quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

CONSCIÊNCIA ECOLÓGICA GLOBAL

 
Autor: Antídio Santos Pereira Teixeira
[EcoDebate] Muitas são as pessoas que estão abraçando causas ambientais pouco significativas ao objetivo comum de preservação da vida terrestre como “um todo”. Umas se lançam em defesa de espécies vegetais ou animais em processo de extinção; outras defendem programas de racionamento de água; grupos se lançam na coleta do lixo para reciclagem; ainda há as que indicam o replantio de florestas como sendo uma licença para continuarem a esbanjar diversos recursos naturais, e assim por diante.
O que a quase, totalidade da humanidade não percebe é que o denominador comum da degradação do meio ambiente é o consumo excessivo de energia originada de fontes poluentes além da capacidade de regeneração natural dos seus rejeitos”.
Considere-se que toda a evolução científica e tecnológica desenvolvidas nos últimos 250 anos, que denominamos como Revolução Industrial, teve como base o calor liberado com a queima de combustíveis fósseis para ser transformada em outras formas de energia consumida como a motriz, a elétrica, a luminosa, entre outras menos cotadas.
Como o volume de gases tóxicos efluentes de tais combustões tem sido maior do que a capacidade regenerativa natural do planeta, estes vêm se acumulando no meio ambiente em geral, em especial nos mares e na atmosfera, adulterando nesta a sua integridade primitiva e promovendo o desequilíbrio nefasto e catastrófico já sentido no clima em todo o mundo. As correntes aéreas e marítimas sofreram alterações extemporâneas que, até então, eram imperceptíveis pelos humanos, mas que desnortearam as rotas migratórias de aves e peixes que não tiveram o tempo geneticamente necessário para se adaptarem às novas condições ambientais, fenômeno que se realiza através de múltiplas gerações das espécies.
A fome de consumo de bens e serviços vem determinando a voracidade de devastação das florestas nativas como fonte de matérias primas mais baratas, mas que são elas habitat da vida natural; assim como os estilos de vida propostos para humanidade, visando o consumo crescente indiscriminado, estimulam a ganância pelo lucro pelo qual as minorias dominantes esbanjam bens e serviços supérfluos enquanto as maiorias em todo o mundo sofrem com o desemprego e meios de sustentabilidade digna.
A energia nuclear que, ainda hoje, é apresentada como esperança para manutenção do sistema econômico vigente no mundo, não passa de uma ilusão tão grave como foi, no passado, a ideia de utilização da matéria fossilizada abundante como combustível barato para promover o progresso. Ninguém teve a percepção, ou quem teve se omitiu, das consequências que trariam os gases cumulativos no meio ambiente futuro (hoje), assim como as autoridades de hoje, no afã de corrigir os desequilíbrios socioeconômicos, em especial o desemprego e a má distribuição de renda que afligem a humanidade no momento, fecham os olhos para as drásticas consequências que já começam a aflorar por todas as partes do planeta em formas, intensidades e localizações imprevisíveis, causando prejuízos socioeconômicos irreparáveis para os atingidos.
Os interesses econômicos empresariais, dependentes do consumo crescente de bens e serviços para manutenção dos seus lucros, subvencionam a mídia para destorcer a visão dessa realidade.
Mas, a mais pura verdade é que não pode existir nenhuma fórmula mágica para reequilibrar o sistema econômico predominante no mundo sem agravar a situação do meio ambiente. É compreensível se contemplarmos a dinâmica evolutiva de formação das matérias componentes da atual crosta terrestre através dos milênios de maturação.
Entenda-se que tudo isso ocorre porque “tudo que se faz para satisfazer as necessidades humanas, sejam elas naturais ou supérfluas, depende do consumo de diversas formas de energia”.
Considerando-se que a maior parte delas procede da queima de combustíveis fósseis, e que as formas alternativas e não poluentes ou recicláveis ficam mais caras em moedas correntes, continuamos marchando inconscientemente para crescentes manifestações de fenômenos catastróficos de efeitos cada vez mais nocivos a todas as formas de vida, sejam elas vegetais, animais, humanas, africanas, americanas, asiáticas europeias, pobres, ricas, ignorantes, letradas ou cultas, etc. O castigo atingirá a todas de forma indiscriminada.
Diante do exposto, sugiro a todos os ambientalistas que atuam em áreas específicas, que acrescentem em suas metas programas que visem, em primeiro lugar, a substituição de combustíveis fósseis pelos fluxos de energia limpa e pelas renováveis; paralelamente, à redução do consumo de bens e serviços não essenciais à manutenção de um padrão de vida digno.
Assim, estarão defendendo o equilíbrio ambiental como “Um Todo” e não, apenas, algumas partes complementares.
EcoDebate, 28/02/2013
-

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

ANGÚSTIA JUVENIL - PARTE II

 
Autora: Délia Steinberg Guzmán, Filósofa
Agora, voltamo-nos para outro aspecto. Nosso mundo, nosso angustiado século XX, chove sobre molhado e aumenta a angústia dos jovens. Vamos assinalar alguns dos aspectos que agravam enormemente a situação do jovem.
Como filósofos, talvez sejamos forçados a começar pelo que consideramos o mais terrível, o pior de tudo, que é a abordagem errada à educação, uma educação que não é dirigida aos jovens, completamente estereotipada e só leva em consideração os estudos em si, mas não o ser humano que os vai receber ou realizar. O resultado é que os mais velhos lançam os jovens, sem qualquer preparação, a um mundo cruel e competitivo, sentindo-se estes incapacitados de prover-se por si mesmos nestas circunstâncias; ou os superprotegem e os mantém continuamente presos, impedindo-os de provar suas forças e lançar-se neste mundo, o qual, mais cedo ou mais tarde, terá que enfrentar. Ou por falta ou por excesso, o jovem fica com uma educação deficiente e não pode se manifestar no mundo.
Em geral, os adultos podem cometer o erro típico de censurar o jovem que já não é mais uma criança e que tampouco é maduro, o que significa dizer-lhe que não é ninguém. Agora se fala muito de marginais, mas é que, sem querer nós mesmos os tornamos marginais, porque já não sabem o que são. E do marginal psicológico à delinqüência prática, às vezes, há apenas um passo. É romper uma barreira que pode ser pequena ou grande. No começo, se questionava a autoridade moral dos pais, mas acaba por questionar qualquer outra forma de autoridade, de modo que a vida social é praticamente impossível, e o jovem não reconhece e não respeita absolutamente nada. Como se isso não bastasse, explora-se cruelmente esta situação da juventude, aproveitando esta facilidade para o entusiasmo que há no jovem, esta facilidade para odiar e para amar, para embarcar em grandes aventuras, explorando com uma propaganda absolutamente indigna, já que costuma manifestar-se em forma de moda, que vão desde roupas até formas anárquicas de vida, desde as drogas até o ateísmo, desde a tática de irresponsabilidade pessoal até a rejeição a qualquer ordem estabelecida.
Uma juventude saudável não poderia ser explorada. Portanto, prometem-lhe mil e um paraísos impossíveis que nunca chegam e se chegam ainda são preocupantes, porque ainda há terreno para cultivar essa propaganda angustiante e continuar criando jovens que não sabem o que fazer com suas próprias vidas.
Como se isso não bastasse, surgem as respostas naturais que não devem surpreender-nos em absoluto. Hoje está na moda a apatia, mas é lógico, já que a passividade não é mais que um grito de angústia, uma maneira de dizer: o que posso fazer? Quando o jovem procura trabalho, pedem-lhe experiência. O jovem quer ser melhor, quer ser diferente, quer alcançar um ideal, quer formar uma família, mas o único caminho é que os pais lhe façam um lugar. Ou senão terá que esperar muito e não se sabe o que vai fazer nem quando. Se estuda, tampouco tem a possibilidade, na maioria dos casos, de aplicar o que estuda e terá logo que fazer qualquer outra coisa para ganhar a vida, para comer.
A esta angústia começa a se juntar outra: a juventude vai marchando e o jovem começa a se dar conta de que não fez absolutamente nada. É lógico ser apático nestas circunstâncias. E, claro, é lógico se dedicar ao protesto, tanto passivo e estéril, como agressivo e violento. E depois há estatísticas que falam da "solução" para a busca infrutífera que é a interrupção voluntária da própria vida.
Antes, quando se faziam pesquisas entre a juventude sobre os aspectos que mais lhe interessavam, destacavam no topo os valores estéticos, os valores morais, as necessidades metafísicas e as preocupações religiosas. Agora, as pesquisas mostram, em primeiro lugar, o bem estar pessoal, o dinheiro, o amor e, em seguida, algumas questões mais abstratas.   Mas  a  primeira  coisa      a   notar é a segurança, a tranqüilidade, o bem-estar.

Realmente se sente assim, ou a juventude foi empurrada a sentir e pensar dessa maneira?
Devemos perguntar se realmente os grandes sonhos da juventude morreram. Cremos que não, mas custa muito encontrá-los, e custa muito fazer um jovem confessar quais são seus grandes sonhos, pois os profissionais das entrevistas afirmam que os jovens não costumam responder a verdade.
Inclinamo-nos a pensar que os grandes sonhos estão lá, mas temos que saber encontrá-los. São sonhos que eliminariam pouco a pouco a angústia, mas para isso precisam tornar-se realidade.
Não há nenhum jovem que, fisicamente, não goste da beleza. Nem há qualquer jovem que rejeite a harmonia nem o bom gosto. Quando se rejeita é como um protesto e não porque não se ame o estético, o bonito, o agradável. A outra expressão é cuspir na cara do que não podem ter. Todos os jovens amam a saúde e gostam de se sentir fortes, no entanto, danificam a saúde, atentam contra o próprio corpo e destroem-no como uma recusa por pensar que afinal não há nada a fazer.
Os jovens podem negá-lo exteriormente, mas todos têm, no fundo, sentimentos puros e nobres. Ninguém gosta de sentimentos oscilantes, do que é hoje, mas não será amanhã, do que nos mantém sempre atormentados, angustiados e inquietos. Todo jovem sonha com a eternidade. Todo o jovem tem em um lugar privilegiado o conceito de amor, ainda que não queira confessar. Todo o jovem sonha com coisas limpas, puras, brilhantes e maravilhosas, ainda que não queira reconhecer.
Anarquia e desordem existem, mas são formas de sofrimento. Não há nenhum jovem que, intelectualmente, não busque a sabedoria. A inquietude, o desejo de investigação, conhecer cada vez mais coisas, é algo próprio da juventude. É como uma ânsia incontrolável de penetrar em todos os segredos do mundo.
O jovem quer saber, mas isso é difícil, porque às vezes tem que começar a retirar os véus, remover a ignorância e acender tochas no meio da escuridão. Às vezes, tem que descobrir que a ciência não só destrói, mas também constrói, que a investigação nos aproxima das leis mais íntimas da natureza, que a ficção científica não é suficiente para preencher todas as nossas horas, mas que existem leis genuínas que podemos conhecer sem cair em ficções. Às vezes temos que destruir falsos conceitos e descobrir toda a beleza que há na arte, com mensagens verdadeiras, e despejar estas outras farsas que às vezes temos que aceitar porque está na moda fazer isso. Às vezes, é necessário mostrar ao jovem que não é que seja ateu, mas não há nada bom ou nobre em que acreditar e que até mesmo a imagem e idéia de Deus têm sido abastardadas e sujas. Às vezes, temos que ensinar ao jovem que deve começar a recuperar a fé em si mesmo, para levantar-se progressivamente pela escada da fé em todas as coisas até chegar a Deus.
Quem nunca quis ou quer mudar o mundo?
Quem já não sonhou com esta revolução constante que nos permita eliminar todos os males e todas as injustiças?
Mas é bom ter a idéia de que esta revolução deve começar por si mesmo, dedicando-se ao trabalho, à responsabilidade pessoal e a uma ambição saudável que seja uma força constante que nos leve para frente. Não uma ambição sem limites, mas que leve cada vez mais em conta o respeito pelos outros.
Não há nenhum jovem que não sonhe com a felicidade. A felicidade existe e não é apenas a satisfação material, nem instintiva, mas algo mais com o que seguimos sonhando, sem saber exatamente onde a vamos encontrar. Diziam os estóicos que a felicidade absoluta não se encontra nesta terra, mas, no entanto, a cada dia podemos encontrá-la, se aprendermos a buscá-la com perseverança, com paciência, com discernimento, sabendo distinguir aquilo que nos convém e o que não nos convém.
Não há tampouco nenhum jovem que não sonhe com a liberdade, com esta possibilidade de voar, porque a liberdade para o jovem não é fazer qualquer coisa, mas saber que é o que quer fazer, e aonde se quer chegar com o que está fazendo. Não há nenhum jovem que não sonhe com essa liberdade interior para a qual não existem barreiras, para a qual não há nem mesmo a morte.
A grande pergunta que agora nos fazemos é se ainda existem jovens. Existem? Ou estamos condenados a ver apenas meninos com cara de adultos? Não nos assusta observar em nossos pequenos um olhar muito profundo para a sua idade, ou uma seriedade que inclui a censura, desde os primeiros momentos da sua vida? Também temos adultos vestidos de adolescentes que não foram capazes de superar a angústia juvenil. Temos que ultrapassar esta dualidade perpétua em que vivemos, sobretudo o jovem, que deve responder tanto às funções de seu instinto animal quanto aos seus sonhos mais sublimes, consciente por um lado de que é capaz de realizar proezas semelhantes às dos grandes livros, e por outro de que também pode ser um animal que se arrasta pelo chão. Temos que acabar com esta luta. Mas, para acabar com uma luta, não há escolha senão lutar. Em um velho e sagrado texto do Antigo Oriente, no Bhagavad Gita, há um homem ideal chamado Arjuna, que se encontra no momento exato da luta. Vai começar a lutar, e deve decidir-se naquele momento. Sofre desesperadamente. A angústia de Arjuna 5000 anos atrás não tem nenhuma diferença com a angústia que apresentam os tratados vigentes da Psicologia: é o mesmo desespero.
Arjuna tem todo o seu mundo animal e instintivo a um lado, e ao outro, todas as suas sublimes aspirações, as maiores, as melhores. Tem que decidir, escolher, romper com o estado intermediário, com a instabilidade, tem que passar pela prova definitiva.
Quando nas civilizações antigas os jovens eram submetidos a provas antes de aceitá-los como adultos na sociedade, não se agia de qualquer maneira, nem se agia para cumprir determinados ritos mágicos sem qualquer significado, mas os provava de forma muito especial. Era uma prova de "coragem", "decisão", era o momento da batalha, da escolha, de colocar em jogo o discernimento. "Atreva-se e é certo que sairá vitorioso".
Nos mesmos erros identificados como raiz e causa da angústia juvenil, estão as respostas que buscamos. Temos somente que inverter o erro, dar-lhes um sentido contrário e torná-los solução. Soluções de todos os tipos, desde as espirituais, intelectuais, emocionais, físicas e biológicas até soluções reais, práticas e concretas.
Temos que lembrar algo muito importante, é que, além da angústia juvenil, na juventude se concentram as potências máximas; e que para ser jovem, não é preciso somente ter um corpo jovem, mas há uma eterna juventude que é a da Alma, que tem a capacidade de se manifestar, sempre e quando ainda haja possibilidade de sonhar, e sempre quando ainda haja possibilidade de realizar esses sonhos. E devemos lembrar também que se é jovem, eternamente jovem e sem angústia, quando com sonhos e com forças para induzir os sonhos, se aprende a andar com uma tocha, uma velha e conhecida tocha que os homens de antes e os de hoje e os de sempre chamam Esperança, Esperança juvenil e não angústia juvenil.
Fonte: Fábio Oliveira

POPULAÇÃO E DESENVOLVIMENTO (IN)SUSTENTÁVEL

 
Autor: José Eustáquio Diniz Alves
 [EcoDebate] A discussão sobre população e desenvolvimento teve início no século XVIII, durante e após as Revoluções Sociais da Inglaterra (Revolução Gloriosa de 1688-89), dos Estados Unidos (Independência em 1776), da França (Revolução Francesa de 1789) e da Revolução Industrial e Energética. O fato é que, pela primeira vez na história da humanidade, abriu-se a possibilidade de um rápido crescimento dos fatores de produção (capital e trabalho, para além das disponibilidades de terra agricultável), junto a um processo que possibilitou o aumento continuado e de longo prazo da renda nacional per capita (significando maior produção por trabalhador).
Os iluministas do século das luzes eram defensores da ideia de progresso, e o desenvolvimento econômico dos séculos XIX e XX foi a maneira em que se materializou o avanço das forças produtivas. O “sucesso” de alguns países tornou o desenvolvimento um ideal a ser atingido por todos os povos. O crescimento econômico passou a ser considerado uma meta altamente desejável e um objetivo nacional inquestionável. Mas as visões sobre o crescimento populacional jamais tiveram a mesma unanimidade.
Ainda no século XVIII, alguns autores, como Adam Smith, William Godwin, o Marquês de Condorcet e David Ricardo viam o crescimento populacional como positivo para o crescimento econômico, enquanto Thomas Malthus achava que o crescimento populacional inviabilizaria qualquer ideia de desenvolvimento e crescimento da renda per capita (Malthus não enxergava a possibilidade de redução da pobreza no longo prazo).
Karl Marx também acreditava no desenvolvimento e não se preocupava com o problema populacional, pois defendia uma revolução nas relações sociais para que a população revolucionária (o proletariado) liderasse o progresso das forças produtivas e a melhoria da qualidade de vida das classes trabalhadoras. Este foi o caminho tentado na prática por Vladimir Lenin na Rússia e que serviu de inspiração para outras experiências socialistas. Lenin dizia que desenvolver é eletrificar e construir uma industria pesada. As experiências socialistas tiveram sucesso na mudança das relações de produção, mas foram um fracasso na implementação de uma nova base técnica mais amigável ao meio ambiente.
Os economistas Alfred Marshall, John Maynard Keynes e Gunnar Myrdal, dentre outros, defendiam a ideia de desenvolvimento capitalista com inclusão social e expansão das políticas públicas, o que foi colocado em prática após a Segunda Guerra Mundial em partes da Europa, no chamado Estado do Bem-Estar Social (Welfare State).
Nos países desenvolvidos e nos países socialistas o crescimento econômico e o aumento da renda per capita (juntamente com o aumento da urbanização, da educação, das condições de moradia, saúde, etc.) vieram acompanhados da transição demográfica, que é o processo de redução das taxas brutas de mortalidade e natalidade. Num primeiro momento, taxas de fecundidade próximas do nível de reposição (2,1 filhos por mulher) fizeram desaparecer as preocupações com o chamado “problema populacional” nos países desenvolvidos. A ideia era que o desenvolvimento resolveria os desafios populacionais. Porém, a população continuou sendo vista como um entrave nos países pobres, ou do Terceiro Mundo (na denominação de Alfred Sauvy), também chamados de países subdesenvolvidos, em desenvolvimento ou emergentes.
Os economistas e demógrafos W.W. Rostow, Arthur Lewis, Edgar Hoover e Ansley Coale escreveram sobre o processo de desenvolvimento no Terceiro Mundo e todos consideravam que o rápido crescimento populacional poderia ser um entrave ao desenvolvimento, na medida em que a alta carga de dependência demográfica das crianças e jovens seria concorrente do processo de formação da poupança agregada, indispensável para a elevação das taxas de investimento. Portanto, estes autores consideram que o caminho para o desenvolvimento no Terceiro Mundo estaria na redução do crescimento populacional e na manutenção de altas taxas de formação bruta de capital fixo, necessárias para a decolagem (take off) do desenvolvimento e a geração de emprego produtivo, com o consequente aumento da renda per capita.
Foi para resolver o problema populacional que se difundiu as prescrições neomalthusianas. Registra-se que, ao contrário de Malthus, os neomalthusianos propunham o freio da população por meio da limitação da fecundidade e não do aumento da mortalidade. Malthus achava que era impossível acabar com a pobreza. Os neomalthusianos acreditavam que seria possível acabar com a pobreza e avançar com o desenvolvimento econômico promovendo a transição da fecundidade.
Este debate, ganhou destaque nas décadas de 1960 e 1970 e esteve no centro das discussões da Conferência sobre População de Bucareste, em 1974. Os países ricos queriam promover o controle da natalidade, enquanto os países pobres queriam impulsionar o desenvolvimento. Venceram os segundos, com a seguinte palavra de ordem: “O desenvolvimento é o melhor contraceptivo”. Nota-se que, mais uma vez, o desenvolvimento foi apresentado e assumido como a solução para os problemas populacionais.
Todavia, as taxas de fecundidade caíram para níveis muito baixos (lowest-low fertility) na maioria dos países com alto nível de renda per capita, colocando em dúvidas a capacidade de reposição das gerações e acirrando os prognósticos sombrios sobre o envelhecimento da estrutura etária. Desta forma, por vias inversas, o “problema populacional” volta à cena dos países desenvolvidos. Mas ao invés da “explosão populacional” o desafio agora é a “implosão populacional”.
Por outro lado, a ideia de desenvolvimento já começava a ser questionada de maneira mais forte no início da década de 1970. O alerta foi dado pelo Clube de Roma e pelo relatório “Os limites do Crescimento” de Dennis e Donella Meadows, do Massachusetts Institute of Technology (MIT). Com a crise do petróleo nos anos 1970 e o agravamento das condições ambientais no mundo, foi lançado o estudo “Nosso Futuro Comum” (Our Common Future), também conhecido como relatório Brundland, publicado pela ONU em 1987. É a partir do relatório Brundland que se adota a clássica definição de “Desenvolvimento sustentável”: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”.
O relatório aponta para as seguintes medidas que devem ser tomadas pelos países para promover o desenvolvimento sustentável: limitação do crescimento populacional; garantia de recursos básicos; preservação da biodiversidade e dos ecossistemas; diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias com uso de fontes energéticas renováveis; aumento da produção industrial nos países não-industrializados com base em tecnologias ecologicamente adaptadas; atendimento das necessidades básicas (saúde, escola, moradia), etc.
De certa forma estas medidas foram contempladas no documento da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Cúpula da Terra, ou Rio/92. Porém, duas décadas adiante, durante a Rio + 20, diversos estudos mostraram que o “desenvolvimento sustentável” não tem sido nada mais do que uma maquiagem verde que mantêm os fundamentos da degradação ambiental. A chamada “Curva ambiental de Kuznets” tem servido apenas como um instrumento ideológico que tenta justificar a necessidade de aprofundamento do desenvolvimento econômico, pois a degradação ambiental só aumenta com o crescimento econômico.
Na verdade, tem avolumado o número de pessoas que consideram o desenvolvimento não como uma solução, mas como um problema, pois existe uma alta correlação entre crescimento econômico e destruição das fontes naturais da vida e da biodiversidade. Mesmo quando se vinculam os aspectos humano, social e qualidade de vida, o padrão de produção e consumo continua tendo um impacto negativo sobre os recursos ambientais. O problema não está apenas no desenvolvimento econômico e social, mas também no chamado desenvolvimento sustentável.
É claro que um desenvolvimento humano e “sustentável” é melhor do que o desenvolvimento selvagem e insustentável. Porém, a ideia de desenvolvimento socialmente justo e ambientalmente sustentável tem sido incapaz de resolver os graves problemas que estão se acumulando no mundo, tais como o aquecimento global e a depleção dos ecossistemas. O capitalismo não consegue ser ao mesmo tempo socialmente inclusivo, justo e ambientalmente sustentável. Adicionalmente, a ideia de desenvolvimento humano acaba por reforçar o viés antropocêntrico que coloca o bem-estar do homo sapiens acima do bem-estar dos demais seres vivos e do Planeta.
Desta forma, cresce, em todo o mundo, a percepção de que todo e qualquer tipo de desenvolvimento é prejudicial ao meio ambiente, na medida em que é baseado no modelo de aumento do consumo e da produção material. Por conta disto, alguns autores falam em desenvolvimento sem crescimento, como Tim Jackson no livro: “Prosperity without growth? The transition to a sustainable economy”, enquanto outros falam em Decrescimento, como Serge Latouche no livro “Pequeno tratado do decrescimento sereno” (Martins Fontes, 2009). A expressão “desenvolvimento sustentável” passou a ser vista como um oximoro. O mesmo acontece com o conceito de “economia verde” que também é visto como uma contradição em termos.
O certo é que as formulações envolvendo o crescimento econômico, o desenvolvimento social e a dinâmica populacional não estão livres de críticas. O desenvolvimento é um processo complexo, com diversos efeitos indesejáveis, não estando, portanto, livre e acima das considerações minuciosas e da repreensão explícita. A única certeza atual é que os conceitos de população e desenvolvimento precisam ser mais debatidos e problematizados, especialmente quando se leva em conta o paradigma ecocêntrico.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
EcoDebate, 25/01/2013
 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A INTELIGÊNCIA HUMANA E A "UNANIMIDADE BURRA DE SOLOMAN ASCH"

Autor: José Eustáquio Diniz Alves
[EcoDebate] A Terra tem cerca de 4,7 bilhões de anos. A vida no Planeta surgiu há cerca de 3,5 bilhões de anos no período Arqueano, mas se ampliou e diversificou nos últimos 550 milhões de anos. Os dinossauros, por exemplo, povoaram a Terra entre 250 e 65 milhões de anos atrás. Diversas formas de vida surgiram e desapareceram, mas a riqueza da diversidade está em torno de 9 milhões de espécies atualmente. O ser humano (homo sapiens) é uma das espécies caçulas do Planeta e adquiriu sua atual compleição física e mental há cerca de 200 mil anos.
Mas a despeito de ser uma espécie “caloura” na Terra, o ser humano se acha superior às demais espécies e se considera o dono do mundo. O raciocínio e a inteligência são as armas do poderio humano. Mesmo que de maneira heterogênea, alguns seres humanos, especialmente os mais egoístas, simplesmente se acham no direito de dominar e explorar a natureza e as demais espécies. Outros, mais altruístas, se consideram apenas como “guardiães e cuidadores de toda a criação”. Em geral, a ideia de “superioridade humana” varia de grau, mas é amplamente aceita e é um fenômeno generalizado.
Porém, a vida no planeta Terra se desenvolveu de maneira espetacular independentemente da inteligência humana. A biodiversidade se expandiu e se contraiu de acordo com as condições climáticas e as eras geológicas. Cada continente criou suas próprias formas de vida e cada região possibilitou o desenvolvimento de espécies endêmicas, com suas belezas particulares. Durante milhões de anos, a vida seguiu o seu ciclo e o resultado da evolução das espécies foi de uma riqueza incalculável.
Todavia, o homo sapiens, com sua inteligência e raciocínio instrumental, conquistou todo o Planeta, embora sem se importar muito com os direitos de existência dos ecossistemas e a estabilidade do clima da Terra. O ser humano está criando, inadvertidamente, uma nova era geológica, o Antropoceno. Nesta nova era geológica, a civilização humana cresce e ocupa todos os espaços, mas a diversidade da vida se reduz e se restringe no espaço. No rumo atual, a inteligência humana está criando, de maneira não antecipada, uma estrada para o ecocídio
No geral, a progressão humana tem significado regressão ambiental. Mesmo assim, a maioria das pessoas continua louvando a inteligência humana e ignorando os danos que nossa espécie tem causado à Mãe Terra e às demais espécies nossas parentes. Sem dúvida, a humanidade construiu lindas obras arquitetônicas, desenvolveu a ciência, a tecnologia e criou muitos objetos de consumo que são atraentes e desejados. Mas o modelo de desenvolvimento da humanidade não é sustentável e deveríamos questionar até que ponto somos inteligentes, ou vivemos uma grande ilusão coletiva? Somos inteligentes ou nos auto-enganamos? Estamos presos ao Espírito de corpo e ao comportamento de manada?
Para dar uma resposta a estas perguntas é bom recorrer ao estudo de conformidade ao grupo de Solomon Asch, que surgiu a partir do questionamento sobre a capacidade de raciocínio lógico diante das forças sociais que moldam as opiniões e as atitudes das pessoas. O psicólogo Solomon Asch (1907-1996) quis mostrar com seus estudos que os indivíduos tendem a aceitar o errado por conformidade ao grupo.
Os termos “O estudo de conformidade de Solomon Asch” ou “A unanimidade burra de Solomon Asch” surgiram em função de experimentos onde um grupo de pessoas era mantido em uma sala para responder perguntas – em voz alta. Porém, do grupo, apenas uma pessoa desconhecia as condições do teste e tinha que responder por último, enquanto os demais participantes eram atores que estavam no experimento para dar uma resposta incorreta ou contra o raciocínio lógico. Os resultados mostraram que o desejo de pertencer a um grupo fizeram os indivíduos abrirem mão de suas convicções, do pensamento lógico ou da respostas que julgavam certas. No conjunto dos experimentos, três quartos dos participantes escolheram a alternativa errada pelo menos uma vez, cerca de um terço erraram a maioria das respostas e 5% dos voluntários escolheram a opção incorreta todas as vezes.
Desta forma, “A unanimidade burra de Solomon Asch” questiona a capacidade do ser humano utilizar sua inteligência de maneira independente e racionalmente neutra. Ou seja, o desejo e a necessidade de se integrar ao ambiente homogêneo faz com que as pessoas abram mão da capacidade de raciocínio e passem a agir de maneira burra.
Isto é tanto mais verdade quando se considera as ideologias, as religiões, as culturas e, principalmente, a máquina mundial de propaganda de estilos de vida consumistas. As pessoas abrem mão dos seus princípios para copiar o padrão hegemônico de consumo. Os indivíduos se deixam levar pelas opções da maioria e adotam as preferências induzidas pela sociedade do espetáculo e pelo inconsciente coletivo.
Se extrapolarmos as conclusões de Solomon Asch, não é difícil imaginar que ao invés de espécie inteligente e sábia, o ser humano simplesmente segue o efeito manada, se iludindo com o poder do consumismo, mas continuando com um modelo econômico insustentável. Certamente não é uma opção inteligente ignorar todas as consequências negativas da destruição humana na era do Antropoceno.
Por exemplo, a inteligência de Victor Frankenstein criou um monstro, assim como a inteligência científica criou a bomba atômica. A inteligência humana criou o desenvolvimento econômico e o progresso, mas a generalização de um modelo insustentável está gerando um outro Frankenstein, com resultados que podem ser desastrosos.
Porém, nos experimentos de Solomon Asch, 25% das pessoas deram respostas consideradas certas e não se importaram com as alternativas erradas apontadas pelo grupo majoritário. Portanto, existe um percentual relevante de indivíduos que podem ser consideradas independentes do efeito manada e não se constrangem em contrariar as respostas da maioria, permanecendo fiéis à lógica do raciocínio e das opiniões da maioria.
Portanto, é burrice considerar que a inteligência dá direitos excepcionais aos seres humanos, mesmo quando seus efeitos estão destruindo o único lar habitável. A maioria das pessoas – configuradas ou influenciadas pelas agências de propaganda e publicidade – estão seguindo o comportamento de manada que pode resultar na destruição do Planeta.
O Homo sapiens, em certo sentido, está se tornando Homo burrus. O modelo de desenvolvimento atual tem usado a inteligência humana para produzir grandes obras e objetos, mas, ao mesmo tempo, estimula a cegueira e a ignorância quanto aos seus resultados ambientais.
Não é inteligente seguir a “unanimidade burra” e continuar na marcha rumo ao precipício ecológico.
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado em Estudos Populacionais e Pesquisas Sociais da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br
Fonte: EcoDebate.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

ATITUDES FACE À CRISE ATUAL

 
Autor: Leonardo Boff, Filósofo e Teólogo
Ninguém, face à crise, pode ficar indiferente. Urge uma decisão e encontrar uma saída libertadora. É aqui que se encontram várias atitudes para ver qual delas é a mais adequada a fim de evitarmos enganos:
A primeira é a dos catastrofistas: a fuga para o fundo. Estes enfatizam o lado de caos que toda crise encerra. Veem a crise como catástrofe, decomposição e fim da ordem vigente. Para eles a crise é algo anormal que devemos evitar a todo custo. Só aceitam certos ajustes e mudanças dentro da mesma estrutura. Mas o fazem com tantos senões que desfibram qualquer irrupção inovadora.
Contra estes catastrofistas já dizia o bom papa João XXIII referindo-se à Igreja mas valendo para qualquer campo: “A vida concreta não é uma coleção de antigui­dades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado. Vive-se para progredir, embora tirando proveito das experiências do passado, mas para ir sempre mais longe".
A crise generalizada não precisa ser uma queda para o abismo. Vale o que escreveu um suíço que muito ama o Brasil, o filósofo e pedagogo Pierre Furter: “Caracterizar a crise como sinal de um colapso universal é uma maneira sutil e pérfida dos poderosos e dos privilegiados de impedirem, a priori, as mudanças, desvalorizando-as de antemão”.
A segunda atitude é a dos conservadores: a fuga para trás. Estes se orientam pelo passado, olhando pelo retrovisor. Ao invés de explorar as forças positivas contidas na crise atual, fogem para o passado e buscam nas velhas fórmulas soluções para os problemas novos. Por isso são arcaizantes e ineficazes.
Grande parte das instituições políticas e dos organismos econômicos mundiais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC, os G-20, mas também a maioria das Igrejas e das religiões procuram dar solução para os graves problemas mundiais com as mesmas concepções. Favorecem a inércia e freiam soluções inovadoras.
Deixando as coisas como estão fatalmente nos levará ao fracasso se não a uma crise ecológica e humanitária inimaginável. Como as fórmulas passadas esgotaram sua força de convencimento e de inovação, acabam transformando a crise numa tragédia.
A terceira atitude é a dos utopistas: fuga para a frente. Estes pensam resolver a situação-de-crise fugindo para o futuro. Eles se situam dentro do mesmo horizonte que os conservadores, apenas numa direção contrária. Por isso, podem facilmente fazer acordos entre si.
Geralmente, são voluntaristas e se esquecem de que na história só se fazem as revoluções que se fazem. O último slogan não é um pensamento novo. Os críticos mais audazes podem ser também os mais estéreis. Não raro, a audácia contestatória não passa de evasão do confronto duro com a realidade.
Circulam atualmente utopias futuristas de todo tipo, muitas de caráter esotérico, como as que falam de alinhamento de energias cósmicas que estão afetando nossas mentes. Outros projetam utopias fundadas no sonho de que a biotecnologia e a nanotecnologia poderão resolver todos os problemas e tornar imortal a vida humana.
Uma quarta atitude é a dos escapistas: fogem para dentro. Estes dão-se conta do obscurecimento do horizonte e do conjunto das convicções funda­mentais. Mas fazem ouvidos moucos ao alarme ecológico e aos gritos dos oprimidos. Evitam o confronto, preferem não saber, não ouvir, não ler e não se questionar. As pessoas já não querem conviver. Preferem a solidão do indivíduo mas geralmente plugado na internet e nas redes sociais.
Por fim há uma quinta atitude: a dos responsáveis: enfrentam o aqui e agora. São aqueles que elaboram uma resposta; por isso os chamo de responsáveis. Não temem, nem fogem, nem se omitem, mas assumem o risco de abrir caminhos. Buscam fortalecer as forças positivas contidas na crise e formulam respostas para os problemas. Não rejeitam o passado por ser passado. Aprendem dele com um repositório das grandes expe­riências que não devem ser desperdiçadas sem se eximir de fazer as suas próprias experiências.
Os responsáveis se definem por um a favor e não simplesmente por um contra. Também não se perdem em polêmicas estéreis. Mas trabalham e se engajam pro­fundamente na realização de um modelo que corresponda às necessidades do tempo, aberto à crítica e à autocrítica, dispostos sempre a aprender.
O que mais se exige hoje são políticos, líderes, grupos, pessoas que se sintam responsáveis e forcem a passagem do velho ao novo tempo.
Fonte:  Fábio Oliveira

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

O CÉU DOS ÍNDIOS

 
Autor: Luiz Martins da Silva
Ao contrário dos primeiros europeus a desembarcar por aqui, que buscavam o Paraíso no Além, os índios americanos já viviam num Éden adâmico e não estavam muito preocupados com o dia de amanhã, muito menos com uma vida post mortem. O Céu já era para eles a vida, aqui e agora.
Contam cronistas que ao tempo dos primeiros exploradores os nativos até colaboravam na sobrecarga das naus, com madeiras e tudo o que queriam em grande quantidade, mas indagavam candidamente sobre os motivos de tanto acúmulo, se a madeira não ia acabar, se a floresta não ia desaparecer. Por que razão precisavam tanto de tudo e de uma só vez?
Há uma passagem em que ofereceram a Atahualpa, já sob as cordas (chegou a ser puxados pelas clavículas), uma chance de se livrar da execução, aceitando a “palavra de Deus”. O imperador inca tomou da Bíblia oferecida e a encostou na orelha. Nada ouvindo, atirou-a longe, indignado. Selou, assim, a sua condenação. Tampouco compreendeu como os que lhe aprisionavam seriam capazes de proporcionar a libertação de almas.
Mais escandaloso, no entanto, soou para os ameríndios a ideia transmitida pelos colonizadores de que alguém pudesse comprar e vender terras, rios e demais recursos naturais, algo cujo controle e reverência atribuíam tão somente a divindades, era como se uma pessoa qualquer pretendesse se igualar, por exemplo, ao Deus da Chuva.
Num poema em nada satírico, o poeta norte-americano James Dickey (1923-1997) imaginou um Céu também para os animais (The heaven of animals). Hora, porém de se perguntar como seria um Céu para os índios, se já viviam no Paraíso. E que ironia, os homens que apareceram propagando a necessidade de se preparar para um Céu depois da morte acabaram por lhes transformar a vida num inferno em curto prazo.
Por estes dias, as redes sociais estão repletas de apelos em favor de etnias sob ameaças de perdas de terras e da própria vida. Há, de alguns anos para cá, um fenômeno macabro: a prática do suicídio nas aldeias como uma forma de escape à perda de qualquer sentido para a vida na Terra. Como se não bastassem os assassinatos, os extermínios, o contágio de doenças, o alcoolismo, agora são os índios que tomam a iniciativa de se autoeliminar.
Tragédias como a que vivem os Guarani-Kaiowa remetem-me aos tempos de jovem repórter, quando era responsável pela cobertura da Funai (Fundação Nacional do Índio) e viajava para rincões para cobrir escaramuças entre índios e fazendeiros. Volta e meia o “Sindicato da Morte” também dava cabo de religiosos que atuavam junto a numerosas nações indígenas.
Em meados dos anos 70, levantei um dado estatístico, na Funai: havia entre os índios brasileiros missões de 50 diferentes linhagens religiosas, todas, evidentemente, tentando salvar as almas dos índios e encaminhá-los para um Céu de beatitudes. Eu fico me perguntando se não teria de ser o inverso, os brancos indo aprender com os índios, como se pode viver no Paraíso, já, aqui e agora.
Luiz Martins da Silva é jornalista e professor da Faculdade de Comunicação, da Universidade de Brasília. Mestre em Comunicação pela UnB e doutor em Sociologia pela Universidade Nova de Lisboa. Coordena o projeto SOS Imprensa da FAC/UnB. Como jornalista, atuou no Jornal de Brasília, no O Globo e na revista Veja, entre outros. Atuação e pesquisa nas áreas de jornalismo, jornalismo público, comunicação pública e comunicação, ética na comunicação e mobilização social. É poeta com vários livros publicados. Últimas publicações: “O jornalismo como teoria democrática” e “Information, Communication and Planetary Citizenship”.
Artigo socializado pela UnB Agência e publicado pelo EcoDebate.