quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

ESTAMOS REGREDINDO

Autor: Danilo Pretti Di Giorgi
[Correio da Cidadania] Eu e meus colegas de coluna escrevemos aqui há mais de dez anos. Neste período, mais de 200 mil km² de floresta amazônica foram devastados, o equivalente ao território da Grã-Bretanha. Testemunhei todas as cúpulas sobre Meio Ambiente enroscadas porque os países nunca estiveram dispostos a abrir mão de seus interesses. Vi tentativas de acordos mundiais, como o Protocolo de Kyoto, serem ignoradas por países-chave. Mas também vi esses acordos serem sistematicamente descumpridos por nações signatárias. No plano nacional, presenciei mudanças nefastas nas leis para beneficiar setores altamente poluidores, fui testemunha da implosão do Ibama em nome do seu enfraquecimento e vi ministros e presidentes pisoteando a Lei em nome do crescimento econômico a qualquer custo.
A consciência ambiental parece ter regredido neste início de milênio, se é que ela de fato existe. E não apenas no nível de lideranças e governos, mas também no âmbito do indivíduo: para ficar em um exemplo, a porcentagem de pessoas que separam seu lixo e o enviam para reciclagem no Brasil continua ínfima, abaixo de 1%, após tantos anos de campanhas e esclarecimentos.
Para a maioria, a questão ambiental parece não passar de mais uma brincadeira, uma ilusão a mais no jogo de manipulação de ideias e ideais no qual estamos imersos. Um entre tantos joguinhos de marketing no qual tanto empresas como governos investem migalhas de tempo e dinheiro apenas para estarem em dia com o que o comportamento politicamente correto do momento exige.
Mas essa brincadeira só é considerada até começar a atrapalhar a marcha do progresso. Quando essa conversa de bicho-grilo atrapalha o caminho de grandes projetos econômicos, ninguém pensa duas vezes: leis, normas, ecossistemas complexos, aldeias indígenas e animais em extinção são atropelados sem a menor sutileza. E tocam-se adiante Belos Montes, Jiraus e Santo Antônios, a despeito das intermináveis listas de irregularidades associadas a estes, entre tantos outros megaprojetos atualmente em execução.
Quando a crise conceitual chega neste ponto, fica difícil construir um artigo sobre “perspectivas para o meio ambiente”, quando a própria ideia do que seria meio ambiente está desestruturada dentro e fora de mim. Talvez sejam os ecos desse recém-ocorrido fim do mundo.
Farei apenas uma previsão: no Brasil, em 2013, nada que seja fundamental ao desenvolvimentismo sob a perspectiva de seus leais defensores terá seu caminho interrompido por nenhuma lei ambiental, clamor popular ou por algum surto de bom senso de alguma autoridade. Porque não parece haver nada que possa se colocar no caminho desse grande deus da atualidade, o crescimento econômico.
Mas essa previsão era fácil, você e todo mundo também já sabiam. O certo é que cada vez fica mais claro que qualquer ideal ambientalista, por mais bem situado que seja, por mais que esteja amparado na lei e no bom senso, sempre acaba perdendo a luta quando atrapalha o caminho daquilo que se convencionou chamar de progresso. O grande pecado hoje, afinal, é interromper o processo de produção. Se há minérios valiosos na Amazônia, tem que tirar, e ponto final. Se para tirar esses minérios precisa de muita energia elétrica, tem que fazer hidrelétrica em Belo Monte. E se tem aldeias indígenas ou espécies ameaçadas de extinção no caminho da hidrelétrica, azar delas. A marcha de destruição não pode ser interrompida por um bando de índios falando no celular que têm perfil no Facebook, ou por bichos e plantas que a gente mal conhece, afinal.
E aqueles que têm coragem de defender a floresta, os rios e mares, são acusados de inimigos do progresso. Os novos inimigos, aqueles que ocuparam o vácuo deixado pelos comunistas. Afinal, o que incomoda os ex-caçadores de comunistas não é o princípio da distribuição de renda. O lulismo dizimou qualquer dúvida sobre o quanto é bom para o capitalismo erguer os miseráveis à classe média. O que incomoda mesmo é interromper a marcha da destruição.
Fonte: EcoDebate,

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

ESTAMOS INDO DE MAL E PIOR

 
Autor: Leonardo Boff, Filósofo e Teólogo
A realidade mundial é complexa. É impossível fazer um balanço unitário. Tentarei fazer um atinente à macro realidade e outro à micro. Se considerarmos a forma como os donos do poder estão enfrentando a crise sistêmica de nosso tipo de civilização, organizada na exploração ilimitada da natureza, na acumulação também ilimitada e na consequente criação de uma dupla injustiça – a social, com as perversas desigualdades em nível mundial, e a ecológica, com a desestruturação da rede da vida que garante a nossa subsistência – e se, ainda tomarmos como ponto de aferição a COP 18 realizada neste final de ano em Doha no Qatar sobre o aquecimento global, podemos sem exagero dizer: estamos indo de mal a pior. A seguir a este caminho encontraremos lá na frente, e não demorará muito, um “abismo ecológico”.
Até agora não se tomaram as medidas necessárias para mudar o curso das coisas. A economia especulativa continua a florescer, os mercados cada vez mais competitivos - o que equivale a dizer - cada vez menos regulados e o alarme ecológico corporificado no aquecimento global posto praticamente de lado. Em Doha só faltou dar a extrema-unção ao Tratado de Kyoto. E por ironia se diz na primeira página do documento final que nada resolveu, pois protelou tudo para 2015: ”A mudança climática representa uma ameaça urgente e potencialmente irreversível para as sociedades humanas e para o planeta, e esse problema precisa ser urgentemente enfrentado por todos os países”. E não está sendo enfrentado. Como nos tempos de Noé, continuamos a comer, a beber e a arrumar as mesas do Titanic afundando, ouvindo ainda música. A Casa está pegando fogo, e mentimos aos outros dizendo que não.
Vejo duas razões para esta conclusão realista, que parece pessimista. Diria com José Saramago: ”Não sou pessimista; a realidade é que é péssima; eu sou é realista”. A primeira razão tem a ver com a premissa falsa que sustenta e alimenta a crise: o objetivo é o crescimento material ilimitado (aumento do PIB), realizado na base de energia fóssil e com o fluxo totalmente liberado dos capitais, especialmente especulativos.
Esta premissa está presente em todos os planejamentos dos países, inclusive no brasileiro. A falsidade da premissa reside na desconsideração completa dos limites do sistema-Terra. Um planeta limitado não aquenta um projeto ilimitado. Ele não possui sustentabilidade. Aliás, evita-se a palavra sustentabilidade, que vem das ciências da vida; ela é não linear, se organiza em redes de interdependências de todos com todos que mantêm funcionando todos os fatores que garantem a perpetuação da vida e de nossa civilização. Prefere-se falar em desenvolvimento sustentável, sem se dar conta de que se trata de um conceito contraditório porque é linear, sempre crescente, supondo a dominação da natureza e a quebra do equilíbrio ecossistêmico. Nunca se chega a nenhum acordo sobre o clima, porque os poderosos conglomerados do petróleo influenciam politicamente os governos e boicotam qualquer medida que lhes diminua os lucros e por isso não apoiam as energias alternativas. Só buscam o crescimento anual do PIB.
Este modelo está sendo refutado pelos fatos: não funciona mais nem nos países centrais, como o mostra a crise atual, nem nos periféricos. Ou se busca um outro tipo de crescimento, que é essencial para o sistema-vida mas que por nós deve ser feito respeitando a capacidade da Terra e os ritmos da natureza, ou então encontraremos o inominável.
A segunda razão é mais de ordem filosófica, e pela qual me tenho batido há mais de trinta anos. Ela implica consequências paradigmáticas: o resgate da inteligência cordial ou emocional para equilibrar o poderio destruidor da razão instrumental, sequestrada já há séculos pelo processo produtivo acumulador. Com nos diz o filósofo francês Patrick Viveret, “a razão instrumental sem a inteligência emocional pode perfeitamente nos levar à pior das barbáries” (Por uma sobriedade feliz, Quarteto 2012, 41); haja vista o redesenho da humanidade, projetado por Himmler e que culminou com a shoah, a liquidação dos ciganos e dos deficientes.
Se não incorporarmos a inteligência emocional à razão instrumental-analítica, nunca iremos sentir os gritos da Mãe Terra, a dor das florestas abatidas e a devastação atual da biodiversidade, na ordem de quase cem mil espécies por ano (E.Wilson). Junto com a sustentabilidade deve vir o cuidado, o respeito e o amor por tudo o que existe e vive. Sem essa revolução da mente e do coração iremos, sim, de mal a pior.
Fonte:  Fábio Oliveira

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

SOBRE A INQUIETAÇÃO HUMANA

 Autor: Adriano Couto
Trago dentro de mim, a mesma inquietação dos filósofos, a sede insaciável pelo conhecimento, almejo a sabedoria. Essa inquietação faz com que eu busque as respostas para as questões primeiras de nossa existência, isso é praticar a filosofia.
Questões que movem o pensamento humano, provocando a reflexão, instigando a sublime arte de filosofar, o homem sempre buscou afugentar o fantasma do vazio existencial, aonde ao longo de sua vida, sempre vêm à tona, os questionamentos de sua adolescência: “De onde venho?” “Para onde vou?” “O que estou fazendo aqui?”
Filosofar é algo apaixonante, é a eterna busca pelo indivíduo, muito bem representada nas obras do filósofo dinamarquês Sören Kierkegaard. Os homens que julgam tudo saber, na realidade são tolos por excelência, quanto mais avançamos no conhecimento humano, chegamos a conclusão que absolutamente nada sabemos e quão diminuta e ínfima é nossa pretensa sabedoria, representada na máxima de Sócrates: “Só sei que nada sei”.
René Descartes, grande homem de seu tempo, também se dedicou com afinco a esta questão inquietante, concluindo magistralmente em sua Magnum Opus ( Magna Obra ), “Discurso sobre o método”, a seguinte afirmativa:“Cogito ergo sum” (“Penso logo existo”).
O grande teólogo e filósofo Agostinho de Hipona, um dos Pais da Igreja Latina, busca na transcendência a resposta para este dilema milenar, afirmando categoricamente em suas “Confissões” (autobiografia): “Inquieto está o nosso coração enquanto não repousa em ti ó Deus!”. Acalmando assim aqueles corações religiosos mais aflitos. Em contrapartida a este pensamento, séculos mais tarde, Feuerbach afirma: “O homem vai hierarquizando os seus sonhos, o mais bonito ele dá o nome de Deus. Assim o homem criou Deus a sua imagem e semelhança.” Esta afirmativa, mais uma vez traz instabilidade a muitos corações inquietos que buscam incessantemente o fim último da razão de sua existência.
Mas meu objetivo aqui não é buscar respostas na esfera transcendental, pois estaria entrando inevitavelmente no campo religioso, para isto depende muito da fé de cada indivíduo, não quer dizer que eu não tenha, mas meu interesse é não ultrapassar os limites da filosofia, não pretendo entrar em querelas metafísicas, busco respostas no cerne do existencialismo humano, concluir com uma afirmação puramente metafísica seria muito fácil, exemplo “Deus criou o homem e ponto final”, como citei antes, para entoar esta premissa é questão de fé individual, mas isso me levaria à acomodação e afirmo que as grandes descobertas, avanços que aconteceram ao longo da história, foi justamente porque os homens não se acomodaram e muito menos se conformaram diante dos primeiros resultados de suas pesquisas, buscaram sempre mais! Além do comodismo, isso extinguiria a chama da minha busca inquietante. Mas a inquietação exige mais! Busca apaixonadamente a sabedoria, a sapiência, o esplendor do conhecimento.
Não estaria praticando o princípio básico da filosofia se concebesse da forma citada acima, que não devemos dar fácil aceitação as coisas sem antes ter questionado e entendido. Já dizia Sartre, “o existencialismo é um humanismo”,colocava também que “a existência precede a essência”.
Concluindo esta reflexão inquietante e um tanto provocativa, já que vivemos em um eterno retorno, onde os fatos se repetem, volto nos primórdios do pensamento filosófico, mais precisamente ao Portal do Templo do consagrado ao deus Apolo em Delfos, onde estava gravada a seguinte afirmação: “CONHECE-TE A TI MESMO E CONHECERÁS O UNIVERSO E OS DEUSES”.
Fonte: Fábio Oliveira

sábado, 12 de janeiro de 2013

A MALDADE HUMANA

Autor: Paulo Luiz Mendonça
 Os seres humanos se diferenciam muito dos animais irracionais, mas esta diferença não é só porque são inteligentes e seus irmãos menores têm apenas instintos. A diferença principal é catastrófica, está na maldade. Nunca vimos ou ouvimos falar de um animal torturar o outro para arrancar dele informações. O seres humanos sim, estamos cansados de saber como eles agem quando são feridos em seus interesses. Já pensaram nos aparelhos maquiavélicos de tortura usados na idade média nas prisões do santo oficio? Já viram falar das torturas que foram e continuam sendo aplicadas por ditadores sanguinários por todo o planeta terra, já viram noticias sobre as torturas de islâmicos com acusações de blasfêmias, já viram falar sobre perseguições políticas, perseguições religiosas, perseguições por racismo?
 Todos sabem dos massacres de índios americanos executados por tementes a Deus, portadores de Bíblia embaixo do braço, estes mesmos que se enveredaram seu ódio contra os pobres negros indefesos. Já viram falar na ku klux klan e suas barbaridades praticadas? Todas estas atrocidades cometidas pelos humanos, dão aos nossos irmãos menores uma graduação de qualidade muitas vezes superior. Os humanos ainda dizem com toda cara-de-pau, nós somos a imagem e a semelhança do criador. Ora onde está a coerência desta afirmação? Por que nós temos o privilegio de estarmos no patamar mais alto? Será porque somos inteligentes? Mas inteligência não dá aos seres humanos nenhuma qualificação automática de bondade, de amor, de solidariedade, e de justiça. Inteligência só faz aumentar seu poder de fogo para explorar, atacar, torturar, massacrar e até matar seus semelhantes.
 Tenho um pensamento funesto, que gostaria que não fosse verdade, mas me parece que a maldade humana, não foi criada pela Bíblia Sagrada, mas certamente foi por ela estimulada, porque neste livro existem muitos relatos de matanças, de extermínio de populações inteiras.
 Seguem alguns exemplos: leiam em deuteronômio, 7-1-6,13-15-16 ordem de Deus para matança e extermínio total, até animais foram sacrificados. Em Samuel 1-15:3, outro extermínio, segundo livro de Samuel, 24:15 (quanta bondade) e assim segue em muitos exemplos pelo livro todo, quem tiver dúvidas é só ler a Bíblia, mas ler com vontade, sem nenhuma interferência de pastores ou padres, assim poderá encontrar as incoerências de um Deus que se diz bondoso e justo. Se não quiserem perder tempo procurando entre capítulos e versículos, vá direto a Google digite (Robert Green ingersoll), é um pensador americano do século 18, lá pode ser lido todo trabalho de pesquisa deste pensador sobre a Bíblia.
Fonte:  Fábio Oliveira

sábado, 5 de janeiro de 2013

ANGÚSTIA JUVENIL - Parte I

Autora:  Délia Steinberg Guzmán, Filósofa
 
Não é fácil definir juventude. Ainda que procuremos muito, diferentes autores, ao longo do tempo, não conseguiram um acordo sobre uma definição exata. Além disso, a juventude é tão rica e tão ampla em matizes, é tão plástica e tão extraordinária que não encontramos uma maneira objetiva, concreta, sintética de defini-la.

Como filósofos, temos uma fé enorme na juventude e uma grande esperança neste mundo futuro de que falamos tantas vezes e do qual tantas coisas dissemos. Pensamos que, no fundo, nenhum de nós deixou de ser jovem, e por um motivo ou outro, tampouco deixamos de ter algumas angústias, que poderão ser mais ou menos juvenis, mas que têm suas raízes nos mesmos problemas e em circunstâncias semelhantes.

Em geral, para definir a juventude deveríamos aceitar o que dizem alguns: que é um estágio intermediário entre a infância e a maturidade.

Na verdade, é um estado intermediário, não único nem definitivo, mas muito especial, porque sai da chamada "doce inconsciência da infância" para entrar de repente em um despertar repentino e imediato para as próprias realidades interiores, emocionais, intelectuais, físicas e psicológicas que ocorrem, e, por mais naturais que sejam, não deixam de impactar fortemente a personalidade do jovem.

Ao falar de juventude, não podemos referir-nos única e exclusivamente a essas mudanças físicas que ocorrem e que marcam a passagem da infância para a adolescência, mas também temos que nos referir a outras alterações concomitantes, psicológicas e mentais, muito profundas. Fazendo eco a velhas doutrinas tradicionais, temos que pensar também que a mudança na juventude vai ainda mais longe, e não só despertam a psique e a mente, mas que reaparece o próprio Eu, esse Ego Superior adormecido que vem do fundo dos tempos, e que precisa de um momento especial na vida para despertar e manifestar-se.

Não estamos de acordo com aqueles que dizem que a juventude começa com a puberdade, com a maturidade sexual. Nem devemos fazer acabar a juventude, quando aparece a maturidade e o ser humano já é adulto. Se assim fosse, deveríamos nos perguntar quando começa essa maturidade. Ou será que a juventude se prolonga muito mais, não só em seus aspectos positivos, mas justamente nos seus aspectos negativos, como a falta de maturidade para saber o que se quer?

Vemos que não podemos estabelecer limites. A riqueza humana é infinita, as múltiplas expressões da evolução humana são infinitas, e não nos permite ficar limitados a definições restritas. A juventude tem algo de novo nascimento; é como nascer de novo, mesmo se estiver dentro de um corpo físico e expressado material e concretamente.

A juventude é algo como abrir os olhos para uma nova forma de vida e suporta toda angústia que supõe justamente isso: ter que enfrentar uma nova forma de vida. É como se nascêssemos, mas desta vez o fizéssemos sozinhos, absolutamente sozinhos, porque sentimos que sozinhos vamos ter que resolver toda a angústia desse novo nascimento.

Como todo novo estado, esta nova juventude que acaba de nascer, nos é apresentada como instável, insegura e "intranqüila". Precisa garantir-se e não encontra como fazê-lo. E isso é o porquê da angústia, a que queremos nos referir. Podemos visualizar essa angústia de duas perspectivas: há uma angústia normal e lógica, que é própria do crescimento, do desenvolvimento deste ser humano que volta a nascer, quando deixa de ser criança; são todos os processos que reúnem a psicologia tradicional. Outro aspecto que nos preocupa muito, é a "outra" angústia, a que não é tão natural e própria da juventude; é a que soma nosso mundo circundante com todos seus problemas, e que é menos natural e mais estressante para a personalidade do jovem.

Comecemos pela primeira. A psicologia dos últimos 150 anos nos diz que, de fato, não se pode avaliar a juventude somente por umas mudanças fisiológicas, hormonais, por mais importantes que sejam, mas que temos que valorizar outros elementos, muito próprios e característicos do tipo psicológico, intelectual e moral. Curiosamente, essa psicologia sempre enfrenta todas as mudanças da juventude como se fossem patológicas, anormais. São tantas, tão grandes e tão importantes as mudanças que o jovem deve ter a sensação de que está doente e o que lhe acontece é terrível.

A primeira coisa experimentada pelo jovem é a necessidade de consolidar uma nova personalidade. De repente, tem que expressar novos conceitos e não há elementos para isso, e deve fortalecer-se em questões que parecem quase infantis, mas que são as primeiras que permitem expressar uma personalidade juvenil. Ele rejeita tudo o que foi o mundo anterior, porque significa criancice, ser pequeno, não pensar, não sentir, portanto, todo o anterior é mau, deve deixar de lado, rejeitá-lo. Dentro dessa rejeição geral, cabe imediatamente a ruptura da imagem que os pais tinham diante dos jovens, já não são o papai e a mamãe em que se refugiam, já não são o apoio, e junto com a ruptura desta imagem, caem as de todos os mais velhos que foram o apoio e o vínculo familiar mais imediato; todos os que haviam sido amores até agora se convertem em ódios. No jovem não existe meio termo: todo o amor que antes se expressava em relação aos pais volta-se para novos líderes. Há aspectos novos que têm de preencher o vazio que acaba de criar, e que desperta uma enorme angústia no jovem.
 
Engrandecem a figura do professor, ou do sacerdote, ou de um amigo um pouco mais velho, ou de algum líder político. Às vezes os jovens querem apoiar-se até em líderes fictícios, que são de sua invenção e representam o ideal, o arquétipo e o perfeito. Às vezes, apegam-se a personagens históricos que representam tudo o que o jovem gostaria de ser e todo o seu amor se volta para eles. Mas no fundo, do que se trata é de preencher um buraco. E isso ao mesmo tempo produz uma enorme nostalgia e melancolia por este mundo infantil que lhe escapa das mãos e não vai voltar. O jovem, numa primeira etapa, tem uma grande propensão para a tristeza interior. Sente que perdeu um mundo, mas que ninguém consegue explicar. Sente que acaba de nascer para outro mundo, mas nesse outro mundo ninguém lhe entende. E essa tristeza tão íntima, tão profunda, jamais se manifesta exteriormente. No máximo, deixa ver um pouco de melancolia. Por fora, existe uma alegria exagerada, completamente fictícia, com risadas estridentes e atitudes fora de lugar, ou agressões, ou uma vitalidade exagerada que força a agressão. E mais, o jovem agride a seus pais porque lhes culpa pela perda desse mundo, e com um pouco de sentido de culpabilidade espera que os pais também o agridam, o que lhe parece que ocorre imediatamente. E aqui se encadeia uma longa sucessão de angústias, incompreensões, com as discussões cotidianas, os enfrentamentos constantes e o fato de não poder conviver com aqueles que até recentemente eram um núcleo fechado e maravilhoso.

Diante desta situação o jovem responde de várias maneiras. Na realidade, é muito típico no jovem o despertar de ideias metafísicas; não na linha de uma metafísica filosófica perfeitamente elaborada, mas algo mais simples. O jovem começa a perguntar-se, pela primeira vez, o que são a vida e a morte. E se sugere que não é eterno, que está dentro do tempo, que tem crescido e mudado, que continuará crescendo e mudando e que desaparecerá. E então se pergunta sobre o que há além. Juntamente com estas idéias metafísicas aparecem outras de ordem moral. O jovem costuma ser muito rigoroso no começo, e de uma maneira muito sua e muito pessoal, muito rígida sobretudo com os demais, mas, em certa medida, também consigo mesmo. Se isso fosse levado a bom termo, teríamos o princípio do novelo que faria desaparecer a angústia juvenil de forma gradual. No entanto, e infelizmente, não acontece assim e esses primeiros ímpetos metafísicos e morais costumam promover nos familiares e amigos apenas um sorriso depreciativo ou uma piada um pouco cruel, que vai fazer feridas muito profundas no jovem.

Do ponto de vista intelectual, podem acontecer muitas coisas completamente diferentes. Ou se abandonam por completo, e nos encontramos com estes jovens que tinham sido brilhantes e, de repente, param e começam a fracassar nos estudos, ou o contrário acontece: encontram no estudo um refúgio ideal e tratam de intelectualizar todo o problema que estão vivendo, encontrando uma maneira maravilhosa no mundo das idéias, e sendo capazes de detalhar exatamente tudo o que acontece em seu interior. Neste segundo caso, desperta uma grande curiosidade dialética, sem importar se as idéias que defendem são ou não verdadeiras. Querem discutir, realizar, demonstrar força e habilidade. Isso os faz realmente felizes.

Outra reação típica do jovem é um pouco de egoísmo, que os psicólogos chamam de narcisismo. Centralizar-se em si mesmo, querer encontrar todas as respostas em si mesmo, exigir-se originalidade, porque para ser ele mesmo deve ser diferente dos outros e até um pouco excêntrico. Deve chamar a atenção, e isso é percebido muitas vezes em coisas simples como a moda. Mas é uma excentricidade muito especial, porque se destina a provocar um pouco os mais velhos. Também requer a aprovação de outros jovens que estão na mesma situação, para isso se cria grupos.

Uma característica positiva deste período da juventude, apesar de doloroso e pouco aproveitado, é o despertar da amizade. Talvez nunca como nesta época se saiba o que é verdadeiramente a amizade. As amizades da juventude são gloriosas, as únicas onde tudo é maravilhoso, onde há uma confiança ideal, fantástica, e onde o amigo é tudo: a fuga, o alívio dos problemas interiores, e também quase - em um terreno que não pretende entrar no nefasto nem no mórbido- como um teste para o que será mais tarde o amor. O amigo é o apoio moral. E além dessas experiências individuais de amizade, às vezes, o jovem encontra outra fuga que é a dos grupos, onde se integra porque precisa sentir-se forte, precisa da aprovação daqueles que o cercam, porque é muito difícil caminhar sozinho.

Os interesses dos jovens, segundo a psicologia, são muitos e muito variados. Costuma ser interessado em tudo, mas de forma pouco sustentada, hoje se começa algo e amanhã se deixa, começam muitas coisas e não terminam praticamente nenhuma. O importante é estar em movimento, mas realmente não está interessado em nada, há total apatia, porque deve responder ao excesso de estímulo da família ou de quem lhes rodeia, que lhes lança constantemente e recomendações sobre o que fazer ou não fazer, é uma ação defensiva.

E em geral, o problema é que é simplesmente jovem e tem problemas. É difícil de entender, mas é uma realidade.
Fonte: Fábio Oliveira