Autora: Délia
Steinberg Guzmán, Filósofa
Agora, voltamo-nos para outro aspecto. Nosso mundo,
nosso angustiado século XX, chove sobre molhado e aumenta a angústia dos
jovens. Vamos assinalar alguns dos aspectos que agravam enormemente a situação
do jovem.
Como filósofos, talvez sejamos forçados a começar
pelo que consideramos o mais terrível, o pior de tudo, que é a abordagem errada
à educação, uma educação que não é dirigida aos jovens, completamente
estereotipada e só leva em consideração os estudos em si, mas não o ser humano
que os vai receber ou realizar.
O resultado é que os mais velhos lançam os jovens, sem qualquer preparação, a
um mundo cruel e competitivo, sentindo-se estes incapacitados de prover-se por
si mesmos nestas circunstâncias; ou os superprotegem e os mantém continuamente
presos, impedindo-os de provar suas forças e lançar-se neste mundo, o qual,
mais cedo ou mais tarde, terá que enfrentar. Ou por falta ou por excesso, o
jovem fica com uma educação deficiente e não pode se manifestar no mundo.
Em geral, os adultos podem cometer o erro típico de
censurar o jovem que já não é mais uma criança e que tampouco é maduro, o que
significa dizer-lhe que não é ninguém. Agora se fala muito de marginais, mas
é que, sem querer nós mesmos os tornamos marginais, porque já não sabem o que
são. E do marginal psicológico à delinqüência prática, às vezes, há apenas um
passo. É romper uma barreira que pode ser pequena ou grande. No
começo, se questionava a autoridade moral dos pais, mas acaba por questionar
qualquer outra forma de autoridade, de modo que a vida social é praticamente
impossível, e o jovem não reconhece e não respeita absolutamente nada. Como se
isso não bastasse, explora-se cruelmente esta situação da juventude, aproveitando
esta facilidade para o entusiasmo que há no jovem, esta facilidade para odiar e
para amar, para embarcar em grandes aventuras, explorando com uma propaganda
absolutamente indigna, já que costuma manifestar-se em forma de moda, que vão
desde roupas até formas anárquicas de vida, desde as drogas até o ateísmo,
desde a tática de irresponsabilidade pessoal até a rejeição a qualquer ordem
estabelecida.
Uma juventude saudável não poderia ser explorada.
Portanto, prometem-lhe mil e um paraísos impossíveis que nunca chegam e se
chegam ainda são preocupantes, porque ainda há terreno para cultivar essa
propaganda angustiante e continuar criando jovens que não sabem o que fazer com
suas próprias vidas.
Como se isso não bastasse, surgem as respostas
naturais que não devem surpreender-nos em absoluto. Hoje está na moda a apatia,
mas é lógico, já que a passividade não é mais que um grito de angústia, uma
maneira de dizer: o que posso fazer? Quando o jovem procura trabalho, pedem-lhe
experiência. O jovem quer ser melhor, quer ser diferente, quer alcançar um
ideal, quer formar uma família, mas o único caminho é que os pais lhe façam um
lugar. Ou senão terá que esperar muito e não se sabe o que vai fazer nem
quando. Se estuda, tampouco tem a possibilidade, na maioria dos casos, de
aplicar o que estuda e terá logo que fazer qualquer outra coisa para ganhar a
vida, para comer.
A esta angústia começa a se juntar outra: a
juventude vai marchando e o jovem começa a se dar conta de que não fez
absolutamente nada. É lógico ser apático nestas circunstâncias. E, claro, é
lógico se dedicar ao protesto, tanto passivo e estéril, como agressivo e
violento. E depois há estatísticas que falam da "solução" para a
busca infrutífera que é a interrupção voluntária da própria vida.
Antes, quando se faziam pesquisas entre a juventude
sobre os aspectos que mais lhe interessavam, destacavam no topo os valores
estéticos, os valores morais, as necessidades metafísicas e as preocupações
religiosas. Agora, as pesquisas mostram, em primeiro lugar, o bem estar
pessoal, o dinheiro, o amor e, em seguida, algumas questões mais abstratas. Mas a primeira coisa
a notar é a segurança, a tranqüilidade, o
bem-estar.
Realmente se sente assim, ou a juventude foi empurrada a sentir e pensar dessa
maneira?
Devemos perguntar se realmente os grandes sonhos da
juventude morreram. Cremos que não, mas custa muito encontrá-los, e custa muito
fazer um jovem confessar quais são seus grandes sonhos, pois os profissionais
das entrevistas afirmam que os jovens não costumam responder a verdade.
Inclinamo-nos a pensar que os grandes sonhos estão
lá, mas temos que saber encontrá-los. São sonhos que eliminariam pouco a pouco
a angústia, mas para isso precisam tornar-se realidade.
Não há nenhum jovem que, fisicamente, não goste da
beleza. Nem há qualquer jovem que rejeite a harmonia nem o bom gosto. Quando se
rejeita é como um protesto e não porque não se ame o estético, o bonito, o
agradável. A outra expressão é cuspir na cara do que não podem ter. Todos os
jovens amam a saúde e gostam de se sentir fortes, no entanto, danificam a
saúde, atentam contra o próprio corpo e destroem-no como uma recusa por pensar
que afinal não há nada a fazer.
Os jovens podem negá-lo exteriormente, mas todos
têm, no fundo, sentimentos puros e nobres. Ninguém gosta de sentimentos
oscilantes, do que é hoje, mas não será amanhã, do que nos mantém sempre
atormentados, angustiados e inquietos. Todo jovem sonha com a eternidade. Todo
o jovem tem em um lugar privilegiado o conceito de amor, ainda que não queira
confessar. Todo o jovem sonha com coisas limpas, puras, brilhantes e
maravilhosas, ainda que não queira reconhecer.
Anarquia e desordem existem, mas são formas de
sofrimento. Não há nenhum jovem que, intelectualmente, não busque a sabedoria.
A inquietude, o desejo de investigação, conhecer cada vez mais coisas, é algo
próprio da juventude. É como uma ânsia incontrolável de penetrar em todos os
segredos do mundo.
O jovem quer saber, mas isso é difícil, porque às
vezes tem que começar a retirar os véus, remover a ignorância e acender tochas
no meio da escuridão. Às vezes, tem que descobrir que a ciência não só destrói,
mas também constrói, que a investigação nos aproxima das leis mais íntimas da
natureza, que a ficção científica não é suficiente para preencher todas as
nossas horas, mas que existem leis genuínas que podemos conhecer sem cair em
ficções. Às vezes temos que destruir falsos conceitos e descobrir toda a beleza
que há na arte, com mensagens verdadeiras, e despejar estas outras farsas que
às vezes temos que aceitar porque está na moda fazer isso. Às vezes, é
necessário mostrar ao jovem que não é que seja ateu, mas não há nada bom ou
nobre em que acreditar e que até mesmo a imagem e idéia de Deus têm sido
abastardadas e sujas. Às vezes, temos que ensinar ao jovem que deve começar a
recuperar a fé em si mesmo, para levantar-se progressivamente pela escada da fé
em todas as coisas até chegar a Deus.
Quem nunca quis ou quer mudar o mundo?
Quem já não sonhou com esta revolução constante que
nos permita eliminar todos os males e todas as injustiças?
Mas é bom ter a idéia de que esta revolução deve
começar por si mesmo, dedicando-se ao trabalho, à responsabilidade pessoal e a
uma ambição saudável que seja uma força constante que nos leve para frente. Não
uma ambição sem limites, mas que leve cada vez mais em conta o respeito pelos
outros.
Não há nenhum jovem que não sonhe com a felicidade.
A felicidade existe e não é apenas a satisfação material, nem instintiva, mas
algo mais com o que seguimos sonhando, sem saber exatamente onde a vamos
encontrar. Diziam os estóicos que a felicidade absoluta não se encontra nesta
terra, mas, no entanto, a cada dia podemos encontrá-la, se aprendermos a
buscá-la com perseverança, com paciência, com discernimento, sabendo distinguir
aquilo que nos convém e o que não nos convém.
Não há tampouco nenhum jovem que não sonhe com a
liberdade, com esta possibilidade de voar, porque a liberdade para o jovem não
é fazer qualquer coisa, mas saber que é o que quer fazer, e aonde se quer
chegar com o que está fazendo. Não há nenhum jovem que não sonhe com essa
liberdade interior para a qual não existem barreiras, para a qual não há nem
mesmo a morte.
A grande pergunta que agora nos fazemos é se ainda
existem jovens. Existem? Ou estamos condenados a ver apenas meninos com cara de
adultos? Não nos assusta observar em nossos pequenos um olhar muito profundo
para a sua idade, ou uma seriedade que inclui a censura, desde os primeiros
momentos da sua vida? Também temos adultos vestidos de adolescentes que não
foram capazes de superar a angústia juvenil. Temos que ultrapassar esta
dualidade perpétua em que vivemos, sobretudo o jovem, que deve responder tanto
às funções de seu instinto animal quanto aos seus sonhos mais sublimes, consciente
por um lado de que é capaz de realizar proezas semelhantes às dos grandes
livros, e por outro de que também pode ser um animal que se arrasta pelo chão.
Temos que acabar com esta luta. Mas, para acabar com uma luta, não há escolha
senão lutar. Em um velho e sagrado texto do Antigo Oriente, no Bhagavad Gita,
há um homem ideal chamado Arjuna, que se encontra no momento exato da luta. Vai
começar a lutar, e deve decidir-se naquele momento. Sofre desesperadamente. A
angústia de Arjuna 5000 anos atrás não tem nenhuma diferença com a angústia que
apresentam os tratados vigentes da Psicologia: é o mesmo desespero.
Arjuna tem todo o seu mundo animal e instintivo a
um lado, e ao outro, todas as suas sublimes aspirações, as maiores, as
melhores. Tem que decidir, escolher, romper com o estado intermediário, com a
instabilidade, tem que passar pela prova definitiva.
Quando nas civilizações antigas os jovens eram
submetidos a provas antes de aceitá-los como adultos na sociedade, não se agia
de qualquer maneira, nem se agia para cumprir determinados ritos mágicos sem
qualquer significado, mas os provava de forma muito especial. Era uma prova de
"coragem", "decisão", era o momento da batalha, da escolha,
de colocar em jogo o discernimento. "Atreva-se e é certo que sairá
vitorioso".
Nos mesmos erros identificados como raiz e causa da
angústia juvenil, estão as respostas que buscamos. Temos somente que inverter o
erro, dar-lhes um sentido contrário e torná-los solução. Soluções de todos os
tipos, desde as espirituais, intelectuais, emocionais, físicas e biológicas até
soluções reais, práticas e concretas.
Temos que lembrar algo muito importante, é que,
além da angústia juvenil, na juventude se concentram as potências máximas; e
que para ser jovem, não é preciso somente ter um corpo jovem, mas há uma eterna
juventude que é a da Alma, que tem a capacidade de se manifestar, sempre e
quando ainda haja possibilidade de sonhar, e sempre quando ainda haja
possibilidade de realizar esses sonhos. E devemos lembrar também que se é jovem,
eternamente jovem e sem angústia, quando com sonhos e com forças para induzir
os sonhos, se aprende a andar com uma tocha, uma velha e conhecida tocha que os
homens de antes e os de hoje e os de sempre chamam Esperança, Esperança juvenil
e não angústia juvenil.
Fonte: Fábio Oliveira