais usados em circos. O vegano é contra o antropocentrismo e considera que os animais possuem existência própria e não foram feitos para a alimentação ou o desfrute humano. Os animais devem ser sujeitos de direitos, assim com existem os direitos humanos. Os veganos consideram o especismo uma forma de discriminação e também combatem o uso de animais em experiências de laboratórios.

Por tudo isto, pode-se até concordar que ao longo da história a domesticação dos animais tenha provocado uma revolução na economia e na alimentação humana. Porém, se a humanidade, no passado, soube tirar proveito da natureza e dos animais, ganhando densidade, volume e espaços em todos os cantos do mundo, isto se deveu muito mais ao egoísmo e ao desfrute da biodiversidade para interesse próprio, do que do uso da sabedoria, da inteligência e dos princípios ambientais éticos e morais. O ser humano se domesticou domesticando animais. A radicalização desta trajetória leva à substituição de uma possível sinergia pela entropia.

É cada vez maior a percepção de que o domínio humano sobre a natureza e sobre as outras espécies está seguindo uma rota rumo ao precipício. A visão utilitarista do uso indiscriminado do meio ambiente e dos demais seres vivos para satisfazer o apetite e consumo próprio pode levar a espécie humana ao suicídio e, pior ainda, ao biocídio, pois o ser humano esta se tornando o “predador de outras espécies”.

A ideia de que o ser humano é a espécie mais avançada do mundo, e até mesmo do universo, se desnuda, a cada dia, parecendo mais uma simples manifestação de arrogância. Isto é o que se chama de especismo, que é a discriminação de uma espécie sobre outras, ocorrendo, em geral, quando os seres racionais se consideram superiores aos seres sencientes não racionais.

Para estar no ápice da evolução, uma espécie precisa, antes de tudo, saber respeitar a sua casa (Gaia, Pachamama, etc.) e seus vizinhos (biodiversidade). Por meio da dominação e da exploração e sem uma convivência respeitosa entre todos os seres vivos, o que cresce são os riscos de que a diversidade da vida sucumba em um futuro cada vez menos distante.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate, 04/01/2012

domingo, 22 de janeiro de 2012

A GRANDE PERVERSÃO

Autor: Leonardo Boff, Teólogo e Filósofo

Para resolver a crise econômico-financeira da Grécia e da Itália foi constituído, por exigência do Banco Central Europeu, um governo só de técnicos sem a presença de qualquer político. Partiu-se da ilusão de que se trata de um problema econômico que deve ser resolvido economicamente. Quem só entende de economia acaba não entendendo sequer a economia. A crise não é de economia mal gerida, mas de ética e de humanidade. Estas têm a ver com a política. Por isso a primeira lição de um marxismo raso é entender que a economia não é parte da matemática e da estatística, mas um capítulo da política. Grande parte da obra de Marx é dedicada à desmontagem da economia política do capital. Quando na Inglaterra ocorreu uma crise semelhante à atual e se criou um governo de técnicos Marx fez com ironia e deboche duras criticas pois previa um total fracasso como efetivamente ocorreu. Não se pode usar o veneno que criou a crise como remédio para curar a crise.

Chamaram para chefiar os respectivos governos da Grécia e da Itália gente que pertencia aos altos escalões dos bancos. Foram os bancos e as bolsas que provocaram a presente crise que quase afundou todo o sistema econômico. Esses senhores são como talibãs fundamentalistas: acreditam de boa fé nos dogmas do mercado livre e no jogo das bolsas. Em que lugar do universo se proclama o ideal do greed is good, em português, a cobiça é coisa boa? Como fazer de um vício (e digamos logo, de um pecado) uma virtude? Estes estão sentados em Wall Street de Nova York e na City de Londres. Não são raposas que guardam as galinhas, mas as devoram. Com suas manipulações transferiram grande fortunas para poucas mãos. E quando estourou a crise foram socorridos com bilhões de dólares tirados dos trabalhadores e dos pensionistas. Barack Obama se mostrou fraco, inclinando-se mais a eles que à sociedade civil. Com os dinheiros recebidos continuaram a farra já que a prometida regulação dos mercados ficou letra morta. Milhões de pessoas vivem no desemprego e na precarização, especialmente jovens que estão enchendo as praças, indignados, contra a cobiça, a desigualdade social e a crueldade do capital.

Gente que tem a cabeça formada pelo catecismo do pensamento único neoliberal vai tirar a Grécia e a Itália do atoleiro? O que está ocorrendo é a sacrificação de toda uma sociedade no altar dos bancos e do sistema financeiro.

Já que a maioria dos economistas dos stablisment não pensam (nem precisam) vamos tentar entender a crise à luz de dois pensadores que no mesmo ano, 1944, nos EUA nos deram uma chave esclarecedora. O primeiro foi um filósofo e economista húngaro-canadense Karl Polanyi com sua clássica obra A Grande Transformação. Em que consiste? Consiste na ditadura da economia. Após a Segunda Guerra Mundial que ajudou a superar a grande Depressão de 1929, o capitalismo deu um golpe de mestre: anulou a política, mandou ao exílio a ética e impôs a ditadura da economia. A partir de agora não teremos como sempre houve uma sociedade com mercado mas uma sociedade somente de mercado. O econômico estrutura tudo e faz de tudo mercadoria sob a regência de uma cruel concorrência e de uma deslavada ganância. Esta transformação dilacerou os laços sociais e aprofundou o fosso entre ricos e pobres dentro de cada país e no nível internacional.

O outro nome é de um filósofo da escola de Frankfurt, exilado nos EUA, Max Horkheimer que escreveu a Eclipse da razão (por português de 1976). Aí se dão as razões para a Grande Transformação de Polanyi que consistem fundamentalmente nisso: a razão já não se orienta mais pela busca da verdade e pelo sentido das coisas, mas foi seqüestrada pelo processo produtivo e rebaixada a uma função instrumental “transformada num simples mecanismo enfadonho de registrar fatos” Lamenta que “justiça, igualdade, felicidade, tolerância, por séculos julgadas inerentes à razão, perderam as suas raízes intelectuais”. Quando a sociedade eclipsa a razão, fica cega, perde o sentido de estar juntos e se vê atolada no pântano dos interesses individuais ou corporativos. É o que temos visto na atual crise. Os prêmios Nobel de economia, mas humanistas, Paul Krugman e Joseph Stiglitz repetidamente escreveram que os players de Wall Street deveriam estar da cadeia como ladrões e bandidos.

Agora na Grécia e na Itália a Grande Transformação ganhou outro nome: se chama a Grande Perversão.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

É PRECISO CONSTRUIR E UTILIZAR OUTROS TIPOS DE MÍDIA

Autor: Dihelson Mendonça, músico e produtor musical

A Mídia não está interessada em Ética, Arte ou Cultura - Apenas Dinheiro! Por isso é preciso construir e utilizar outros tipos de mídia.

Foi-se o tempo em que o rádio e a televisão eram considerados guardiães da moralidade, em programas informativos que serviam como veículos para a propagação dos grandes valores que moldaram a nossa civilização. Mesmo fora do quadro televisivo, ainda existia postura no meio jornalístico em tentar preservar a honra, a educação, os costumes, a tradição, as artes e a cultura do povo Brasileiro. Isso funcionou até meados da década de setenta, talvez por ainda naquela época, vivermos num período de regulação dos meios de comunicação pela chamada "ditadura militar", que de qualquer forma, ainda tinha certo apreço ao velho lema da Tradição, Família e Propriedade. Isso foi algo bom, porque o público podia desfrutar de um padrão de qualidade e uma postura educativa da mídia.

A realidade hoje é algo bastante diferente. Embora não se restrinja apenas à mídia brasileira, o que tem acontecido nos últimos anos no Brasil em termos de massificação, causa espanto aos maiores observadores e críticos da sociedade de consumo.

Ao abrir o facebook nesta manhã, deparei-me com uma mensagem de um grande músico, instrumentista, da cidade de Fortaleza-CE, a reclamar que no seu programa de Ano Novo, a Rede Globo de Televisão, iria trazer como representante máximo da música produzida no Ceará, a banda "Aviões do Forró". Reclamava da grande discriminação que a mídia tem feito aos artistas de qualidade e da boa música como um todo.

Embora este instrumentista esteja coberto de razão, esquece-se que hoje em dia a grande mídia não está interessada em promover Arte e Cultura. Muito menos Ética, valores morais, etc. ... A mídia está interessada simplesmente em ganhar dinheiro, faturar alto, nem que para isso, os diretores de TV e proprietários de emissoras de rádio precisem enforcar a própria mãe. A mídia se comporta como uma espécie de prostituta, onde quem paga mais, tem vez. Isso vale também para as posturas políticas, para a Música e para todas as outras atividades humanas.

A verdade é que não se pode mais usar qualquer informação divulgada pela imprensa como princípio de verdade. Tudo virou publicidade. Tudo pode ser vendido e é vendido. Nada aparece na TV por acaso. A mídia que aí está pertence aos grandes cartéis, aos magnatas das cercanias do poder. Quase todos os canais de TV e rádio do Brasil pertencem a alguma agremiação política, distribuídos cautelosamente pelos congressistas para os seus padrinhos, que lhes dão todo o suporte necessário a fim de que possam se perpetuar no poder.

No lado artístico, não se pode obter também, qualquer juízo de valor pelo que aparece na televisão brasileira e no rádio. Tudo virou um imenso mercado, onde inescrupulosos e ávidos proprietários de bandas de forró eletrônico, Funkeiros de rua, Axé Music e todo tipo de lixo cultural de fácil assimilação, empurrem goela abaixo de um povo massificado e moldado desde a infância em valores falsos.

O que se pode esperar de uma sociedade onde milhões zumbis seguem fielmente a cartilha dos cartolas da TV brasileira, a última dança de rua da Bahia, ou a última fofoca acontecida nos bastidores do BBB (Big Brother Brasil)? O que se pode esperar de um povo que permitiu que seus governantes relegassem a educação geral do indivíduo ao último plano?

Saiu na imprensa (E isso também é de se duvidar), que o Brasil teria ultrapassado o Reino Unido, tornando-se a sexta economia do planeta. Seria mais proveitoso se não ocupássemos a 73ª posição no IDH ( Índice de desenvolvimento humano ), atrás do Gabão (com IDHAD de 0,543), Sri Lanka (0,691) e Uzbequistão (0,549) e superássemos o Reino Unido em Educação, Saúde, Segurança e Incentivo às Artes.

Vivemos num país onde a verdadeira arte e cultura tem pouquíssimos espaços na mídia, por isso mesmo é necessário que aqueles que as produzem, comecem a repensar a estratégia, construindo e utilizando cada vez mais as mídias alternativas como a própria internet, como uma forma de interagir e de formar platéia, já que é impossível a democratização dos meios de comunicação no país, pois como se sabe, que quem tem o poder, não irá abrir mão.

Os Artistas e as pessoas que ainda possuem algum entendimento acima dessa balbúrdia desordenada que chamamos de Brasil de hoje, precisam compreender que cada um é a sua própria mídia. A tecnologia veio nesse auxílio. Podemos juntos construir um futuro melhor, se todas as cabeças pensantes se unirem no sentido de preservar e renovar os grandes valores, as artes e a cultura brasileira, e se isso não for feito com extrema rapidez e de forma ordenada, acabaremos por sucumbir num mar de besteirol, na cultura da vulgaridade que a mídia perversa impõe de forma contínua, idiotizando a massa, quando então será tarde demais, pois existirá apenas a cabeça e a cultura dos Macacos.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
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domingo, 15 de janeiro de 2012

CRÍTICAS AO PIB

Referência:

Informações levantadas na obra de Viveret, Jean Gadrey, Ladislau Dowbor, Jose Eli da Veiga e Hazel Henderson.

O Produto Interno Bruto (PIB) está no primeiro plano da mídia e, hoje, serve de referência quase universal para a maioria das análises. Milhares de líderes de opinião e pessoas que ocupam a função de tomar decisões, no campo econômico, político ou científico, são, permanentemente, guiadas em suas decisões pelo PIB, que serve de bússola para seus atos. Consequentemente, continuamos tendo um interesse excessivo pelo crescimento do PIB – ainda popular entre alguns economistas e políticos.

O PIB representa a soma de todas as riquezas finais produzidas em determinada região ou parcela da sociedade (qual seja, países, estados, cidades), durante um período determinado (mês, trimestre, ano etc.). Ele avalia a contribuição produtiva das atividades econômicas.

A fórmula clássica para expressar o PIB de uma região é a seguinte:
Y = C + I + G + X - M
Onde
• Y é o PIB
• C é o consumo
• I é o total de investimentos realizados
• G representa gastos governamentais
• X é o volume de exportações
• M é o volume de importações

Afinal de contas, quanto mais cresce o PIB, maior a riqueza gerada pelo país em questão? Não é bem assim. O PIB é uma adição de bens e serviços vendidos e comprados, sem nenhuma distinção entre os que são ou não benéficos para a sociedade. Despesas com acidentes, poluição, contaminações tóxicas, criminalidade ou guerras são consideradas tão relevantes quanto investimentos em habitação, educação, saúde ou transporte público. Exemplos disso são economias oriundas da destruição, das guerras e acidentes ambientais, que movimentam bilhões de dólares e euros em custos diretos e indiretos e são contabilizadas erroneamente no verde, e não no vermelho, tais como o furação Katrina e a Guerra do Iraque, para citar exemplos mais recentes que serviram para girar a fortuna do PIB americano.

Enfim, o cálculo do PIB, apesar de ser um “indicador de progresso”, não faz distinções entre o que é produtivo ou destrutivo, ou entre despesas que elevem ou rebaixem a condição humana. Nem sequer são computados o trabalho doméstico e voluntariado, que não são remunerados, por não envolverem transações monetárias. Muito menos inclui depreciações de recursos naturais. As estatísticas mostram, também, que o PIB não é significativamente correlacionado com vários dados, como o desemprego e as desigualdades econômicas, variáveis que são, no entanto, freqüentemente citadas como importantes para a sociedade “que vai bem”.

Ou seja, as críticas ao PIB, como padrão aceito internacionalmente, derivam do fato de ser uma medição bruta de qualquer atividade econômica, independentemente de sua natureza, desde que gere fluxos monetários e desconsidere a depreciação do “capital natural” necessário para mantê-lo.

Assim, podemos concluir que o crescimento do PIB não é necessariamente um dado positivo e que o importante é levar em conta a forma pela qual ele é obtido.

O PIB tem recebido muitas críticas, que já vêm de alguns dos mais conhecidos economistas, incluindo os laureados com Nobel de Economia (por exemplo, Simon Smith Kuznets, Daniel Kahneman, Robert Solow, Joseph Stiglitz, Amartya Sen e Muhammad Yunus), mas é “claro, em sua defesa sempre poderá ser dito que não foi inventado para medir o progresso, o bem-estar ou a qualidade de vida, mas tão somente para medir o crescimento econômico, que é meio sem o qual não se atingem tais fins. Mas a armadilha não é desfeita, pois a ideia de riqueza que deu origem ao PIB foi excessivamente influenciada pela atmosfera da Segunda Guerra Mundial. Concepção que logo ficou anacrônica, por só dar importância à produção de mercadorias e ao capital físico. Daí que a única utilidade que talvez ainda lhe reste seja a de permitir comparação entre as produtividades nacionais do trabalho, desde que bem contadas as horas trabalhadas.” (Zeeli).

A economista Hazel Henderson entende, por exemplo, que o padrão de riqueza das nações deve incluir, além de recursos financeiros, ativos da Natureza e os capitais social e intelectual dos povos. Sob esse aspecto, falha o PIB, porque não monitora a dilapidação do planeta, tampouco as condições de vida de sua população. Seria importante desenvolver, nessa perspectiva, indicadores que considerem o bem-estar dos povos. Só assim poderemos ter a verdadeira dimensão do progresso e introduzir novos critérios de decisão para a sociedade sustentável.

Assim, definir em que consiste a riqueza de um país se tornou uma tarefa que exige o exame de vários aspectos econômicos, sociais e ambientais. Sob essa perspectiva, índices elevados de PIB não são mais garantia de desenvolvimento sustentável.

Vejamos algumas das principais críticas atribuídas ao PIB. (Fonte: Jean Gadrey. Os Novos Indicadores de Riqueza).

1. Tudo o que se pode vender e que tem um valor monetário agregado aumentará o PIB e o crescimento, o que não significa necessariamente desenvolvimento sustentável e aumento do bem-estar individual e coletivo.

O PIB contabiliza de maneira positiva todas as formas de males e destruição (que, para ser compensadas, requerem a produção de bens e serviços reparadores ou defensivos: aumento de número de acidentes, progressão de doenças nascidas da insegurança alimentar, poluição...) da mesma maneira que computa os recursos em bem-estar comum (educação e participação em atividades culturais e de lazer de uma sociedade em que as pessoas são sadias, por exemplo).

Ou seja, essas duas sociedades teriam o mesmo aumento no PIB, uma vez que o PIB computa todos os recursos em aumento do PIB, independentemente de sua finalidade. Seria preciso suprimir o aumento do PIB da primeira sociedade para melhor apreender a real criação de riqueza (aquela que contribui para o bem-estar). Pode-se aplicar a mesma ideia às despesas com a reparação dos danos ambientais ligados à atividade humana: poluição, esgotamento dos recursos naturais, que conduzam a uma diminuição do bem-estar.

2. Em parte alguma se contabilizam as perdas de bem-estar provocadas pelo crescimento econômico, o que, embora não tenha valor comercial, pode ter um valor enorme para o nosso bem-estar e o das futuras gerações.

A destruição, por exemplo, da Floresta Amazônica é uma atividade que faz avançar o PIB mundial (valor da madeira e do trator para derrubá-la etc.). Em parte alguma se contabilizam a perda do patrimônio natural que resulta disso, nem suas diversas consequências sobre o clima, a biodiversidade, o longo prazo e as necessidades das gerações futuras. Ou seja, o PIB não contabiliza as perdas do patrimônio natural, mas contabiliza positivamente sua destruição organizada.

Além desses exemplos, nos quais não se contabilizam perdas de bem-estar, há outros em que não se contabilizam ganhos, isto é, contribuições essenciais ao bem-estar, dentre os quais destacamos alguns exemplos a seguir.

3. Numerosas atividades e recursos que contribuem para o bem-estar não são contabilizados simplesmente porque não são comerciais ou porque não têm custo monetário direto de produção.

O trabalho voluntário e o trabalho doméstico (aquele executado na esfera privada, majoritariamente por mulheres) são exemplos de contribuições esquecidas, que, por serem gratuitas e não remuneradas, não fazem parte das atividades que contribuem para a riqueza nacional no âmbito do PIB. Mas será que esses trabalhos não produzem riqueza e bem-estar do mesmo modo que o trabalho assalariado? São trabalhos invisíveis por excelência. Todavia, representam volumes enormes e contribuem para o bem-estar do mesmo modo que o trabalho assalariado. Estima-se que o tempo gasto para trabalho doméstico é da mesma grandeza, nos países desenvolvidos, que o tempo total do trabalho remunerado. Se decidíssemos, por exemplo, atribuir-lhe o mesmo valor monetário por hora de trabalho, isso poderia duplicar o PIB, representando montantes consideráveis de riquezas ignoradas.

4. O PIB mede apenas as quantidades produzidas (outputs) e é indiferente aos resultados em termos de satisfação e de bem-estar pelo consumo desses bens (outcomes), que são mais importantes para avaliar o progresso. Essa medida não reflete o bem-estar de uma sociedade.

Se, para obter taxas de crescimento elevadas, coagimos ou estimulamos as pessoas a trabalhar sempre mais e a ter menos lazer e tempo livre, esse fenômeno não será visto senão pelo ângulo do progresso do PIB, pois o PIB não leva em conta que o aumento do tempo livre é uma riqueza digna de ser contabilizada. Esse exemplo não foi tomado por acaso: nos Estados Unidos, a partir de 1980, o tempo de trabalho anual médio por habitante aumentou o equivalente a cinco horas por ano (240 horas), ao contrário do que aconteceu em quase todos os países europeus. Temos aí um bom exemplo de uma contribuição essencial ao bem-estar, o tempo livre, a qual não aparece nas contas da riqueza.

5. A mensuração do PIB é também indiferente à partilha das riquezas contabilizadas, às desigualdades, à pobreza, à segurança econômica etc., que são, todavia, quase unicamente consideradas dimensões do bem-estar de uma sociedade.

Não sabemos, simplesmente olhando a média do PIB, como essa renda é repartida entre as pessoas do lugar. O desenvolvimento econômico de um país é condição necessária, mas não é suficiente para que ocorra o desenvolvimento social e a melhoria nas condições de vida de sua população. Um mesmo crescimento de 2% a 3%, durante alguns anos, pode, conforme o caso, vir acompanhado de um aumento ou de uma redução das desigualdades sociais. É indiferente vivermos numa sociedade em que coexistem uma multidão de pobres e um punhado de gente rica? Será que um euro ou um dólar de crescimento a mais no bolso de um pobre não gera mais bem-estar que a mesma soma na carteira de um rico?

Por exemplo, o crescimento do PIB do Japão foi cerca de 2,1%, durante os últimos cinco anos, enquanto o PIB dos Estados Unidos aumentou 2,9%. Entretanto, comparando o crescimento médio per capita entre os dois países, surge uma história diferente: os Estados Unidos mostram apenas 1,9% de crescimento, contra 2,1% dos cidadãos japoneses. A renda média per capita do Japão também é maior porque a população japonesa está diminuindo, enquanto a dos Estados Unidos está aumentando. Por sua vez, a Índia desfruta de um rápido crescimento de seu PIB, mas sua população também aumentou rapidamente, o que faz com que mais pessoas devam compartilhar essa renda. Mas também se deve assinalar que o uso da média per capita da renda mascara o modo de distribuição da renda. A média de renda de toda a população pode ocultar, por exemplo, que um país poderia ter uns poucos multimilionários com a maioria de seus cidadãos vivendo na pobreza. Definitivamente não basta produzir mais.

Hoje, num mundo marcado pelo esgotamento dos recursos naturais e as desigualdades sociais, o trabalho essencial consiste em valorizar e preservar os valores humanos e ecológicos. Para tanto, é imperativo desenvolver e implementar novos indicadores de riqueza, que levem em conta não somente todos os bens e os produtos de uma nação, mas também todas as riquezas naturais e humanas de cada país.

É preciso olhar o que (crítica 1), para quem (crítica 5), como estamos produzindo (críticas 2, 3 e 4) e qual seu saldo. É preciso rever como estamos computando essa riqueza. Uma riqueza que nos leve ao desenvolvimento sustentável. Um desenvolvimento para o bem-estar comum, como meio, e não como fim.

Temos a obrigação de redefinir os próprios termos da riqueza. Só há possibilidade de desenvolvimento sustentável se uma profunda reinterrogação do pilar econômico vier a transformar a visão e a própria prática da economia. Não basta acrescentar a um pilar econômico, que permaneceria inalterado, um pilar ambiental e, para concluir, um pilar social.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
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quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

MUDANÇAS CLIMÁTICAS E CONFLITOS SOCIAIS

Autor: J. B. Libanio

As mudanças climáticas ameaçam, a prazo não tão longo, a vida da humanidade e da Terra. Esta, mesmo que tarde milhões de anos, se refará e ressurgirá com nova cara e quem sabe ainda mais bela e carregada de vida. Nós, porém, humanos teremos desaparecido qual poeira perdida que sobrevoou a Terra pelo curto lapso de alguns milhões de anos para a escala astronômica dos bilhões.

Outro aspecto do problema nos afetará no tempo intermédio entre hoje e a catástrofe final. O avanço da crise ecológica provocará conflitos sociais cada vez mais graves.

Com mínimo de inteligência e imaginação, prevêem-se secas prolongadas, enchentes destruidoras. Os jornais já anunciaram para o próximo ano o aumento de catástrofes climáticas. As cidades serranas do Estado do Rio ainda não se refizeram das enchentes de 2011. Há pessoas a morarem em abrigos improvisados. Depois da comoção geral, provocada pela imprensa, persiste a rotina dolorosa de carências.

Os mares subirão com o derretimento das calotas polares. Ilhas habitadas desaparecerão. Cidades litorâneas se inundarão. E que acontecerá com os milhões de pessoas afetadas? Antes do extremo do desaparecimento, se multiplicarão saques, invasões, migrações gigantescas desordenadas, repressão policial, naufrágios. Haja fantasia!

Em outros lugares, o deserto amplia os braços. As florestas incendeiam. As caatingas e cerrados secam definitivamente. Os terrenos gastos e envenenados por tanto agrotóxico geram fome com mais hordas de expatriados a invadirem o que podem.

J. Saramago, de modo genial, desenhou-nos em “Ensaio sobre a Cegueira” terrível cenário em que a cegueira desperta os instintos violentos do ser humano. Ora, a miséria e a destruição das catástrofes naturais cegam as pessoas e as entregam ao primitivo instinto de sobrevivência com terríveis gestos de violência.

Imaginemos ainda mais: o mundo com colheitas fracassadas, com a fome dominando milhões e até bilhões de pessoas, já não mais acomodadas na alienação, mas com nível maior de consciência e recursos de destruição. As nações ricas estão a temer a mobilização dessas massas pobres. Assistimos também à crise do sistema de organização mundial nos países ricos e centrais. Aí, a repressão não conseguirá os mesmos efeitos que nas massas pobres. Além disso, classes afetadas dispõem de recursos de comunicação com poderosa eficácia de mobilização. Haja vista as revoluções no Médio Oriente. E se a Europa incendeia, onde encontrar água para apagar o fogo?

Economistas sérios temem que as soluções arranjadas e confabuladas pelos chefes das nações européias não resolveram o problema. Adiaram a catástrofe.

Tudo parece escuro. Discursos meramente apocalípticos não resolvem o problema. O ser humano guarda em si o que Ernst Bloch chamou de “principio esperança”. Ele, ateu, apostava nele. Com muito mais razão, os cristãos têm por onde esperar. Para além da ganância criminosa de empresas transnacionais, de jogadas financeiras madoffmente irresponsáveis, os humanos têm inteligência, capacidade de amar e de pensar futuro melhor. Mobilizemos o melhor do ser humano em vez de apostar no espírito egoísta do “salve-se quem puder”.

Fonte: Jornal “O TEMPO’ de 18.12.11.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

COMO GOVERNAR SETE BILHÕES DE PESSOAS?

Autor: Leonardo Boff, Filósofo e Teólogo

Tratamos já do desafio de como alimentar sete bilhões de pessoas. A escalada da população humana é crescente: em 1802 éramos um bilhão; em 1927, 2 bilhões, em 1961, 3 bilhões, em 1974, 4 bilhões, em 1987, 5 bilhões, em 1999, 6 bilhões e, por fim, em 2011, 7 bilhões. Em 2025, se o aquecimento abrupto não ocorrer, seremos 8 bilhões, em 2050, 9 bilhões e em 2070, 10 bilhões. Há biólogos como Lynn Margulis e Enzo Tiezzi que vêem nesta aceleração um sinal do fim da espécie à semelhança das bactérias, quando colocadas num recipiente fechado. (capsula Petri). Pressentindo o fim dos nutrientes, as bactérias se multiplicam exponencialmente e então subitamente todas morrem. Seria a última florada do pessegueiro antes de morrer?

Independentemente desta ameaçadora questão temos o instigante desafio: como governar 7 bilhões de pessoas? É o tema da governança global, quer dizer, um centro multipolar com a função de coordenar democraticamente a coexistência dos seres humanos na mesma pátria e Casa Comum. Esta configuração é uma exigência da globalização, pois esta implica o entrelaçamento de todos com todos dentro de um mesmo e único espaço vital. Mais dia menos dia, uma governança global vai surgir pois é uma urgência impostergável para enfrentar os problemas globais e garantir a sustentabilidade da Terra.

A idéia em si não é nova. Como pensamento, estava presente em Erasmo e em Kant mas ganhou seus primeiros contornos reais com a Liga das Nações, após a Primeira Guerra mundial e definitivamente depois da Segunda Guerra Mundial com a ONU. Esta não funciona por causa do veto antidemocrático de alguns países que inviabilizam qualquer encaminhamento global contrário aos seus interesses. Organismos como o FMI, o Banco Mundial, a Organização Mundial do Comércio, da Saúde, do Trabalho, das Tarifas, do Comércio (GATT) e a UNESCO expressam a presença de certa governança global.

Atualmente, o agravamento de problemas sistêmicos como o aquecimento global, a escassez de água potável, a má distribuição dos alimentos, a crise econômico-financeira e as guerras estão demandando uma governança global.

A Comissão sobre Governança Global da ONU a define como “a soma das várias maneiras de indivíduos e instituições, públicas e privadas, administrarem seus assuntos comuns e acomodarem conflitos e interesses diversos de forma cooperativa. Envolve não só relações intergovernamentais, mas também organizações não-governamentais, movimentos de cidadãos, corporações multinacionais e o mercado de capitais global” (veja o respectivo site da ONU na internet).

Esta globalização se dá também em nível cibernético, feita por redes globais, uma espécie de governança sem Governo. O terrorismo provocou a governança securitária nos países ameaçados. Há uma governança global perversa que podemos chamar de governança do poder corporativo mundial feita pelos grandes conglomerados econômico-financeiros que se articulam de forma concêntrica até chegar a um pequeno grupo que controla cerca de 80% do processo econômico. Isso foi demonstrado pelo Instituto Federal Suíço de Pesquisa Tecnológica (ETH) que rivaliza em qualidade com o MIT e entre nós divulgada pelo economista da PUC-SP Ladislau Dowbor. Esta governança não se dá muito a conhecer e a partir da economia influencia fortemente a política mundial.

Estes são os conteúdos básicos de uma governança global sadia: a paz e a segurança, evitando o uso da violência resolutiva; o combate à fome e à pobreza de milhões; a educação acessível a todos para serem atores da história; a saúde como direito humano fundamental; moradia minimamente decente; direitos humanos pessoais, sociais, culturais e de gênero; direitos da Mãe Terra e da natureza, preservada para nós e para as futuras gerações.

Para garantir estes mínimos, comuns a todos os humanos e também à comunidade de vida, precisamos relativizar a figura dos Estados nacionais que tendencialmente irão desaparecer em nome da unificação da espécie humana sobre o planeta Terra. Como há uma só Terra, uma só Humanidade, um só destino comum, deve surgir também uma só governança, una e complexa, que dê conta desta nova realidade planetizada e permita a continuidade da civilização humana.

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                   fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O ESTADO ESTACIONÁRIO E AMBIENTALMENTE SUSTENTÁVEL

Autor: José Eustáquio Diniz Alves

[EcoDebate] Num Planeta finito, é impossível que a economia e a população cresçam de maneira infinita. Esta verdade evidente já foi repetida inúmeras vezes. Mas ninguém sabe dizer quais são os limites exatos do crescimento e qual será o futuro da humanidade e do meio ambiente.

De 1800 a 2011 a população cresceu cerca de 7 vezes (de um bilhão para 7 bilhões de habitantes) e a economia cresceu cerca de 60 vezes. Na soma dos primeiros 14 anos do século XXI, a economia mundial deve crescer mais do que o PIB global acumulado do ano 1 a 1800 (de acordo com dados de Angus Maddison) e a população mundial aumentou em mais 1 bilhão de habitantes somente entre 1999 e 2011. Na velocidade do mundo atual, cada 14 anos valem o equivalente ao que se fazia nos primeiros 1800 anos da era cristã.

Por tudo isto, o impacto das atividades humanas sobre o meio ambiente tem sido devastador. Segundo dados da pegada ecológica, as atividades antrópicas já ultrapassaram em 50% a capacidade de regeneração do Planeta. A economia atual tem crescido utilizando riquezas naturais produzidas no passado, como as energias fósseis e os aquíferos fósseis, que não são renováveis e vão se esgotar em um futuro relativamente próximo. A maior parte da produção econômica libera gazes de efeito estufa (CO2, metano, etc.) que estão se acumulando na atmosfera e provocando o aquecimento global. Temperaturas mais elevadas significam a elevação do nível do mar, maior acidificação das águas e mudanças climáticas extremas, como secas e enchentes. Das quase 9 milhões de espécies vivas da Terra, cerca de 30 mil desaparecem todos os anos.

Tem sido dificil mudar esta rota equivocada, pois o crescimento econômico é impulsionado pelas aspirações ilimitadas dos seres humanos e por três conjuntos de forças: a pressão dos trabalhadores por emprego e renda, a pressão das empresas capitalistas pelo crescimento das vendas e dos lucros e a pressão dos Estados Nacionais em busca do poderio nacional. Para atender estas três demandas, os políticos (em democracias ou em regimes autoritários) prometem manter elevadas taxas de crescimento econômico e de geração de trabalho.

Porém, o crescimento econômico e do consumo, a qualquer custo, está colocando a humanidade e a biodiversidade na beira de um precipício. Falta pouco para o modelo rolar pela ladeira abaixo. Cresce a convicção de que o caminho contemporâneo é insustentável. Portanto, não dá para continuar crescendo no ritmo e no modelo atual. Qual a alternativa?

Os autores clássicos da economia, como Adam Smith e David Ricardo, consideravam que, no processo de desenvolvimento econômico, o avanço das forças produtivas levaria a um “excesso de capital” que provocaria uma queda da taxa de lucros até um ponto que não haveria estímulo ao investimento e, consequentemente, haveria uma situação caracterizada como “Estado Estacionário”. Para Smith e Ricardo o Estado Estacionário, poderia ser adiado, mas seria atingido após o país esgotar a sua fase “progressista” de acumulação e atingir os limites naturais (“solo e clima” nas palavras de Adam Smith).

Para Karl Marx, a tendência à redução da taxa de lucro levaria não só ao Estado Estacionário, mas ao fim do capitalismo e, por meio da união dos trabalhadores, surgiria uma sociedade sem classes, onde prevaleceria o princípio: “De cada um segundo suas capacidades a cada um segundo as suas necessidades”.

Assim, por perspectivas teóricas diferentes, a economia clássica, considerava que existia um limite à continuidade do desenvolvimento econômico. Haveria um ponto de saturação. O Estado estacionário seria o destino final da tendência da redução das taxas de lucro.

O economista Jonh Stuart Mill, no livro “Princípios de economia política”, escrito em 1848, seguindo as premissas da economia clássica, também considerava que a economia iria, mais cedo ou mais tarde, parar de crescer. Mas ao contrário dos autores citados, Stuart Mill via de maneira positiva o fim do processo de crescimento econômico e populacional, que levaria ao Estado Estacionário. Na sua visão, o Estado Estacionário corresponderia a um Estado de bem-estar, onde as necessidades materiais da sociedade seriam atendidas sem desrespeitar o meio ambiente e a biodiversidade.

Existem diversos autores que consideram que as idéias de Stuart Mill poderiam servir de base para um modelo de desenvolvimento que deixe de lado a obsessão pelo crescimento material da economia. Como a população mundial ainda está crescendo e necessita de comida, edução, saúde, moradia e outros tipos de consumo, o sistema econômico ainda precisa atender a estas necessidades.

Mas as idéias de Stuart Mill podem servir de base para uma situação em que a população e a economia global se estabilizem até, por exemplo, o ano de 2050. A idéia de um Estado Estacionário, não significa parar a história no tempo. Antes mesmo de se atingir o Estado Estacionário, é preciso fazer a transição da economia de alto carbono para a economia de baixo carbono. É preciso aumentar a eficiência energética e produtiva, reduzir os desperdícios e aumentar a reciclagem do material utilizado nos bens de consumo.

Por fim, podemos imaginar que para se chegar ao Estado Estacionário é preciso fazer a transição da economia do consumo para a economia criativa e do conhecimento. No Estado Estacionário, o crescimento quantitativo seria substituido pelo crescimento qualitativo. A produção com base no consumo intensivo de matérias-primas seria substituida pela produção de bens imateriais e intangíveis. A autodeterminação da população e o controle do crescimento econômico material daria lugar ao florescimento de outras espécies vivas do Planeta. O antropocentrismo daria lugar ao ecocentrismo.

José Eustáquio Diniz Alves, colunista do EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate, 21/12/2011

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

DIMENSÃO HOLÍSTICA DA ÉTICA

Autor: Frei Betto

Sócrates foi condenado à morte por heresia, como Jesus. Acusaram-no de pregar novos deuses aos jovens. Tal iluminação não lhe abriu os olhos diante do céu, e sim da Terra. Percebeu não poder deduzir do Olimpo uma ética para os humanos. Os deuses do Olimpo podiam explicar a origem das coisas, mas não ditar normas de conduta.

A mitologia, repleta de exemplos nada edificantes, obrigou os gregos a buscar na razão os princípios normativos de nossa boa convivência social. A promiscuidade reinante no Olimpo, objeto de crença, não convinha traduzir-se em atitudes; assim, a razão conquistou autonomia frente à religião. Em busca de valores capazes de normatizar a convivência humana, Sócrates apontou a nossa caixa de Pandora: a razão.

Se a moral não decorre dos deuses, então somos nós, seres racionais, que devemos erigi-la. Em Antígona, peça de Sófocles, em nome de razões de Estado, Creonte proibiu Antígona de sepultar seu irmão Polinice. Ela se recusou a obedecer "leis não escritas imutáveis, que não datam de hoje nem de ontem, que ninguém sabe quando apareceram”. Foi a afirmação da consciência sobre a lei, da cidadania sobre o Estado.

Para Sócrates, a ética exige normas constantes e imutáveis. Não pode ficar na dependência da diversidade de opiniões. Platão trouxe luzes ensinando-nos a discernir realidade e ilusão. Em República, lembrou que para Trasímaco a ética de uma sociedade reflete os interesses de quem ali detém o poder. Conceito retomado por Marx e aplicado à ideologia.

O que é o poder? É o direito concedido a um indivíduo ou conquistado por um partido ou classe social de impor a sua vontade aos demais.

Aristóteles nos arrancou do solipsismo ao associar felicidade e política. Mais tarde, Santo Tomás de Aquino, inspirado em Aristóteles, nos deu as primícias de uma ética política, priorizando o bem comum e valorizando a soberania popular e a consciência individual como reduto indevassável.

Maquiavel, na contramão, destituiu a política de toda ética, reduzindo-a ao mero jogo de poder, onde os fins justificam os meios.

Para Kant, a grandeza do ser humano não reside na técnica, em subjugar a natureza, e sim na ética, na capacidade de se autodeterminar a partir da própria liberdade. Há em nós um senso inato do dever e não deixamos de fazer algo por ser pecado, e sim por ser injusto. E nossa ética individual deve se complementar pela ética social, já que não somos um rebanho de indivíduos, mas uma sociedade que exige, à boa convivência, normas e leis e, sobretudo, cooperação de uns com os outros.

Hegel e Marx acentuaram que a nossa liberdade é sempre condicionada, relacional, pois consiste numa construção de comunhões, com a natureza e os nossos semelhantes. Porém, a injustiça torna alguns dessemelhantes.

Nas águas da ética judaico-cristã, Marx ressaltou a irredutível dignidade de cada ser humano e, portanto, o direito à igualdade de oportunidades. Em outras palavras, somos tanto mais livres quanto mais construímos instituições que promovam a felicidade de todos.

A filosofia moderna fez uma distinção aparentemente avançada e que, de fato, abriu novo campo de tensão ao frisar que, respeitada a lei, cada um é dono de seu nariz. A privacidade como reino da liberdade total. O problema desse enunciado é que desloca a ética da responsabilidade social (cada um deve preocupar-se com todos) para os direitos individuais (cada um que cuide de si).

Essa distinção ameaça a ética de ceder ao subjetivismo egocêntrico. Tenho direitos, prescritos numa Declaração Universal, mas e os deveres? Que obrigações tenho para com a sociedade em que vivo? O que tenho a ver com o faminto, o excluído e o meio ambiente?

Daí a importância do conceito de cidadania. Os indivíduos são diferentes e numa sociedade desigual são tratados segundo sua importância na escala social. Já o cidadão, pobre ou rico, é um ser dotado de direitos invioláveis, e está sujeito à lei como todos os demais.

O capitalismo associa liberdade ao dinheiro, ou seja, ao consumo. A pessoa se sente livre enquanto satisfaz seus desejos de consumo e, através da técnica e da ciência, domina a natureza. A visão analítica não se pergunta pelo significado desse consumismo e pelo sentido desse domínio.

Agora, a humanidade desperta para os efeitos nefastos de seu modo de subjugar a natureza: o aquecimento global faz soar o alarme de um novo dilúvio que, desta vez, não virá pelas águas, e sim pelo fogo, sem chances de uma nova Arca de Noé.

A recente consciência ecológica nos amplia a noção de ethos. A casa é todo o Universo. Lembrem-se: não falamos de Pluriverso, mas de Universo. Há uma íntima relação entre todos os seres visíveis e invisíveis, do macro ao micro, das partículas elementares aos vulcões. Tudo nos diz respeito e toda a natureza possui a sua racionalidade imanente.

Segundo Teilhard de Chardin, o princípio da ética é o respeito a todo o criado para que desperte suas potencialidades. Assim, faz sentido falar agora da dimensão holística da ética.

O ponto de partida da ética foi assinalado por Sócrates: a polis, a cidade. A vida é sempre processo pessoal e social. Porém, a ótica neoliberal diz que cada um deve se contentar com o seu mundinho.

Mas fica a pergunta de Walter Benjamin: o que dizer a milhões de vítimas de nosso egoísmo?

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
                                      fabioxoliveira.blog.uol.com.br/

domingo, 1 de janeiro de 2012

A SOCIEDADE DOS MORTOS VIVOS

Cesar Boschetti

Vivemos em uma sociedade estranha. O individualismo patrocinado pela sobre valoração do material e do consumo como fim em si próprio reduziu o homem à condição de simples macaco. Já não há mais vontade própria, mas apenas a imitação barata de modelos forjados e tacanhos. O bizarro e a vulgaridade tomaram conta do cenário social. Os conceitos de ética são cada vez mais desprezados em todos os setores da vida. O certo e o errado tornaram-se subjetivos. O Estado ausente perdeu sua função reguladora e edificadora da sociedade. Transformou-se em um amontoado disforme de estatísticas econômicas.

O ser humano virou simples mercadoria, é apenas um número positivo ou negativo. O desencanto com esse mundo, economicamente globalizado, mas filosoficamente miserável e sem ideais sufoca o Ser. Hoje, a tarefa de educar um filho não é apenas um desafio, transformou-se em uma verdadeira loteria. O zelo familiar, por maior que seja, é insuficiente diante dessa roleta da vida, viciada e impregnada por egoísmo, sentimentos contraditórios e maus exemplos que florescem como mato.

O natural conflito de gerações é apenas um pequeno apêndice de uma problemática bem maior. Os valores humanos foram reduzidos ao salve-se quem puder e que se dane o próximo. Uma estratégia maquiavélica para desclassificar competidores na olimpíada dos mortos vivos. Com raras exceções, ninguém mais dá a mão a ninguém. Ninguém mais tem coragem de apontar o erro do seu semelhante, não para humilhá-lo, mas para reerguê-lo, numa verdadeira expressão de amor ao próximo. Este ato, moralmente correto, choca-se com o paradigma covarde e irracional do "dedo duro". Uma atitude justificada, mas própria de uma sociedade estupidificada de espectros humanos.

César Boschetti é formado em Física pela USP

Fonte: Fábio Oliveira – fabioxoliveira2007@gmail.com
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