Autora: Délia Steinberg Guzmán, Filósofa
Não é fácil
definir juventude. Ainda que procuremos muito, diferentes autores, ao longo do
tempo, não conseguiram um acordo sobre uma definição exata. Além disso, a
juventude é tão rica e tão ampla em matizes, é tão plástica e tão
extraordinária que não encontramos uma maneira objetiva, concreta, sintética de
defini-la.
Como
filósofos, temos uma fé enorme na juventude e uma grande esperança neste mundo
futuro de que falamos tantas vezes e do qual tantas coisas dissemos. Pensamos
que, no fundo, nenhum de nós deixou de ser jovem, e por um motivo ou outro,
tampouco deixamos de ter algumas angústias, que poderão ser mais ou menos
juvenis, mas que têm suas raízes nos mesmos problemas e em circunstâncias
semelhantes.
Em geral, para
definir a juventude deveríamos aceitar o que dizem alguns: que é um estágio
intermediário entre a infância e a maturidade.
Na verdade,
é um estado intermediário, não único nem definitivo, mas muito especial, porque
sai da chamada "doce inconsciência da infância" para entrar de
repente em um despertar repentino e imediato para as próprias realidades
interiores, emocionais, intelectuais, físicas e psicológicas que ocorrem, e,
por mais naturais que sejam, não deixam de impactar fortemente a personalidade
do jovem.
Ao falar de
juventude, não podemos referir-nos única e exclusivamente a essas mudanças
físicas que ocorrem e que marcam a passagem da infância para a adolescência,
mas também temos que nos referir a outras alterações concomitantes,
psicológicas e mentais, muito profundas. Fazendo eco a velhas doutrinas
tradicionais, temos que pensar também que a mudança na juventude vai ainda mais
longe, e não só despertam a psique e a mente, mas que reaparece o próprio Eu, esse
Ego Superior adormecido que vem do fundo dos tempos, e que precisa de um
momento especial na vida para despertar e manifestar-se.
Não estamos
de acordo com aqueles que dizem que a juventude começa com a puberdade, com a
maturidade sexual. Nem devemos fazer acabar a juventude, quando aparece a
maturidade e o ser humano já é adulto. Se assim fosse, deveríamos nos perguntar
quando começa essa maturidade. Ou será que a juventude se prolonga muito mais,
não só em seus aspectos positivos, mas justamente nos seus aspectos negativos,
como a falta de maturidade para saber o que se quer?
Vemos que
não podemos estabelecer limites. A riqueza humana é infinita, as múltiplas
expressões da evolução humana são infinitas, e não nos permite ficar limitados
a definições restritas. A juventude tem algo de novo nascimento; é como nascer
de novo, mesmo se estiver dentro de um corpo físico e expressado material e
concretamente.
A juventude
é algo como abrir os olhos para uma nova forma de vida e suporta toda angústia
que supõe justamente isso: ter que enfrentar uma nova forma de vida. É como se
nascêssemos, mas desta vez o fizéssemos sozinhos, absolutamente sozinhos,
porque sentimos que sozinhos vamos ter que resolver toda a angústia desse novo
nascimento.
Como todo
novo estado, esta nova juventude que acaba de nascer, nos é apresentada como
instável, insegura e "intranqüila". Precisa garantir-se e não
encontra como fazê-lo. E isso é o porquê da angústia, a que queremos nos
referir. Podemos visualizar essa angústia de duas perspectivas: há uma angústia
normal e lógica, que é própria do crescimento, do desenvolvimento deste ser
humano que volta a nascer, quando deixa de ser criança; são todos os processos
que reúnem a psicologia tradicional. Outro aspecto que nos preocupa muito, é a
"outra" angústia, a que não é tão natural e própria da juventude; é a
que soma nosso mundo circundante com todos seus problemas, e que é menos
natural e mais estressante para a personalidade do jovem.
Comecemos
pela primeira. A psicologia dos últimos 150 anos nos diz que, de fato, não se
pode avaliar a juventude somente por umas mudanças fisiológicas, hormonais, por
mais importantes que sejam, mas que temos que valorizar outros elementos, muito
próprios e característicos do tipo psicológico, intelectual e moral.
Curiosamente, essa psicologia sempre enfrenta todas as mudanças da juventude
como se fossem patológicas, anormais. São tantas, tão grandes e tão importantes
as mudanças que o jovem deve ter a sensação de que está doente e o que lhe
acontece é terrível.
A primeira
coisa experimentada pelo jovem é a necessidade de consolidar uma nova
personalidade. De repente, tem que expressar novos conceitos e não há elementos
para isso, e deve fortalecer-se em questões que parecem quase infantis, mas que
são as primeiras que permitem expressar uma personalidade juvenil. Ele rejeita
tudo o que foi o mundo anterior, porque significa criancice, ser pequeno, não
pensar, não sentir, portanto, todo o anterior é mau, deve deixar de lado,
rejeitá-lo. Dentro dessa rejeição geral, cabe imediatamente a ruptura da imagem
que os pais tinham diante dos jovens, já não são o papai e a mamãe em que se
refugiam, já não são o apoio, e junto com a ruptura desta imagem, caem as de
todos os mais velhos que foram o apoio e o vínculo familiar mais imediato;
todos os que haviam sido amores até agora se convertem em ódios. No jovem não
existe meio termo: todo o amor que antes se expressava em relação aos pais
volta-se para novos líderes. Há aspectos novos que têm de preencher o vazio que
acaba de criar, e que desperta uma enorme angústia no jovem.
Engrandecem a
figura do professor, ou do sacerdote, ou de um amigo um pouco mais velho, ou de
algum líder político. Às vezes os jovens querem apoiar-se até em líderes
fictícios, que são de sua invenção e representam o ideal, o arquétipo e o
perfeito. Às vezes, apegam-se a personagens históricos que representam tudo o
que o jovem gostaria de ser e todo o seu amor se volta para eles. Mas no fundo,
do que se trata é de preencher um buraco. E isso ao mesmo tempo produz uma
enorme nostalgia e melancolia por este mundo infantil que lhe escapa das mãos e
não vai voltar. O jovem, numa primeira etapa, tem uma grande propensão para a
tristeza interior. Sente que perdeu um mundo, mas que ninguém consegue explicar.
Sente que acaba de nascer para outro mundo, mas nesse outro mundo ninguém lhe
entende. E essa tristeza tão íntima, tão profunda, jamais se manifesta
exteriormente. No máximo, deixa ver um pouco de melancolia. Por fora, existe
uma alegria exagerada, completamente fictícia, com risadas estridentes e
atitudes fora de lugar, ou agressões, ou uma vitalidade exagerada que força a
agressão. E mais, o jovem agride a seus pais porque lhes culpa pela perda desse
mundo, e com um pouco de sentido de culpabilidade espera que os pais também o
agridam, o que lhe parece que ocorre imediatamente. E aqui se encadeia uma
longa sucessão de angústias, incompreensões, com as discussões cotidianas, os
enfrentamentos constantes e o fato de não poder conviver com aqueles que até recentemente
eram um núcleo fechado e maravilhoso.
Diante desta
situação o jovem responde de várias maneiras. Na realidade, é muito típico no
jovem o despertar de ideias metafísicas; não na linha de uma metafísica
filosófica perfeitamente elaborada, mas algo mais simples. O jovem começa a
perguntar-se, pela primeira vez, o que são a vida e a morte. E se sugere que
não é eterno, que está dentro do tempo, que tem crescido e mudado, que
continuará crescendo e mudando e que desaparecerá. E então se pergunta sobre o
que há além. Juntamente com estas idéias metafísicas aparecem outras de ordem
moral. O jovem costuma ser muito rigoroso no começo, e de uma maneira muito sua
e muito pessoal, muito rígida sobretudo com os demais, mas, em certa medida,
também consigo mesmo. Se isso fosse levado a bom termo, teríamos o princípio do
novelo que faria desaparecer a angústia juvenil de forma gradual. No entanto, e
infelizmente, não acontece assim e esses primeiros ímpetos metafísicos e morais
costumam promover nos familiares e amigos apenas um sorriso depreciativo ou uma
piada um pouco cruel, que vai fazer feridas muito profundas no jovem.
Do ponto de
vista intelectual, podem acontecer muitas coisas completamente diferentes. Ou
se abandonam por completo, e nos encontramos com estes jovens que tinham sido
brilhantes e, de repente, param e começam a fracassar nos estudos, ou o
contrário acontece: encontram no estudo um refúgio ideal e tratam de
intelectualizar todo o problema que estão vivendo, encontrando uma maneira
maravilhosa no mundo das idéias, e sendo capazes de detalhar exatamente tudo o
que acontece em seu interior. Neste segundo caso, desperta uma grande
curiosidade dialética, sem importar se as idéias que defendem são ou não
verdadeiras. Querem discutir, realizar, demonstrar força e habilidade. Isso os
faz realmente felizes.
Outra reação
típica do jovem é um pouco de egoísmo, que os psicólogos chamam de narcisismo.
Centralizar-se em si mesmo, querer encontrar todas as respostas em si mesmo,
exigir-se originalidade, porque para ser ele mesmo deve ser diferente dos
outros e até um pouco excêntrico. Deve chamar a atenção, e isso é percebido
muitas vezes em coisas simples como a moda. Mas é uma excentricidade muito
especial, porque se destina a provocar um pouco os mais velhos. Também requer a
aprovação de outros jovens que estão na mesma situação, para isso se cria
grupos.
Uma característica positiva deste período da juventude, apesar de doloroso e
pouco aproveitado, é o despertar da amizade. Talvez nunca como nesta época se saiba
o que é verdadeiramente a amizade. As amizades da juventude são gloriosas, as
únicas onde tudo é maravilhoso, onde há uma confiança ideal, fantástica, e onde
o amigo é tudo: a fuga, o alívio dos problemas interiores, e também quase - em
um terreno que não pretende entrar no nefasto nem no mórbido- como um teste
para o que será mais tarde o amor. O amigo é o apoio moral. E além dessas
experiências individuais de amizade, às vezes, o jovem encontra outra fuga que
é a dos grupos, onde se integra porque precisa sentir-se forte, precisa da
aprovação daqueles que o cercam, porque é muito difícil caminhar sozinho.
Os
interesses dos jovens, segundo a psicologia, são muitos e muito variados.
Costuma ser interessado em tudo, mas de forma pouco sustentada, hoje se começa
algo e amanhã se deixa, começam muitas coisas e não terminam praticamente
nenhuma. O importante é estar em movimento, mas realmente não está interessado
em nada, há total apatia, porque deve responder ao excesso de estímulo da
família ou de quem lhes rodeia, que lhes lança constantemente e recomendações
sobre o que fazer ou não fazer, é uma ação defensiva.
E em geral,
o problema é que é simplesmente jovem e tem problemas. É difícil de entender,
mas é uma realidade.
Fonte: Fábio Oliveira